Do diário, ou melhor, caderno de pensamentos de Bel Damulakis
- Sr. LA FAYETTE, runa é o nome dado a cada uma das letras do alfabeto rúnico, utilizado no noroeste da Europa, especialmente na Escandinávia e nas Ilhas Britânicas, entre os séculos III e XVII. Portanto, o nosso objetivo é decifrá-las e...Sr. LA FAYETTE, o senhor ouviu alguma palavra do que eu disse?!
Comecei tentando explicar o básico para o garoto de meio palmo de altura que estava sentado no banquinho na minha frente, mas ele estava há exatamente meia hora encarando a porta da biblioteca com a boca aberta e uma cara de quem acabou de acordar...sendo que eram 5 da tarde! Fulminei o menino com o melhor olhar assassino que consegui fazer e tive que agradecer mentalmente a Isabel por me dar tantas oportunidades de treiná-lo com ela.
- Uhnn...eu acho que sim...- respondeu o garotinho, tremendo da cabeça aos pés – Eu só estava um pouco distraído...
- Jura? Estava contando os segundos para o senhor engolir aquela mosca! Confesso que já vi gente distraída, mas o senhor é o primeiro que consegue perder completamente o foco da atenção olhando para a porta da biblioteca!
O menino demorou alguns segundos para processar a chuva de informações. Ele sim devia ser o irmão gêmeo da Isabel! A mesma cara de quem precisa de tratamento médico urgente, com direito a terapias de choque e tudo.
- Moça, eu realmente não gosto de estudar esses desenhos estranhos...eu só estou aqui porque a professora Catharine mandou e...
Ok, hora de treinar a cara de quem acabou de engolir um limão azedo com casca e tudo. Obrigada, Isa!
- DESENHOS ESTRANHOS?! COMO OUSA FALAR ASSIM DAS RUNAS? Fique sabendo que eu vou passar essa informação para senhora Muller e que o senhor será devidamente castigado! Que ultraje!
- O que é ultraje? – o garotinho deixou escapar antes que pudesse se conter, mas quando percebeu que eu estava começando a ficar ligeiramente verde, balançou rápido os braços, indicando que não queria ter dito aquilo ou se protegendo de um ataque iminente... – Tudo bem, tudo bem, eu sei o que é ultraje! E já estou indo embora, sua maluca! E por que raios você fica me chamando de senhor?! Eu só tenho 12 anos!
Eu já tinha segurado o menino pela gola da capa e estava considerando as possibilidades de ser presa se lançasse uma maldição cruciatus, quando meu castigo pessoal entrou na biblioteca parecendo um pavão enfeitado para o carnaval. Literalmente, aliás, já que ela tinha descoberto uma nova utilidade para a pena, que já devia estar atrofiando por falta de uso: um penteado feito com várias penas multicoloridas.
- Anabel, que você era louca eu já sabia, mas bater em crianças já é demais! Vai, menininho, estão distribuindo pirulito grátis lá no salão.
O garoto saiu correndo o mais rápido que pode, sem nem olhar para trás, enquanto Isabel me encarava parecendo 1% preocupada e 99% aterrorizada.
- Por que você sempre se intromete nos meus assuntos? Eu ia dar uma boa lição naquele menino abusado!
- Anabel, eu nunca pensei que teria que falar isso, mas você precisa urgentemente sentar e ler um bom livro! Nunca te vi tão estressada! Eu já falei que uma boa massagem relaxante resolve qualquer coisa, mas em vez de se contentar em SÓ estudar para os NOMS você ainda resolveu virar babá desses pirralhos!
Santa ignorância...bem, imagino que deva ser melhor ouvir isso do que ser surda...
- Não é babá! Eu sou m-o-n-i-t-o-r-a!!! É uma responsabilidade gigantesca que a professora Catherine...
- Quem aquela louca com sotaque estranho?! E você é completamente obcecada pelo cérebro dela! Como vai o fã clube?
Uhnn...pode esquecer aquela história sobre ser surda, sim?
- Qual? O seu da Barbie? A professora Catherine é alemã! Ela só tem dificuldades de se adaptar ao mundo francês...
- Vocês duas têm dificuldades para se adaptar ao planeta Terra! Ela consegue deixar runas ainda mais insuportável...o que parecia impossível!
- Isabel, se você falar mais uma palavra, faço seu cabelo virar uma palha de aço antes que você consiga implorar por piedade...
A coisa parou por alguns segundos, considerando que não valia a pena arriscar os galeões do salão de beleza por tão pouco. Era impressionante como a França não tinha feito nada bem para a cabeça dela. Continuava o mesmo ser petulante, enxerido, mas agora vestida de seda! De qualquer forma, ela fez sua saída teatral, deixando a biblioteca cheia de pluminhas que caíram de seus cabelos, fazendo com que o cenário lembrasse ligeiramente um estouro de galinhas.
- Ahh, Bel...
- O QUE FOI?! – resmunguei revoltada. Será que o mundo tinha tirado o dia para encher a minha paciência? Mas era o Bernanrd...coitado, pela cara de pavor dele, devo ter sido um pouquinho grossa, mas tentei me redimir. – Ah, oi, Bernard. O que você quer?
- Uhnn...eu acho que esqueci – balbuciou o garoto, ainda assustado – Ah, sim, foi para perguntar se você vai ao acampamento no Lago Moliets.
- Claro que sim! – respondi, radiante. – O que eu não daria por alguns dias longe de Beauxbatons só estudando botânica. E, segundo meu lema, eu estou onde a Isabel não está...como eu tenho certeza que ela não vai...podem reservar meu lugar no ônibus.
- Por que você tem tanta certeza de que ela não vai? – perguntou Bernard, sorrindo.
- A Isabel? Se ela passar um dia no meio do mato, com bichos e plantas, sai dali direto para o hospício. Acredita que ela não entrou no Louvre porque disse que tinha claustrofobia? O lugar é um mundo!! Acho que ela tem alergia a lugares com excesso de informação...o pequeno cérebro dela entra em colapso. Bom, vai ser um Natal feliz! Melhor que isso só se tivessem me trancado na sala da Mona Lisa. Eu passaria a eternidade naquele lugar! – Interrompi meu monólogo por um segundo, já que a professora Muller e seus 2 metros de altura tinham acabado de entrar na biblioteca conduzindo uma garotinha.
- Anabel, poderia me ajudar com a senhorita BOIS-REYMOND? – perguntou com um forte sotaque alemão.
- Claro, senhora Muller!!! –respondi, virando as costas para o Bernard. Com certeza, teria tempo de falar com ele depois. A menininha, que se chamava Anna, tinha grandes olhos azuis e parecia estar enfrentando a morte. Era engraçado como esses estudantes desesperados me lembravam da Isa. Parecia a própria no dia que fomos visitar a Gi e eu disse para ela passar alguma coisa no rosto e esconder as olheiras.
Anna sentou no banquinho e começou a chorar.
- Por favor, senhora!! O Peter me contou o que a senhora fez com ele. Eu juro que gosto de runas!! Gosto mesmo! Eu sei o alfabeto inteiro!!!
Bernard segurou o riso e levantou do banquinho.
- Bom, acho que agora eu vou deixar as duas sozinhas...
A garotinha resmungou e disse – Você tem mesmo que ir...- mas parou quando eu levantei o livro pesado e abri com um estrondo em cima da mesa. Acho que ela pensou que eu iria atirar o livro na cabeça dela...não que isso fosse uma má idéia, é claro.
- Srta. BOIS-REYMOND, runa é o nome dado a cada uma das letras do alfabeto rúnico, utilizado no noroeste da Europa, especialmente na Escandinávia e nas...
E assim continuei até a noite cair. Tentei ensinar runas a mais uns dois projetos de seres humanos, mas quando o último ameaçou me denunciar para a Madame Maxime por maltratar criancinhas inocentes, achei que era melhor voltar para o salão comunal. Sentei na poltrona perto da lareira e Adhara veio conversar comigo.
- Oi, Bel! Não te vejo há anos! Onde você estava?
- Uhnn...na minha sessão de castigos semanais. Estou pagando pelos pecados dessa e de todas as outras vidas.
- E eu que pensava que você já tinha sido bem castigada – disse Adhara imitando Isabel à tarde, quando parecia estar desfilando a nova coleção de Inverno francesa para um bando de garotinhas que davam gritinhos a cada capa que Isa vestia.
- Pois é...algumas pessoas simplesmente não tem sorte – disse, me levantando do sofá para ir dormir. Estava exausta e tinha que acordar cedo no domingo para estudar Mitologia.
Estava com uma grande sensação de dever cumprido, mas me se sentia cada dia mais enjoada de estar vivendo os mesmos dias durante o ano inteiro. Estava cansada de só ter como companhia os livros, estava cansada da falta de novidades, estava cansada de não entender muito bem porque todos pareciam estar vivendo no paraíso, enquanto eu me se sentia tão sufocada. Estava cansada dos pares de olhos que me encaravam com uma expressão estranha, apesar disso ser extremamente engraçado. Minha cabeça girava e eu passei uns 40 minutos rolando na cama até conseguir pegar no sono. Os NOMS realmente estavam me matando, a monitoria, as aulas, tudo! Além disso, sentia muita saudade de Hogwarts. Não me sentia em casa na Beaux, apesar de ser um ótimo colégio. Enfim, acho que estava um tanto quanto cansada de ser Anabel Damulakis. Mas amanhã é um novo dia, e, se as previsões da Amaralina estiverem corretas ( o que eu duvido muito) e Plutão ficar alinhando com Saturno ou algo do gênero, dias melhores virão.
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