"Em uma cidade do interior morreu um pai de família muito querido. A viúva mandou chamar a única fotógrafa da cidade para tirar fotos do morto para poder colocar no cemitério.
A fotógrafa ao chegar ao velório viu o morto dentro do caixão e começou a fotografá-lo. Para seu espanto, toda vez que olhava pelo visor da máquina fotográfica via o morto olhando para ela com os olhos abertos. Quando tirava a máquina fotográfica de sua frente, olhava para o morto e o via com os olhos fechados. Várias fotos foram tiradas e, quando reveladas mostraram que realmente o morto a via com os olhos abertos."
Um garoto do sexto ano havia terminado de contar sua história. A maioria dos alunos já havia se recolhido, apenas pouco mais de meia dúzia ainda estava reunida em torno da fogueira. Adhara atirava pedaços de uma gosma roxa na fogueira de tempos em tempos, que fazia o fogo crepitar e causava pequenas explosões, assustando os colegas mais atentos às histórias.
AM: Que horror!
IM: É só uma história, Anabel! Pensei que seus neurônios super-estimulados soubessem distinguir uma coisa da outra...
IL: Toma cuidado, senão o defunto do Jack vai vir puxar seu pé essa noite.
Ian e os amigos caíram na gargalhada. O professor de zoologia olhou para o relógio trouxa que tinha no pulso esquerdo e, percebendo que já havia passado das duas horas da manhã, ordenou que todos fossem para suas barracas. Adhara e Bel seguiram com cara de pouquíssimos amigos, enquanto Ian e Samuel rumavam para o outro lado do acampamento.
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Adhara entrou em seu saco de dormir e ficou olhando pro teto da barraca, fungando. Não conseguia pregar os olhos, seu cérebro fervilhava. Bel a olhava intrigada. De repente, a garota levantou, vestiu a capa e rumou para fora.
AD: Adhara, tem certeza?? Ta tão escuro lá fora...
AB: Bel, se não quiser vir, não precisa. Deixa que eu vou sozinha.
AD: Não... também não quero ficar aqui sozinha. Eu vou com você!
AB: Coloca isso na cabeça e traz sua varinha.
As duas seguiram silenciosamente por entre as barracas. Bel não sabia onde estavam indo, mas a idéia de ficar sozinha naquela escuridão, ainda mais depois da sugestão de Ian, acusava-lhe calafrios. Pé ante pé, as duas meninas se aproximaram da barraca dos garotos, os intragáveis sem cérebro, apelido carinhoso que Adhara dera a Ian e Samuel.
Estava tudo escuro. Os dois garotos deviam estar dormindo... O sono dos inocentes. Adhara cochichou alguma coisa no ouvido de Bel, que, um tanto resignada, concordou com a cabeça e se afastou cerca de dez passos do local onde a amiga estava. Então, dentro da barraca, Ian e Sameul ouviram um estrondo. Assustados, os dois ergueram-se dos sacos de dormir. Uma luz verde cobria uma das paredes da barraca, e um vulto esquelético pairava alguns centímetros acima do chão. Uma risada cadavérica ecoou nos ouvidos dos garotos, e Samuel correu em direção à porta de lona. Sentiu o sangue gelar em suas veias quando não encontrou a saída. Estavam presos dentro daquele mausoléu de lona. Ian arrancou a varinha de dentro do bolso do pijama, os olhos arregalados. Samuel tentou esconder-se atrás do amigo, mas o vulto da mulher o perseguia. Ian desferiu uma dezena de feitiços que teoricamente derrubariam um hipogrifo, mas que pareciam fazer nada mais que cócegas no fantasma daquela mulher horrorosa. As sombras que agora tomavam conta da barraca pareciam sinistramente vivas, e o cheiro de mofo e podridão inundava o local.
A risada cadavérica ressoou novamente, fazendo as pernas de Ian tremer de pavor. Então, os dois garotos viram-se transportados a um velho sobrado abandonado, escuro e muito sujo. Samuel procurou sua varinha, mas não a encontrou. Eles se moviam, contra a vontade – como se uma força invisível os empurrasse - em direção a uma porta escancarada.
Havia teias de aranha por todo o lugar, sem falar no cheiro de carniça em decomposição, parecia abandonado há anos. Mas algo estranho, muito estranho aconteceu.
Uma luz de vela brilhava no aposento ao lado. Os dois garotos ficaram hipnotizados e foram em direção àquela luz. Ao chegar ao aposento, Ian gritou. Havia uma mulher sentada numa cadeira empoeirada com uma caixa ao seu lado. Ela era feia, vestia uma camisola verde claro, como aquelas usadas em hospital. Era a mesma mulher da barraca do acampamento. Ficou mais surpreso ainda quando ela me chamou pelo nome: "Ian! Será que você pode ma ajudar?"
A voz era esganiçada e sombria. Ele e Samuel tentaram conter o temor. "Não tenham medo. Eu sei que o senhor precisa de dinheiro, senhor Berbenott... eu pago bem aos senhores se me ajudar com esta caixa. Eu já cansei de pedir, mas ninguém me ajuda", disse a figura.
Samuel tentou recusar, mas sentiu um desejo tão grande de pegar aquela caixa que quando percebeu, ele e Ian já a tinha nas mãos. Somente perguntaram para onde deveriam levá-la.
A mulher estava logo atrás dos dois, pois iria ensinar o caminho. No início não notaram nada de errado, mas de repente, comeos dois garotos começaram a sentir um cheiro estranho, muito estranho, vindo da caixa...um cheiro de morte!
A mulher continuava falando, mas Samuel não via mais a sombra dela no chão. Nesse momento, Ian olhou de soslaio para onde ela deveria estar, mas não estava! Ambos começaram a ficar com medo. Pararam um instante e Ian pensou em abrir a caixa, mas foi interrompido pela voz da mulher: "Não abra a caixa! Vocês terão que ir até o fim!!! Já paguei adiantado pelo serviço." O pavor tomou conta dos dois amigos. Samuel debatia-se, tentando se convencer que era um pesadelo e logo iria acordar, e cravou suas unhas no punho esquerdo. Deu um grito de dor. E então percebeu que não era um pesadelo... estava acordado, era real. As mentes confusas, não sabiam o que fazer. Não sabiam mais de onde vinha a famigerada voz. Ian imaginava que viesse da caixa, mas não quis arriscar. "Não parem, Ian e Samuel! Eu quero chegar logo!" Agora não tinhas mais dúvidas. A voz vinha realmente da caixa.
Ian pensou em atirá-la no bueiro mais próximo, mas não conseguiu tirá-la da mão, parecia colada. Samuel tentou de todo jeito se livrar daquele artefato das trevas, mas não teve sucesso. Os dois amigos tremiam como varas expostas a um vendaval. Acabaram levando a caixa ao tal destino.
Haviam chegado em uma bela casa. Um homem bem apanhado os atendeu, e Ian deixou a caixa na chão. O individuo, meio sem saber o que fazer, pegou a caixa e começou a abri-la. Samuel não agüentou a curiosidade e deu uma olhada para dentro dela.
Assim que ele abriu, o fundo se rompeu e um monte de ossos velhos, sangue e carne em decomposição esparramou-se pelo assoalho da casa. A cabeça da mulher rolou pela sala de visitas, e novamente sua voz repugnante ecoou: "Eu voltei para você, meu querido! Muahahahahahuahua!!"
Ian e Samuel berravam, verdadeiramente apavorados. A risada sinistra do fantasma da mulher e o cheiro de seu corpo podre invadia penetrava seus poros. A náusea e o desespero dominavam-nos completamente. Lentamente, o vulto da mulher levou-os de volta ao acampamento. Estavam novamente dentro da barraca com a parede iluminada por uma estranha luz esverdeada. Mais uma vez, a voz esganiçada e sombria do cadáver foi ouvida.
"O homem que vocês viram era meu marido e me envenenou há anos, escondendo meu cadáver naquele sobrado abandonado. Vocês serviram de 'Mensageiros do Cão', levando aquela encomenda macabra para o antigo dono. Muahahahaha!".
Então, exatamente como surgiu, o fantasma desapareceu. A barraca voltou a ficar na mais completa e silenciosa escuridão. Ian e Samuel suavam frio. Estavam pálidos e gelados. Então ouviram passos e risos do lado de fora da barraca. Tremendo, Samuel conseguiu abrir a fechadura na lona. Quando saíram, encontraram Adhara às gargalhadas, com a varinha em uma das mãos e alguns frascos de poção ilusória vaporizada na outra. A garota sorria marotamente, com ares de triunfo. Anabel aproximou-se do grupo, sorridente, com um gravador nas mãos.
AM: Prontinho, Adhara! Tudo registrado.
AB: Pensei que as duas mocinhas ia fazer xixi nas calças. Vamos nos divertir muito com nossos corajosos amigos aqui berrando "Socooooorro!! Por favor, não me machuque!" em voz de falsete. Medo de assombração, Ian?
Ian e Samuel precisaram de vários minutos até perceberem que haviam sido vítima de uma brincadeira das garotas.
SB: Isso não vai ficar assim.
AM: Toma cuidado, senão o fantasma vai vir puxar o pé de vocês essa noite.
AB: É, se eu fosse vocês, pensaria duas vezes antes de pregar os olhos. Ah, e já que vocês gostam tanto de cantar, uma musica suave vai tocar a noite inteira pra vocês.
Cuide do seu nariz
Você fala demais
Não fui eu que pedi,
Se o teu conselho fosse bom tu vendia
Eu não quero ouvir
Onde foi que eu errei
Não foi assim que eu quis
Infelizmente foi em você que eu me espelhei
(...)
Agora preste atenção
E me deixe falar
Aprendi a dizer não
já chegou a hora de me libertar
Hey não dá
Esse papo de faça como eu
Tuas palavras ecoam no meu destino
(...)
Não sou ovelha negra, e qualquer
Menina da vida da vida,não
Tentar esconder
Pra não ter que ver
Onde dói a ferida da vida, da vida, é
Não sou qualquer menina da vida!
Muahahahaha!
Com um riso irônico e debochado, Adhara puxou Bel pelo braço, e as duas voltaram aos seus sacos de dormir, não sem antes certificarem-se que a risada que tanto atemorizou os garotos ecoaria durante toda a madrugada, cessando apenas com o raiar do sol.
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N.A.:
1. As histórias de terror foram retiradas do site www.assustador.com, e devidamente adaptadas.
2. A música citada é Próprias Mentiras, de Deborah Blando.
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