Sunday, May 10, 2009

“Já foi dito que o tempo cura todas as feridas. Eu não concordo.
As feridas permanecem. Com o tempo, a mente, protegendo sua sanidade, as cobre com tecidos de cicatrizes e a dor diminui, mas nunca se vai”.

Rose Kennedy


Abri os olhos devagar e uma claridade muito forte me forçou a fechá-los novamente. Demorei até tornar a abri-los, mas aos poucos ia me acostumando a claridade que aquelas paredes brancas traziam ao lugar e me mexi desconfortável na cama, mas não consegui levantar. Percebi então que estava presa debaixo de um lençol, completamente empacotada por ele, e quando tentei me soltar ouvi o barulho de alguém se mexendo perto de mim.

- Calma, o lençol está preso – Philipe falou se aproximando e puxando o pano da cama – A enfermeira prendeu com medo de você rolar e cair.
- Enfermeira? – perguntei confusa. Minha cabeça ainda latejava um pouco – Estou em um hospital?
- Você não se lembra de nada? – ele perguntou com uma cara esquisita.
- Eu sofri um acidente com o Johnny, um caminhão bateu no nosso carro ontem.
- Não foi ontem, Bia – Philipe se aproximou mais e segurou a minha mão – Já fazem 3 dias.
- Eu dormi 3 dias?? – perguntei assustada e senti uma pressão na minha cabeça – E o Johnny? Onde ele está?
- Você estava em coma, sua família está desesperada – ele explicou paciente – A turma toda já passou aqui pra te ver, deixaram cartões e flores.
- Onde está o Johnny? Ele está bem? – perguntei outra vez – Lembro dele dizendo que o socorro já estava chegando e que estava bem antes de desmaiar.

Philipe ficou estranho de repente e apertou minha mão com mais força, me encarando com um olhar de pena. Sem soltar minha mão, Philipe puxou um banco para perto da cama e sentou.

- Bia, o Johnny... Ele não... – Philipe fez uma pausa e senti sua mão ficar gelada – O Johnny morreu, Bia. Quando encontraram vocês, ele já tinha morrido.
- Não, não é verdade! – fiquei agitada e tentei levantar, mas ele me segurou – Ele falou comigo, disse que estava bem, que eu tinha que ser forte. Ele estava bem, não pode ter morrido!
- Ele não pode ter falado com você, meu amor. Os médicos disseram que ele morreu na hora do impacto, que você teve muita sorte de ter sobrevivido.
- Mas eu falei com ele – disse já me desesperando, as lágrimas escorrendo por todo meu rosto enquanto Philipe o segurava com as duas mãos, tentando seca-las – Ele me disse que o socorro já estava vindo, que eu ia ficar bem. Phil, ele não pode ter ido embora!
- Eu sei, eu sei – ele repetia, tentando me acalmar – Eu acredito que ele tenha falado com você.
- Você acredita em mim?
- Sim, eu acredito. PJ foi quem encontrou vocês primeiro e ele disse que só voltou naquela rua porque ouviu a voz do Johnny chamando ele – reagi ao ouvir aquilo e ele soltou meu rosto, mas segurou minha mão – Ele disse que Johnny gritava por ele, pedindo que voltasse porque era importante. Ele achou que estava maluco, mas decidiu voltar. Quando chegou lá encontrou o carro de cabeça pra baixo, Johnny morto e você desacordada. Ele entrou em desespero e chamou uma ambulância, ficou lá do seu lado esperando o socorro chegar.
- Ele falou comigo, Phil... Ele não queria que eu ficasse desesperada com o acidente.
- Sim, ele estava cuidando de você.
- O que eu vou fazer sem ele? – comecei a chorar outra vez e Philipe alisou meu rosto, beijando minha testa.
- Eu vou ficar do seu lado, não se preocupe.

Fechei os olhos outra vez, deixando caírem muitas outras lágrimas enquanto Philipe mantinha minha cabeça em seu ombro. Senti um aperto no coração tão intenso que impressão que tinha era de que ele ia explodir de tanta dor. Meus pais entraram no quarto um tempo depois e ficaram aliviados de ver que eu estava acordada, mas logo os sorrisos desapareceram e deram lugar a mais lágrimas quando descobri que meu irmão já havia sido enterrado e não tive a chance de me despedir pela última vez. Quando olhei para a porta do quarto, vi o rosto do PJ me olhando pelo vidro, mas ele sumiu quando viu que eu tinha o visto. Queria falar com ele, poder agradecer por ter voltado, mas não conseguia. Era inevitável pensar que meu irmão favorito havia morrido e aquele com quem nunca me dei bem estava andando pelo corredor do hospital, vivo e sem nenhum arranhão, porque saiu do carro minutos antes. Pensar aquilo me fazia se sentir extremamente mal, mas o que magoava mais era saber que Pierre devia estar pensando a mesma coisa. E não devia estar se sentindo culpado por isso.