Sunday, January 09, 2011

Dezembro de 1959

Dois meses já haviam se passado desde que Marcel e eu começamos a namorar. Se alguém tivesse me dito ano passado que isso ia acontecer, eu jamais teria acreditado. Marcel e eu éramos muito diferentes um do outro, sempre o vi como o mais imaturo do nosso grupo, o mulherengo e irresponsável, mas no tempo que passamos juntos fingindo que namorávamos comecei a ver outro lado dele, e não tive como negar que não estava ao menos um pouco balançada quando ele me pediu em namoro.

Decidi que precisava dar a nós dois aquela chance, e a cada dia que passava ele me surpreendia mais. O Marcel meu amigo era completamente diferente do Marcel meu namorado. Ele era carinhoso, romântico e muito atencioso. Não o via mais agindo como um idiota pelo castelo nem se metendo em confusão, era uma outra pessoa. Nossos amigos diziam que eu estava fazendo bem a ele, mas ele também me fazia bem. Com Marcel, eu conseguia me soltar um pouco mais. Ainda não da forma que eu gostaria, mas estava fazendo progresso aos poucos.

Meu medo maior ainda era a família dele. Mesmo já estando mais do que acostumada aos seus pais, era diferente quando tinha que estar ao lado dele em algum evento oficial. Eu agora era a namorada do Príncipe, e era inevitável que algumas pessoas nos perguntassem sobre casamento. No começo eu tinha crises de pânico, mas vinha ensaiando há semanas para o que prometia ser o dia em que mais me perguntariam isso: o jantar de Natal no Palácio.

Não era simplesmente um jantar com a família Real, que já seria intimidador o suficiente. Era um jantar com toda a alta sociedade francesa presente. Nossa família foi convidada a participar e dessa vez Andreas não pode recusar o convite e nos acompanhou. Danielle também estava lá, o que me tranqüilizou mais um pouco. Depois da morte de seu avô, ela e os irmãos haviam sido praticamente adotados pela mãe de Marcel, então eles faziam questão da presença dos três. E para a alegria dela, Henri, seu namorado, também estava presente. Como donos do St. Napoleon, a família dele era sempre convidada para esses eventos oficiais.

Já havíamos passado pelo jantar, onde tive que agüentar Estelle sentada bem na minha frente e lançando olhares furtivos na direção de Marcel. Sempre que pegava ela nos encarando, acariciava a mão dele, o que sempre o fazia me beijar ou falar alguma coisa no meu ouvido. Isso a deixava enlouquecida, e vê-la surtando me ajudava a relaxar. Mas depois que o jantar acabou, começou meu desespero. Marcel era requisitado a todo o momento em alguma conversa e eu estava sempre ao lado dele. Ele me apresentava às pessoas como sua namorada e 70% delas emendava com “Quando vai se tornar sua noiva?”. Depois de ouvir isso pela quinta vez, comecei a me sentir mal.

- Com licença, Sr. Dekker – Marcel estendeu a mão ao homem, que a apertou – Olivia não está se sentindo muito bem, depois conversamos melhor.
- Desculpa Marcel, mas as pessoas estão me assustando! – falei enquanto ele me puxava para longe das pessoas – Só estamos namorando há dois meses!
- Eu sei disso, não se preocupe – ele riu. Parecia estar se divertindo – Só tente entender o lado deles. Tenho 18 anos e você é a primeira namorada que apresento às pessoas, as cobranças são inevitáveis. Mas não se preocupe com isso, sei que é cedo demais. Quando perguntarem disso outra vez, só balance a cabeça e sorria.
- Onde estavam? – Andreas abriu a porta da biblioteca e entramos. Ele estava lá com Henri e Danielle, fugindo das conversas formais – Vocês estavam bem atrás da Dani.
- Fui pego pelo Ministro antes de conseguir alcançar a porta. Liv não está se sentindo muito bem, cuidem dela que eu já volto – ele me beijou e saiu apressado.
- Está passando mal? – Dani perguntou já me colocando sentada no sofá.
- Não, só estou sufocada com essas pessoas perguntando quando vamos nos casar – minha voz estava esganiçada – Casar! Estamos namorando há dois meses!
- Mas você queria o que? – os três riam – Marcel nunca foi uma promessa de formar família e assumir o trono, e de repente aparece com uma namorada que está colocando ele na linha. É lógico que as pessoas que sempre tiveram muitas de expectativas para ele vão pressionar.
- Você está muito tensa, mana – Andreas sentou do meu lado e puxou um frasco de remédio do bolso, com uns comprimidos verdes – Tome isso, vai ajudar você a se acalmar e relaxar.
- O que é isso? – peguei o comprimido da mão dele incerta.
- Só um calmante, trouxe caso você precisasse.

Confiei em Andreas e engoli o comprimido sem pensar duas vezes. Até hoje digo que aquele foi o maior erro da minha vida. Nos primeiros minutos estava tudo normal, mas aos poucos fui começando a sentir um calor absurdo, uma inquietação fora do comum. Depois comecei a ver pontinhos brilhantes e ai minha mente sofreu um blackout. Em um minuto estava na biblioteca suando em bicas e minha próxima lembrança é estar deitada na cama do Marcel, com uma dor de cabeça desesperadora e sem saber o que havia acontecido.

ºººººººº

Olívia estava começando a se sentir apavorada com toda aquela pressão em cima do nosso namoro de apenas dois meses e eu sabia que precisava deixá-la tranqüila em relação a isso, dizer que não precisava se preocupar com nada, mas a verdade era que, se dependesse de mim, a pediria em casamento naquela noite mesmo. Sempre fui desencanado em relação a isso, ignorava a pressão da minha família em encontrar alguém para me casar, não me importava. Mas quando percebi que estava apaixonado por ela, sabia que havia encontrado a pessoa certa, o único problema é que levaria um tempo até que eu pudesse dizer isso a ela.

Depois de perguntarem pela quinta vez quando anunciaríamos o noivado na mesma noite, achei melhor deixá-la com Andreas e Dani na biblioteca e ir terminar sozinho de cumprir minhas obrigações. Não demorei muito do momento em que sai da biblioteca sem ela para conversar com chefe dos Aurores até ter conseguido me livrar dos apertos de mão e voltado para ficar com eles, mas quando entrei na biblioteca outra vez, parecia estar em um mundo paralelo. Olívia estava em cima da mesa de leitura, Andreas estava rindo jogado em uma poltrona e Danielle e Henri tentavam tirá-la de lá. Olívia pulava e ria de um jeito um pouco assustador, nunca a vi daquele jeito.

- Marcel! – ela me viu e saltou da mesa até onde eu estava. Vi Danielle congelar, achando que ela ia dar com a cara no chão – Por que demorou tanto? – e me beijou cheia de vontade.
- Desculpa – olhei pra Dani sem entender nada e a segurei pela cintura, pois já estava caindo – O que aconteceu aqui?
- Andreas deu a ela um “calmante” – Henri falou sério, e Andreas ria ainda mais.
- Que porcaria você deu pra sua irmã, seu retardado? – perguntei preocupado. Olívia estava completamente alucinada.
- Nada demais, só uma coisinha pra ela se soltar mais. Não vai fazer mal, e ela dificilmente vai se lembrar.
- Estamos desde então impedindo que ela saísse, ela estava querendo ir atrás de vocês – Dani disse também séria. Só Andreas estava achando graça.
- Vamos meu amor, quero dar uma volta pelo jardim do Palácio! – Olívia se soltou do meu abraço e agarrou minha mão com uma força que não conhecia.
- Liv, tem certeza? Talvez seja melhor ficarmos aqui, você está um pouco... – tentei encontrar uma palavra delicada, mas não consegui.
- Eu estou ótima, nunca me senti melhor! Vamos logo!
- Viu? Ela está feliz.

Consegui lançar um último olhar furioso para Andreas antes de ser arrastado para fora da biblioteca por ela. Antes que chegássemos ao meio do salão cheio de convidados consegui assumir o controle da situação e passei a mão por trás da sua cintura de modo que ela estivesse bem presa e não pudesse sair, e ia guiando-a pela sala. As pessoas nos viam e acenavam, chamando para conversar, mas eu apenas sinalizava que voltaríamos depois e apertava o passo. Uma conversa com Olívia naquele estado poderia terminar em catástrofe. Os pais dela não podiam vê-la daquele jeito, e muito menos os meus. Papai ia começar a me interrogar para saber o que ela tinha tomado e o que aquilo significava.

Conseguimos chegar aos jardins com muito custo. Uma neve fraca caia e tinham muitas pessoas circulando lá fora também, mas era melhor que dentro do Palácio. Olívia se soltou de mim e correu até uma fonte que tínhamos no pátio principal. Ela subiu na beirada e não queria arriscar ver se ela ia pular ou não, corri atrás dela e a agarrei pela cintura, colocando-a no chão outra vez. Tentava fazer parecer que estávamos brincando, porque algumas pessoas já estavam olhando estranho. Ela jogou os braços em volta do meu pescoço e deixou o peso do corpo cair sobre mim e cai sentado na beirada da fonte, com ela escorrendo no meu colo.

- Sente um pouco aqui, Liv – coloquei-a sentada ao meu lado e ela obedeceu.
- A noite está tão linda... – ela comentou vaga, olhando pro céu. Apesar do frio e da neve, estava estrelado. Prendi o riso quando ela pegou um floco de neve com a língua.
- É, está muito bonita mesmo. É a perfeita noite de natal.
- Estou muito feliz com você – ela deitou a cabeça no meu ombro – Eu te amo, sabia?

Por um breve segundo eu congelei. Olívia tinha acabado de dizer que me amava? De verdade? Ela estava sob o efeito de drogas, mas ainda assim, só estava se sentindo mais a vontade para fazer coisas que não tinha coragem. Olhei para ela sorrindo e ela sorriu de volta, piscou duas vezes e apagou, caindo por cima de mim. Segurei-a depressa antes que caísse no chão e a coloquei deitada com a cabeça no meu colo, pensando em como ia tirá-la dali sem alarde.

- É, eu também te amo – e beijei sua testa. Era mesmo a noite de natal perfeita.