Das lembranças de Gabriel Graham Storm
- Não quero ouvir nem a voz de vocês!
- E contentem-se em apenas ouvir os fogos, porque ninguém sai daí ate amanhecer!
A porta do quarto bateu e ficamos na escuridão total. Estava amarrado em uma cadeira, de frente para os meus dois primos, Lucas e Letícia, que também estavam amarrados. Estávamos os três de castigo por tempo indeterminado e perderíamos a queima de fogos na praia, por causa de um acidente com fogos de artifício. Vou explicar o que aconteceu.
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Dia 31 de Dezembro de 1996, 18hs.
LM: Estou entediado...
GS: E o que eu tenho com isso?
LM: Quero fazer alguma coisa, anda! – disse atirando uma pedrinha no livro que eu lia.
GS: Vai ler, faz bem e não atrofia o cérebro...
LM: Você é chato, vamos brincar de alguma coisa!
GS: Não estou com vontade, porque não vai importunar a Letícia? Olha ela chegando ai...
Um táxi parou em frente à casa e tio Julian, tia Chelsea e a filha deles, Letícia, desembarcaram. Eles estavam vindo de Londres para passar a virada do ano no Brasil conosco e ficar uns dias. Lucas, que era filho da tia Susan, levantou logo e veio arrastando nossa prima ate a arvore onde estava sentado. Meus tios entraram para falar com nossas mães e ficamos no jardim.
LM: Letícia, por favor, me salva! O Gabriel é um chato, não quer fazer nada!
GS: Chato é você! É algum crime querer ler um pouco ao invés de criar confusão?
LS: Ei parem vocês dois! Que coisa irritante, brigam 24hs por dia! Acabei de chegar de viagem e vou ficar poucos dias, portanto decreto o fim da leitura e das brigas idiotas e digo que vamos dar uma volta para achar algo de útil pra fazer!
Letícia arrancou o livro da minha mão, atirando ele na grama e saiu andando pela rua. Como ela não conhecia a vizinhança nova, fomos atrás dela. E como eu já havia previsto, não tinha nada pra se fazer na véspera do ano novo, todos estavam ou viajando ou trancados dentro de casa terminando de arrumar as coisas pra festa. Lucas então parou, como se lembrasse de algo, e traçou uma reta uma velha casa na arvore que tinha em seu quintal. Não subia naquilo há uns cinco anos, nem sabia se ainda passava na porta. Quando chegamos lá em cima, meu queixo caiu: um verdadeiro estoque de fogos de artifício estava guardado lá, bombas de todos os tipos e tamanhos.
LS: Como você arrumou tudo isso??
LM: Anos e anos pegando uns e outros dos que papai compra pra festa de fim de ano. Acho que junto isso há seis anos!
GS: Ele sabe que você rouba os fogos dele?
LM: Não roubei nada, só escondi. E não, ele não sabe. Querem soltar uns?
GS: Não!
LS: Claro!
Olhei piedoso para Letícia, mas os olhos dela já estavam brilhando. Lucas veio arrastando uma caixa contendo morteiros, rojões e flechas árvore abaixo e seguimos para um campo de futebol deserto ao lado da casa dele. Nossos pais estavam tão entretidos botando os assuntos em dia que ignoraram os sons de explosões vindo do terreno ao lado.
A caixa já estava quase vazia quando escureceu. Entramos para nos arrumar e voltamos ao campo para soltar as ultimas bombas. E foi ai que se deu a tragédia. Ao lado do campinho tinha uma igrejinha, onde acontecia uma animada festa de Reveillon, com fitas de papel douradas e prateadas penduradas por toda a extensão do pátio. Subimos no muro com a intenção de soltar a ultima flecha e o ultimo rojão ao mesmo tempo e querendo que eles estourassem mais alto. A garrafa estava presa, ou ao menos era o que pensávamos, no ferro que tinha no muro e acendi o pavio. O idiota do Lucas soltou uma bombinha no mato ao lado e me assustei, chutando a garrafa. Ela girou e com medo daquilo explodir em cima de mim, pulei do muro e corremos rua abaixo. Só que a garrafa não caiu no chão e sim parou deitada, apontando para a festa da igreja.
Não deu tempo de fazer muita coisa a não ser subir no muro de novo e se desesperar. A flecha saiu da garrafa com o rojão amarrado e passou cortando as fitinhas coloridas, ateando fogo nelas. As pessoas pararam para olhar assustados e começaram a gritar quando o rojão se soltou da flecha e deu inicio aos seus estouros no meio do pátio. Eu tinha as mãos no rosto em pânico, observando o estrago. Letícia chorava do meu lado dizendo que tínhamos explodido a festa e Lucas não dizia nada, se concentrava em rir da confusão, alheio ao perigo de alguém se queimar.
LS: temos que fazer alguma coisa! Faz alguma coisa Gabriel!
GS: Você quer que eu faça o que? Tenho cara de caminhão de bombeiro???
LS: Usa sua varinha, apaga o fogo!
GS: Não posso fazer mágica fora da escola... Melhor chamar minha mãe!
LM: NÃO! Tia Louise vai nos devorar vivos. Deixa que os fogos apaguem sozinhos.
LS: Alguém pode se queimar seu maníaco!!
Letícia agarrou a camisa de Lucas e começou a sacudir ele quando ouvimos passos amassando a grama atrás da gente. Minha mãe e meus tios estavam parados logo atrás, chocados com a cena. Aparentemente os gritos os atraíram e dando falta de nós três, vieram correndo. Foi só somar dois mais dois pra saber que estávamos envolvidos com a gritaria e as explosões. Não preciso nem dizer que levamos o sermão do século e saímos rebocados de volta pra casa pendurados pelas orelhas não é? Eles nem pararam para ouvir as argumentações de que foi um acidente, pois não tínhamos autorização para mexer nos fogos de artifício do tio Rogério e muito menos soltar eles pra cima de pessoas. Fomos atirados dentro do quarto de Lucas e proibidos de sair ate o dia clarear. Já que fizemos nossa própria exibição pirotécnica, não precisávamos ver os da praia.
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Pois é, ainda estou aqui, mas agora sem as cordas. Lucas é o menor e mais magrinho, se soltou fácil e depois nos desamarrou. Agora ele esta pendurado na janela gritando no escuro, assustando as pessoas que passam na rua. E esta funcionando, pois alguém sempre grita e depois reclama com ele na rua. Letícia e eu estamos sentados no chão rindo dele. Já são 23h59min, só mais uns segundos pra 1997. Não era o reveillon que eu pretendia ter, mas ao menos da pra ouvir os fogos na praia aqui perto. Fazer o que não é? Feliz Ano Novo de qualquer forma...
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