Saturday, December 27, 2008

Desde que meus pais morreram as noites de natal era diferentes do que meus irmãos e eu estávamos acostumados. Não havia mais as festas, as comemorações com a casa cheia e nem uma árvore repleta de presentes. Agora que não tínhamos mais a presença deles, vovô preparava a ceia e comemorávamos apenas nós quatro, sem muita bagunça. E acabei descobrindo que não precisava de uma casa cheia e uma árvore recheada para passar uma noite de natal feliz. Mesmo com dificuldade, vovô fazia de tudo para que a noite fosse especial. Mas o que eu não sabia era que um simples gesto de outras pessoas podia transformar a nossa noite e deixá-la ainda mais especial.

- Frédéric, se deixar cair calda na roupa, vai ter que lavar – vovô brigou com meu irmão, que cortava a sobremesa sem delicadeza
- Mais fácil ele tirar nota alta na escola do que não se sujar comendo – Tomás provocou – Fred é um lambão.
- Ah é? – Frédéric parou o garfo no ar e se virou para Tomás – E se a torta voadora acertar você? Também vira um lambão? Vai estar sujo...
- A torta voadora não vai acertar ninguém! – vovô falou em tom de aviso e eles sossegaram – Se a torta voar, ninguém ganha presente! Vou mandar o Papai Noel levar tudo de volta!
- Presentes? – falamos os três ao mesmo tempo, mas só meus irmãos sorriam
- Sim, presentes! – vovô falou animado – Estão na arvora esperando vocês desde cedo, vão abrir!

Tomás e Frédéric levantaram das cadeiras depressa e Frédéric quase derrubou a sua. Saíram desabalados em direção a sala e da cozinha podia ouvir os dois rasgando os embrulhos. Olhei para o vovô ainda séria, mas ele continuava sorrindo.

- O que está esperando para abrir o seu? – disse fazendo menção de se levantar, mas não o fez quando viu que não me mexia
- Vovô, você não devia ter comprado nada – disse impaciente – Não podemos gastar o dinheiro com essas coisas! Já fez muito em promover um ceia farta desse jeito esse ano!
- Danielle, já falei que você não deve se preocupar com essas coisas! – vovô brigou comigo – Sua única preocupação deve ser estudar, tirar boas notas e se formar. Do resto cuido eu!
- Mas se ao menos me deixasse ajudar! – insisti – Já falei que não me importo em trabalhar!
- Não! Já disse para esquecer essa história! Não quero nada atrapalhando seus estudos. Terá tempo de sobra para trabalhar quando se formar. Não cresça mais do que já cresceu antes da hora, minha querida – vovô sorriu de novo e se levantou, beijando minha testa – Hoje é natal, aproveite a noite e venha abrir seu presente.

Ele me deixou sozinha na cozinha e acabei me dando por vencida, indo atrás dele. Meus irmãos estavam sentados no chão em frente a nossa árvore e levei um susto. Não tinha apenas, mas muitos presentes! Tomás e Frédéric tinham papel colorido até no cabelo e não sabiam qual embrulho rasgavam primeiro. Olhei espantada para o vovô, mas ele parecia tão surpreso quanto eu.

- Dani, tem um monte de presentes pra você também! – Tomás pegou um dos pacotes com o meu nome e me entregou – Ganhamos um monte de coisas legais!
- Dani, olha isso! – Frédéric segurava uma goles novinha na mão – Minha própria goles!
- Vovô, de onde veio isso tudo? – perguntei ainda assustada, segurando minha caixa ainda embrulhada
- Eu acho que foi o Papai Noel – vovô respondeu e piscou pra mim quando fiz uma cara incrédula – Ah, Tomás, você ganhou um aeromodelo! E Frédéric um trem! Vamos lá fora testar?

Meus irmãos logo se animaram e saíram com meu avô para testar com os brinquedos que ganharam, mesmo com toda a neve que caia. Olhei para a caixa na minha mão e abri. Era um kit de botânica que estava de olho há meses, mas não me lembrava de ter comentado meu desejo em comprá-lo com ninguém além da Olívia. Achei aquilo estranho e quando ia pegar mais um pacote, ouvi um barulho nos fundos da casa. Deixei a caixa no sofá e já encaixando as peças, corri atrás do “Papai Noel”.

- Algumas pessoas chamam isso de invasão de privacidade, sabia? – falei abrindo a porta dos fundos e assustei Andreas, que estava prestes a pular o muro
- Ah, droga, eles nunca mais vão me deixar fazer isso – ele resmungou derrotado e veio ao meu encontro – Alguma chance de fingir que não me viu?
- De onde veio tudo aquilo? – fui direto ao assunto quando vi que ele tinha um saco vermelho preso no cinto
- Nos juntamos para comprar alguns presentes – ele deu de ombros, parecendo sem graça por ter sido pego – Eugene e Remy também mandaram coisas pros seus irmãos.
- Sabem que não gosto quando fazem isso, não é? – falei também um pouco sem graça – Caridade.
- Não é caridade, Dani. É amizade – Andreas não parecia mais constrangido e me encarou sério – Gostamos muito de você e não queríamos que passassem o natal sem ganhar nada. Tudo bem, eu sei que exageramos um pouco, mas seus irmãos só têm 10 anos! Eles não têm que passar o natal sem nada.
- Vocês são os melhores amigos do mundo – sorri para ele e o abracei
- A gente faz o que pode... – disse me dando um beijo no rosto e ri – Kalani também participou! Vai saber qual é o presente dele quando abrir.
- Obrigada. E pode deixar que não vou contar a eles que o peguei no flagra.
- Valeu. Era para o Marcel vir, já que é o único com permissão para aparatar, mas ele deixou o Remy cair da vassoura e o pai deles estava furioso.
- Ele está bem? – perguntei preocupada, sabia que Remy não podia se dar ao luxo de se machucar como uma criança normal
- Está tudo bem sim, só machucou o pulso. Mas Marcel ficou com a consciência pesada e achou melhor ficar com ele. Bom, tenho que ir. Fiquei mesmo para ver seus irmãos descobrindo os presentes e olha no que deu... – ele riu e me abraçou de novo – Feliz natal, Dani.
- Feliz natal, Andy. Até dia 31.

Ele se afastou sorrindo e subiu no muro, saltando para o lado de fora depressa. Quando virei para entrar em casa, vovô estava parado na porta da cozinha, me observando. Ele caminhou até onde eu estava e enrolou um cachecol no meu pescoço desprotegido.

- Há quanto tempo está ai?
- Tempo suficiente – ele sorriu e me abraçou – Você tem ótimos amigos, Danielle.
- É... Eles são os melhores – deitei a cabeça no ombro dele, suspirando – Ainda não acredito que fizeram isso.
- Então venha comigo, sei o que vai ajudar a acreditar.

Vovô me guiou para dentro de casa outra vez e saímos pela sala, para o quintal da frente. Tomás montava uma réplica de um avião e Frédéric colocava um trem elétrico para funcionar sobre os trilhos, ambos sorrindo de um jeito que não via desde que nossos pais morreram. Olhei para o vovô e ele sorria também, feliz por ver meus irmãos daquele jeito. Acho que meus amigos não faziam idéia de que fariam desse o melhor natal da nossa família.

Here we are as in olden days,
Happy golden days of yore.
Faithful friends who are dear to us
Gather near to us once more.

Through the years
We all will be together,
If the fates allow
Hang a shining star
upon the highest bough.
And have yourself
A merry little Christmas now

Have Yourself a Merry Little Christmas - Hugh Martin & Ralph Blane

Friday, December 26, 2008

Mônaco, 25 de Dezembro de 1958

Residência dos Delacroix


- Vamos, abra o meu presente – Johnny estendeu um embrulho muito bem feito para Bianca
- O que é isso? – Bianca pegou o embrulho sorridente e sacudiu de leve, rasgando o papel em seguida – Um kit de manutenção para vassouras? – Disse um pouco desapontada – Obrigada, maninho, agora só preciso de uma vassoura para poder usá-lo...
- Ah, desculpe, esse era só uma parte do presente – Johnny sorriu e assobiou alto – Eugene, vai buscar o outro presente da Bia!

O garoto levantou do sofá e subiu as escadas correndo. Voltou segundos depois com um embrulho dourado no formato de uma vassoura e atirou no colo do irmão, voltando a abrir o resto de seus presentes.

- Feliz natal, mana – Johnny esticou o pacote para Bianca, que dessa vez não precisou sacudir e arrancou o papel depressa
- Johnny!! – Bianca abraçou o irmão – É uma Comet 180! Deve ser o último modelo lançado!
- Eu sei, é o modelo que o nosso time vai usar esse ano. É para você treinar e conseguir aquela vaga no time da Lux.
- Charleston nunca vai permitir um time misto em Beauxbatons – Pierre, que abria um de seus presentes perto dos irmãos, se meteu na conversa – Quadribol é um esporte violento, se um balaço arranca a cabeça de uma das garotas, é ele quem vai responder a um processo.
- A Bia joga melhor que os garotos do meu time – Eugene comentou do outro lado da sala e Bianca sorriu para o irmão mais novo
- Claro! No seu time só tem um bando de pirralhos de 10 anos!
- Se você não tem nada de útil pra falar, Pierre, então cale a boca – Johnny defendeu a irmã – Bia é perfeitamente capaz de se cuidar e jogar naquele time.
- Não me mande calar a boca, super astro do quadribol! Eu tenho o direito de expressar a minha opinião e papai concorda comigo!
- Parem vocês dois! – Bianca disse irritada, evitando uma possível briga – Hoje é natal, não vamos recomeçar essa discussão!
- Bia, eu ganhei uma goles do Johnny, quer treinar comigo? – Eugene parou ao lado da irmã com a goles debaixo do braço
- Claro, vamos lá pra fora.

Levantou do chão com sua vassoura nova na mão e deixou os irmãos para trás, ainda se encarando, indo para o quintal coberto de neve jogar quadribol com o irmão de 10 anos. A opinião de Pierre sobre ela poder jogar com garotos não importava. Para Bianca, ter o apoio de seu irmão mais velho e também melhor amigo já era o suficiente.

ººº

Palácio de Mônaco

A sala de estar do palácio estava repleta de bruxos e trouxas bebendo e celebrando o natal, mas do lado de fora, nos jardins, três figuras circulavam sob os olhares atentos dos guardas. Charlotte estava sentada no banco e enquanto alisava o filhote de gato que ganhara de natal, observava os irmãos. Marcel, que havia presenteado Remy com uma vassoura feita sob encomenda, tentava ensinar o irmão a voar.

- Marcel, e se eu cair? – Remy falou preocupado, suas mãos pálidas suando ao segurar o cabo da vassoura
- Você não vai cair – Marcel montou em sua própria vassoura e bagunçou o cabelo do irmão – E se cair, eu pego você. Agora dê um impulso.

O garoto olhou para o irmão ainda inseguro, mas decidiu confiar e deu um impulso com toda força que conseguiu reunir. A vassoura começou a levantar vôo e os guardas se adiantaram, preocupados. Marcel os deteve com um simples aceno e voou atrás do irmão.

- Muito bem, Remy! – Marcel o encorajou – Está voando melhor que a Charlie!
- Ei, eu ouvi isso! – Charlotte gritou do chão e os dois riram

Marcel agora ensinava Remy a fazer curvas com a vassoura e ganhar velocidade, mas à medida que a brincadeira tornava-se perigosa para Remy, um dos guardas resolveu alertar o Rei. Voltaram ao jardim às pressas e Marcel-Louis V tinha a face vermelha de raiva.

- DESÇAM JÁ! – O Rei gritou, furioso, e assustou seus três filhos – MARCEL, TIRE SEU IRMÃO DESSA VASSOURA IMEDIATAMENTE!
- Eu sei descer sozinho! – Remy gritou de volta, ofendido, já inclinando a vassoura
- Remy, cuidado! – Marcel deitou o corpo na vassoura para alcançar o irmão, mas foi tarde demais. Remy perdeu o equilíbrio e a vassoura tombou para o lado, deixando o garoto pendurado

Suas mãos suadas escorregaram e Remy soltou o cabo da vassoura, batendo forte no chão. Por sorte estava a poucos metros do gramado, mas a pouca altura não evitou que quebrasse o pulso. Seu pai correu para socorrê-lo, mas apesar da dor, o garoto não chorava.

- Olhe o que você fez, seu irresponsável! – O Rei gritou com Marcel quando o garoto se aproximou correndo – Remy não pode voar, ele é frágil!
- Talvez se parassem de tratá-lo como se fosse de louça, ele não se machucasse tanto! – Marcel gritou de volta
- Não fale comigo nesse tom! – o homem levantou do chão, encarando o filho mais velho
- Falo como quiser! – Marcel também ficou de pé para encarar o pai no mesmo nível
- Parem! – Remy gritou do chão e Charlotte o ajudou a se levantar – Hoje é natal, por que vocês estão brigando?
- Vamos, Remy – Charlotte olhou para o pai e o irmão e balançou a cabeça – Mamãe pode dar um jeito no seu pulso.

A garota guiou o irmão de volta para o palácio e a Rainha, que era uma Curandeira, cuidou da fratura do filho mais novo. Marcel permaneceu nos jardins, sozinho, por um longo tempo. Só levantou quando viu que as luzes do quarto de Remy haviam se apagado e foi direto até ele. Abriu a porta devagar e a luz do corredor fez Remy se virar na cama. Ele apanhou os óculos em cima da mesa e sentou na cama.

- Como você está? – Marcel perguntou preocupado, sentando na ponta da cama
- Meu pulso dói um pouco, mas nada demais. Papai exagerou na reação.
- Ele só ficou preocupado – Marcel justificou o pai – Também fiquei, a culpa foi minha.
- Você não faz nada além de me dar o melhor presente de natal que já ganhei.
- A vassoura? – Marcel riu – Você já teve outras, mas menores.
- Não, você me ensinou a voar – Remy sorriu – Você não me tratou como um doente que não pode fazer nada que os outros fazem e me deixou ser um garoto normal por 5 minutos.
- Mas eu devia ter tomado mais cuidado! Você caiu e se machucou, podia ter sido grave.
- Eu já estive bem pior. Vai, você tem que admitir que foi engraçado o jeito que eu cai!
- Não teve graça, Remy – Marcel se manteve firme, mas a risada do irmão quebrou o ar sério – Ok, foi um pouco engraçado. Você parecia uma peça de roupa pendurada no varal.
- Vou precisar de outras lições antes que você volte pra escola.
- Ok, mas vamos voar sobre a piscina, ao menos se você cair, não se machuca.
- Fechado – Remy estendeu a mão e Marcel a apertou, sorrindo.

Passaram o resto da noite de natal conversando sobre táticas de vôo e Marcel prometeu levá-lo a alguns jogos de quadribol durante as férias de verão. Tudo que Remy queria era se sentir como uma criança normal e ao menos nisso Marcel poderia ajudar o irmão.

Thursday, December 04, 2008

PRECISA-SE DE ELENCO PARA A RÁDIONOVELA
Aos interessados, favor procurar Kwon Perrineau ou Jude Mandeville na rádio, de segunda à sexta entre 22:00 e 22:45.

Andreas passou pelo mural de recados do salão comunal da Lux e sua atenção se voltou para o aviso pregado recentemente. Ficou pensativo encarando o pedaço de papel por alguns segundos, até que o arrancou e guardou dentro de um dos livros que carregava, saindo para a aula.

ººº

- Droga de sistema de créditos – Anabela reclamou caminhando com os amigos depois de uma maçante aula de latim – Não acredito que aquela morsa passou relatório pro diretor dizendo que a gente não estava fazendo nenhuma atividade extracurricular.
- Não achei mesmo que fossemos passar mais um ano na flauta – Andreas respondeu puxando o papel de dentro do livro – Mas eu tenho a solução.
- O que é isso, Andy? – Marcel esticou o pescoço, curioso.
- Abriram vagas pro elenco da rádionovela.
- Está louco... – Anabela riu – Kwon nunca ia permitir isso.
- Por que não? Não vamos lá pra fazer bagunça, precisamos dos créditos.
- Tecnicamente, eu não preciso – Marcel disse convencido, esbarrando em um de seus seguranças e olhando para ele atravessado – O quadribol já cobre todos os créditos que preciso.
- Ah, mas sem você não tem graça, Marcel! – Andreas insistiu – Não pode quebrar a corrente.
- Ei, quem disse que eu vou me inscrever pra isso? – Anabela reclamou
- Você não pode jogar quadribol e nem vai escrever pro jornal da escola, que opções lhe restam?
- Me dá isso – disse puxando o papel da mão do amigo. Marcel riu.
- E você, Marcel? Vai nos abandonar?
- Pro inferno, isso pode acabar sendo divertido! – disse pegando o papel da mão da amiga e rindo – Mas Kwon não vai gostar nem um pouco...

ººº

A rádio ainda estava vazia quando Andreas, Anabela e Marcel, com um de seus seguranças, chegaram. Estavam sentados no chão conversando quando Kwon chegou balançando as chaves da rádio na mão. Parou de repente, surpreso com a presença dos amigos ali, então passou para abrir a porta sem perguntar nada. Esperou um deles se pronunciar, mas quando ninguém o fez, virou-se para o trio sentado no chão.

- O que estão fazendo aqui?
- Viemos para a vaga de locutores da novela – Andreas mostrou o papel a ele, levantando do chão com os outros dois.
- Nem por cima do meu cadáver. Com licença, estou atrasado – Kwon respondeu de imediato e já ia entrar e deixar os três para trás, mas Anabela o deteve.
- Por favor, Kwon! Preciso desses créditos e não tem mais nada que possa fazer de extracurricular!
- E eles dois? – apontou para Marcel e Andreas – Marcel joga quadribol e Andreas disse que entrou para a equipe de redatores do jornal esse ano, não precisam de mais créditos.
- Viemos fazer companhia à Frida – Marcel respondeu passando a mão pelo ombro da amiga – Ela não queria vir sozinha e vocês precisam de mais de uma pessoa, então viemos também.
- A rádionovela não é uma brincadeira, é um programa sério que nos comprometemos a comandar, não posso dar a vaga a vocês, sabendo que não vão levar a sério. Desculpem.
- A gente vai levar a sério, Kwon! – Andreas insistiu – Ninguém mais vai aparecer, e vocês vão ficar sem pessoal pra ajudar. Dá uma chance a gente, por favor!
- A gente só quer ajudar na rádionovela! – Anabela reforçou o pedido
- Ah, voluntários! – Jude apareceu no corredor com uma pasta na mão e ouviu o final da conversa – Não achei que fosse aparecer gente tão cedo. Você pregou os folhetos quando? Ontem?
- É, ontem – Kwon respondeu vago, já preocupado com os sorrisos estampados no rosto dos amigos – Escuta, Jude, eles não...
- Entrem, vamos – ela passou pelos quatro sorrindo – Já estou com o roteiro aqui, vamos dividir os personagens!
- Ah, ótimo! – Marcel foi o primeiro a entrar e empurrou Kwon para o lado ao passar – Estamos ansiosos para começar!
- Se fizer alguma gracinha, eu não me responsabilizo pelos meus atos! – Kwon empurrou o amigo contra a parede quando passou e disse entre os dentes. Marcel sorriu cínico – Estou de olho!
- A novela se chama “O Direito de Nascer” – Jude disse empolgada, passando uma folha para cada um – Não é francesa, então precisei traduzir e revisar ela toda, para fazer algumas adaptações e deixar mais bruxa, pois é uma novela trouxa. Os papéis que farão estão escritos no alto da folha. Dêem uma lida e vamos começar o programa semana que vem!
- Albertinho Limonta – Marcel leu no alto da folha e olhou para Andreas, ambos prendendo o riso – Bonito nome.
- Ele é um dos protagonistas da história – Jude explicou – Eu sou uma delas tambem, assim como Anabela. Kwon é Dom Rafael Zamora de Juncal, meu pai. Ainda precisamos de mais 3 pessoas, mas conseguimos improvisar se não conseguirmos ninguém, ao menos por um tempo. Podemos fazer outros papéis também.
- Ah, ótimo. Sem nenhum tipo de pressão aqui – Anabela suspirou derrotada – Quem é você, Andy?
- Dom Alfredo Martins – disse lendo o pedaço de papel – Acho que sou sei pai, Marcel!
- Papai! – Marcel puxou o amigo para um abraço
- Meu filho, meu orgulho! – Andreas respondeu lhe dando tapas nas costas com força
- Bom, já têm seus papéis, entao podem ir – Kwon abriu a porta e empurrou os amigos para fora – Só estudem o texto, ok?

Ele fechou a porta depressa e os três voltaram para o salão comunal da Lux com seus papéis na mão, lendo falas soltas e rindo de algumas delas. No meio do caminho ouviram Kwon e Jude darem início aos programas diárias da rádio e imaginaram como seria ler aquele texto melodramático diariamente, para a escola inteira ouvir. Não seria nada fácil, mas sem dúvida seria divertido.

Monday, November 03, 2008

O Trevo, Final

31 de agosto de 1958

- Todos vocês, fechem os olhos. Respirem fundo, de modo que sintam o ar inchando os pulmões e contraindo o diafragma, e depois o soltem pelo nariz e pela boca, lentamente... Relaxem.
- Me desculpe o incômodo, – Derek cochichou no meu ouvido, ao meu lado direito – mas porque mesmo nós estamos aqui?

Ri e abri os olhos, encarando o teto branco, acima de mim. Vincenzo Andreatta, o pai de Yanic, e também o empresário da “Le Bonnet-Blue” (nossa banda), havia nos convocado para uma reunião antes de embarcarmos para Beauxbatons, no dia seguinte. Porém, aquela era a reunião mais excêntrica que tinha participado, até então... Ele nos levara até o apartamento de um amigo dele, Jean Carlos Lumiére, um diretor de peças de teatro e filmes de curta-metragem. Assim que chegamos, ele pediu que deitássemos no chão em forma de círculo, de maneira que nossas cabeças se encostassem ao centro. Ao meu lado direito, estava Derek. Ao meu esquerdo, Noah.

- Vincenzo disse que precisamos melhorar nossas performances no palco. Temos que ficar mais soltos, descontraídos... Nas palavras dele “nós temos música, nos falta estilo”. – respondi aos sussurros e Derek girou os olhos.
- Ele é nosso empresário ou personal stylist? Nós temos estilo! Só não somos tão “soltos” quanto o Elvis, mas se estiverem esperando que eu rebole no palco, me desculpem, mas estou pedindo demissão agora. – sufoquei a risada ao perceber que Lumiére estava vindo em nossa direção. Apesar de não estar olhando para nós, no chão, e sim para um ponto fixo no horizonte da sala, enquanto falava, decidi fechar os olhos novamente.
- Agora, quero que todos vocês se dêem as mãos. – Senti a mão de Noah esquentando a minha mão esquerda e meu coração acelerou. Derek puxou a outra. – O que tem que estar bem claro para vocês, é que vocês são mais que uma banda. São um time, um grupo. Vocês são mais que colegas de shows, são amigos. Uma família. Não devem hesitar críticas e nem pouparem elogios. Devem manter o equilíbrio, o bem-estar, a boa convivência. Qualquer decisão, difícil ou não, deve ser tomada pelo grupo e não por um só, ou alguns.
- Blá blá blá – escutei Derek cochichar entediado, mas não ri. Senti a mão de Noah apertar a minha um pouco mais forte e percebi o quanto aquilo era importante pra ele. Secretamente pensava se no novo ano em Beauxbatons eu teria coragem de contá-lo, finalmente, que gostava dele desde quando éramos crianças...

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1º de setembro de 1958

- Você é um tronquilho ou uma pessoa? – Flora perguntou indignada, depois de atualizá-la sobre minhas férias e todas as novas oportunidades que tive para falar com Noah, que desperdicei.
- As coisas não são tão simples quanto você as faz parecer, Flora. Nós somos amigos de infância e eu tenho certeza de que ele espera que continuemos sendo somente isso. Não posso simplesmente me declarar, do nada. Isso pode acabar com a nossa amizade, com a banda... – respondi me defendendo, mas ela fechou ainda mais a cara.
- Resumindo: você não vai dizer nunca, não é? Sempre vai ter a desculpa de que está com medo de estragar a amizade de vocês, ou prejudicar a banda, ou sei lá quais outros tantos motivos. Só digo uma coisa: se qualquer dia desses alguma menina for mais rápida e ele começar a namorar, se apaixonar por outra pessoa, não venha reclamando pra mim, ok?

Senti um aperto no peito só de pensar na possibilidade. Já tinha visto Noah sair com várias meninas, mas nunca se mostrava empolgado com uma delas. De qualquer maneira, Flora estava certa. Eu precisava tomar uma atitude, antes que fosse tarde demais. Eu realmente não podia esperar e desejar que Noah me olhasse de uma maneira diferente, de um dia para o outro.
Abri a boca para responder, mas fechei logo em seguida. Ela também não disse mais nada. Estava tão mergulhada no silêncio do Salão Comunal que nem percebi Leonard entrando e se aproximando de nós.

- Joplin, Vincenzo quer fazer MAIS uma reunião com toda a banda antes de tocarmos. Vamos? - perguntou parando ao meu lado e só depois reparando Flora, à minha frente. – Como vai, Flora?
- Bem. E você? Como foram as férias? – ela respondeu corando levemente e prendi uma risada.
- Pacatas o suficiente. – ele respondeu sem entender o porquê do meu divertimento repentino. – Acabo de cruzar com a professora Cecile. Ela disse que vai reunir todos do jornal na semana que vem, para fazermos um balanço do ano passado e estabelecermos as áreas de cada um, nesse ano. Vocês ainda vão participar, não é?
- Sim, claro! Só espero que me coloquem em uma tarefa diferente nesse ano... Assistir todas as partidas de quadribol do ano passado foi uma tortura. – ela respondeu agitada e rimos.
- Eu também vou continuar no jornal e se possível, entrar para a rádio. Preciso ocupar meu tempo e minha cabeça. – respondi e Leonard pareceu curioso, mas fui mais rápida, me levantando. – Vamos então. Vincenzo fica louco quando nos atrasamos para as reuniões e ele tem que atrasar o show. Você vai nos assistir, Flora?
- Claro. Será que a seleção dos primeiranistas já acabou?
- Não sei. Quando vim, ainda tinham uns quinze na porta da diretoria, esperando para “conversarem com as fadas”. – Leonard respondeu entediado, Flora riu.

Alguns minutos depois, enquanto ele fora até o seu dormitório para pegar a guitarra, encarei Flora, rindo abertamente.

- Você é um tronquilho ou uma pessoa? – repeti a pergunta e ela pareceu ficar brava. – Você também está no mesmo barco. Porque não diz pro Leonard que gosta dele, de uma vez por todas? Vocês fariam um belo casal.

Ela não respondeu, pois Leonard já descia as escadas de volta. Pisquei para ela, que continuou com a cara fechada, e o acompanhei para fora do Salão Comunal.

Assim que saíram, Flora resmungou mal-humorada: “não digo nada a ele, porque ele gosta de você e só você não percebe isso!”

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O show de abertura do ano letivo havia sido um sucesso na opinião de Noah.
Quando terminaram a última música e agradeceram ao público de centenas de estudantes que os aplaudiam empolgados, viu Derek descer do palco acompanhado de mais duas ou três garotas. Leonard estava conversando com Vincenzo sobre alguns detalhes técnicos que tinham de ser melhorados. Ele decidiu começar a desmontar sua bateria, cuidadosamente. Estava limpando os pratos, quando uma garota chamou sua atenção. A conhecia de vista e por nome como Penélope Champollion, e era amiga de Yanic e Jude. Seus cabelos loiros caídos sobre os ombros e os olhos eram de um verde intenso com um brilho fraco, profundo. Ele a observava conversar com os dois, como se estivesse hipnotizado pelo mistério que aquela menina carregava consigo.
Ela, por sua vez, pareceu ter percebido que estava sendo observada, e quando olhou rapidamente na direção dele e seus olhos se encontraram por breves segundos (antes que ele os desviasse novamente para os pratos, em suas mãos) alguma coisa naquela garota fez despertar em Noah uma vontade de descobrir mais sobre ela.

Monday, October 27, 2008

Em 1958, muita coisa aconteceu. O Brasil ganhou sua primeira Copa do Mundo, o primeiro satélite americano foi mandado para o espaço, o Papa Pius XII faleceu... Mas o ano de 1958 também foi marcado como o ano do recomeço. Foi em Setembro de 1958 que Kalani embarcou pela primeira vez, aos 16 anos, para a Academia de Magia Beauxbatons.

O mundo mágico era novo para ele e sua irmã mais nova, Nani. Haviam sido tirados do mundo onde cresceram e conheciam e jogados em um outro totalmente desconhecido em muito pouco tempo. Em um mês, Kalani ganhara uma casa nova, pais novos, dois irmãos e se esforçava para aprender uma nova língua. Ganhara também meia dúzia de amigos novos, dos quais ele ainda tinha uma visão diferente da que seus irmãos tinham.

Enquanto aguardavam a hora de embarcar para a escola, observava as pessoas que atravessavam a barreira do porto. A primeira dos novos amigos a passar foi Bianca. Vinha abraçada a um rapaz muito parecido com ela, mas mais velho, e que recebia a atenção de muitas pessoas. ‘Johnny Latour, irmão mais velho da Bia. É o astro dos Quiberon Quafflepunchers!’, Kwon comunicou e Kalani sorriu, embora não soubesse o que eram os Quiberon Quafflepunchers. E não importava o que vinham a ser, pois sua atenção estava em Bianca. Ela, como Kalani descreveu para si mesmo, tinha olhos tão azuis que ele poderia passar horas apenas os admirando, perdido no tempo. E ela, como Kalani também logo descobriu, era namorada de seu irmão Philipe.

Philipe era o atleta da turma. Muito simpático e brincalhão, estava sempre de bom humor. Kalani tinha certeza que Philipe era capaz de competir e se dar bem em qualquer modalidade esportiva sem se tornar arrogante por isso. Era alto para a idade, mas não mais que Kwon, o que deixava Philipe inconformado. Os dois estavam sempre implicando um com o outro por causa da diferença de altura. Mas diferente de Philipe, Kwon era mais reservado. Gostava de praticar esportes tanto quanto o irmão, mas não fazia disso prioridade em sua vida. Kwon só se deixa relaxar e desfaz a expressão séria que carrega o tempo todo quando está com os amigos. Torna-se uma pessoa completamente diferente daquela que comanda a rádio da escola e que tem como objetivo de vida comercializar varinhas, que já consegue fabricar, embora algumas ainda apresentem algumas falhas.

Kwon tinha uma admiradora secreta no grupo e não fazia idéia. Era Olívia, a garota que, segundo Kalani, era a mais doce e prestativa dos 8 amigos. Olívia vive sob a represália do pai e quer se tornar escritora, mesmo sabendo que terá que bater de frente com ele. Kalani achava Olívia um pouco atrapalhada, mas isso acabava tornando-a engraçada. Já o irmão gêmeo dela, Andreas, era o tranqüilo do grupo. Era a personificação do bom humor, não suportava ver os amigos desanimados ou sem nada para fazer. É o melhor amigo de Anabela, a garota de descendência alemã com espírito rebelde. Andreas contou que Anabela, em um surto de rebeldia e em uma tentativa bem sucedida de levar o pai à loucura, cortou os cabelos em casa na altura da orelha e jogou fora todos os sapatos de salto, adotando apenas botas de combate no guarda-roupa.

Já Danielle, a menina ruiva que trabalhava na lanchonete da cidade, era com quem Kalani mais se identificava. Sua família sempre foi pobre e Danielle havia perdido os pais aos 14 anos. Ela agora vivia com o avô e os irmãos, os gêmeos de 10 anos Frédéric e Thomás. Seu avô já era muito idoso e Danielle trabalhava escondida dele para ajudar nas despesas da casa quando estava de férias e sempre contou com a ajuda dos irmãos para que o avô não descobrisse. Ela namorava um garoto muito rico, mas era orgulhosa e não permitia que ele se envolvesse nos problemas que tinha em casa.

O último do grupo a atravessar a barreira foi Marcel. Vinha ao lado de uma garota com o uniforme da escola e um menino de óculos de 10 anos. Ele tinha uma aparência muito frágil, mas sorria conversando com Marcel. Os três irmãos vinham cercados por seis seguranças e chamavam a atenção por onde passavam. Kalani não acreditou que Marcel fosse um príncipe de verdade quando o conheceu, achou que fosse alguma brincadeira dos amigos. Apenas quando a lanchonete onde estavam foi invadida pela Guarda Real a procura do garoto, que havia fugido, foi que ele acreditou. Para ele, Marcel era um príncipe fora dos padrões. Era muito brincalhão e tinha certa admiração por Olívia, embora nem ela, ele, ou mais ninguém parecesse notar.

- Vamos, Kalani? – Philipe bateu em seu ombro e Kalani saiu do transe – O barco vai partir em 10 minutos.

- Não se preocupem, não é tão assustador quanto parece. – Caterine o abraçou se despedindo

- É, vocês vão gostar – Kwon sorriu para Nani, que ainda estava insegura – E vamos estar lá para ajudar.

- Vai dar tudo certo, Nani – Kalani estendeu a mão para irmã, que a segurou – Vai dar tudo certo.

A garota suspirou e acompanhou os irmãos para dentro do barco. Os novos amigos logo se acomodaram nas poltronas ao redor e deram inicio a um animado bate-papo. Logo o porto já estava fora do campo de visão. Kalani não sentiu o tempo passar, até que Bianca sentou ao seu lado e apontou para o lado esquerdo do barco. Kalani virou e se deparou com a silhueta de um enorme castelo em tom alaranjado graças ao sol que já começava a se pôr. Ao fundo dele, algumas balizas brilhavam com os poucos raios do sol e refletiam em um imenso lago.

- Lindo, não? – Bianca falou admirando a visão.

- Sim, lindo... – ele respondeu hipnotizado pelo cenário

- Seja bem vindo ao nosso lar – ele sentiu um tapa nas costas e viu o rosto de Marcel sorrindo - Bem vindo a Beauxbatons!

Kalani olhou outra vez para o castelo e sorriu também. Não sabia explicar, mas de alguma forma, sentia-se em casa.

Wednesday, October 15, 2008

Dos diários de uma garota que acredita em contos de fadas

07 de Agosto de 1958

Conviver com minha irmã Virna, às vezes parece um teste para o purgatório. Volta e meia ela e o marido têm brigas, gritam um com o outro, mas após algum tempo tudo silencia, e no dia seguinte é como se nada houvesse acontecido. Ambos têm temperamentos explosivos, e as brigas na maioria das vezes ocorre por ciúmes de Virna por causa do trabalho de Kyle. Ele é auror, e sempre precisa estar ausente, deixando-a com a responsabilidade de criar dois garotos muito agitados e curiosos. Dylan e Kyle II, adoram ao pai, e não é fácil ter que dizer aos meninos que o pai, arrisca a vida pela segurança do mundo bruxo, ao invés de estar em casa brincando com eles. Dylan, é o estudioso, o que adora decobrir as coisas e tem muita compaixão, já disse que vai ser curandeiro, Kyle é o impetuoso, louco por aventuras e ansioso para desafiar o perigo. Ele quase nos matou do coração, hoje de manhã quando pulou do alto de uma estante e aterrissou numa mesa cheia de esculturas de cristal, por sorte, ele não se machucou, mas como disse que ia tentar de novo, o avô Josiah, o proibiu de fazer isso, e ameaçou-o com uma surra de cinta. Ele ficou assustado em ver o avô zangado, isso nunca havia acontecido antes, e acho que ele levou o aviso a sério. Bom, por via das dúvidas, os elfos têm ordens de não perdê-lo de vista e nós redobramos a atenção.

Virna deixou de trabalhar como curandeira no Hospital Geral de Brandenburg para se dedicar aos filhos, e ser dona de casa não combina muito com ela. Eu sinto que ela está infeliz, mas toda vez que eu toco no assunto ela diz que eu não vou entender, que sou jovem demais, que devo me preocupar com meus estudos... Como se eu não soubesse o que é querer alguma coisa e não poder ter.

Ontem eles brigaram novamente...E desta vez o motivo foi a atenção que Kyle deu à sua prima Sarah, ela trabalha no Ministério da Magia, acho que em execução da leis mágicas, e tanto ele quanto Connor, ficaram algum tempo conversando em tom baixo com ela. Acho que ela sentiu ciúmes por Sarah conseguir fazer Kyle rir divertido com sua conversa. Hoje já não há tantos risos da parte dele nesta casa...
Se Virna não estivesse tão centrada em si mesma, teria notado os olhares carregados de mistério trocados por Connor e Sarah, acho que estão apaixonados... Nestas horas os olhos de Kyle procuravam Virna, mas ela estava sempre ocupada correndo atrás dos filhos... *suspiros*
Será que algum dia alguém vai me olhar como se eu fosse a pessoa mais importante do mundo? E se algum dia ‘alguém’ me olhar assim, eu vou saber como corresponder? Ou porque algumas pessoas são cegas e não enxergam que a felicidade está ao seu lado todos os dias, só esperando que estendam a mão para você? Ah se ‘ele’ me estendesse a mão...

And I love you so,
The people ask me how,
How I've lived till now
I tell them I don't know

12 de agosto de 1958

Minha irmã resolveu que vai me arrumar um namorado, afinal nas palavras dela: “uma mocinha como eu tem que ter um namorado de boa família... Com posses... Afinal funcionou para ela...”.
Blergh! Até parece que estar com alguém com todas estas coisas, poderia me garantir a felicidade... Chego a questionar se ela é feliz ou apenas conformada com a situação. Ela não entende que sou feliz escrevendo meus contos infantis, vivendo aqui e sonhando com a volta à escola? É nosso penúltimo ano e sinto que ele será cheio de emoções, e muitas descobertas e realizações, por isso quero aproveitá-lo ao máximo.
Como será que estão todos? Espero que AJ seja bem sucedido em sua caçada, adoro vê-lo contar os detalhes de suas aventuras, é quando eu vejo nos olhos dele, como é determinado e vai superar seus objetivos, e Tristan... Ele é como o significado de seu nome: é o alvoroço, o clamor por algo que acho que nem ele sabe o que é...
Tristan, quer conhecer tudo, viver intensamente, descobrir de onde veio e botar em prática os planos de viagens que ele faz com AJ. Espero que ele não tenha tido mais sonhos estranhos, como os que ele teve antes das férias...
Torço para que ele esteja bem, na última carta, ele estava nervoso por não poder sair do orfanato. Ora, mas o que ele queria? SE ele fosse um trouxa, sairia do orfanato com 16 anos, pois já seria maior de idade, mas ele é um bruxo e nós bruxos só nos tornamos maiores de idade aos 17 anos. Ele ficou tão chateado...Queria poder fazer algo para ajudá-lo. Talvez se eu pedir ao Kyle, ele possa ajudar ao Tristan... *rabiscando idéias*

Shadows follow me
The night won't set me free
But I don't let the evening get me down
Now that you're around me
And you love me too

20 de agosto de 1958

Tédio: para os simples mortais quer dizer aborrecimento, fastio..., mas para mim isso tem o nome de Lars Burgen.

Este é o nome do suposto pretendente que Virna me arrumou, ignorando meus protestos. Fomos até Paris comprar meu material escolar, uniformes e ‘por acaso’, encontramos o senhor Burgen, que gentilmente nos convidou a tomar um chá. Kyle olhou para mim incerto sobre aceitar ou não, mas levantei os ombros desanimados. Pelo menos eu não ficaria sozinha com Lars. Não que ele fosse feio ou mal educado, pelo contrário. Lars é bonito com seus cabelos negros e olhos azuis, estudou na Bélgica e esta se preparando para ser diplomata como meu pai. O engraçado é que ele me passou a impressão de estar ali cumprindo uma obrigação. Talvez ele também sofra pressões em casa, para namorar alguém de ‘boa linhagem’’puro sangue’. Um costume que as famílias antigas ainda mantém ¬¬
A conversa entre nós foi tão tediosa que faria uma tartaruga imitar a lebre e acelerar o passo rumo à morte. Mas tudo mudou quando ouvi a sineta da entrada tocar, e como se um imã me atraísse, olhei para a porta do salão de chá e não consegui conter um sorriso de satisfação.
Tristan finalmente havia aparecido. Quando ele nos viu e caminhou em nossa direção, Virna disse entre dentes:
- O que ele faz aqui?
- Eu mandei uma coruja avisando Tristan e AJ, sobre quando estaria em Paris. - respondi ansiosa.
- Pois acho que ele não deveria estar aqui, nem está vestido apropriadamente para freqüentar um lugar como este...- ela disse esnobe e eu a olhei irritada. Lars nos olhava com um ar curioso no rosto:
- Estamos num local público, ele pode ir aonde quiser. - resmunguei e antes que nossas vozes se alterassem, Kyle interveio:
- Olá senhor Thorn como vai?- disse Kyle se levantado e cumprimentando o meu amigo.
- Muito bem senhor McGregor, não quero incomodar... - era engraçado que Tristan geralmente tão rebelde com os adultos em geral, tem um tratamento cortês com meu cunhado. Isso deve ser porque Kyle o trata com respeito. Agora com Virna...
- Senhora McGregor, espero que esteja bem. - cumprimentou educado
- Já estive melhor.
- Sente-se conosco Tristan. - convidei e ele após um olhar para Virna, fez justamente o que ela não queria. Sentou-se, o apresentei a Lars, e logo o garçom começou a servi-lo e as maneiras dele à mesa eram impecáveis.
- Você também estuda em Beaxbatons? Sempre ouvi falar muito bem de lá, mas você deve adorar as férias, para poder viajar. - Lars tentou puxar assunto e ele respondeu:
- Onde me sinto realmente bem é na escola, com meus amigos. - ele respondeu e me deu um sorriso que correspondi. Virna resolveu provocar:
- Não queira saber sobre as viagens do senhor Thorn, Lars, ele mora num orfanato, e trouxa ainda por cima. Não deve viajar tanto como nós. - senti meu rosto arder de vergonha, Lars ficou constrangido e Kyle ofegou dizendo:
- Virna!- e minha ’querida irmã’ olhou cínica:
- Que foi que eu disse? Apenas a verdade ou isso ofende?
Kyle olhou-a sério e se virou para Tristan:
- Desculpe os modos rudes de minha mulher, senhor Thorn. - antes que Virna retrucasse, seu marido segurou a sua mão e a olhou sério. Dava para sentir a tensão entre eles estalar, por fim Virna cedeu, abaixando os olhos:
- Sem problemas senhor McGregor. O chá estava ótimo, mas peço licença, para respirar ar fresco. Gostaria de vir comigo Millie?- ele disse levantando e me estendendo a mão. Não hesitei, saímos do café e andamos rápido, quase corremos para ganhar distancia dali, e ao chegarmos numa praça, onde as pessoas podiam passear próximas à margem do rio Sena, eu disse:
- Desculpe por minha irmã ser...
- Uma tola preconceituosa, arrogante e mal educada?- ele disse e eu ri respondendo:
- Uma completa idiota. Desculpe.
- Não se preocupe Millie. Sua irmã precisaria passar meia hora no lugar onde moro, para aprender a como ofender alguém de verdade. Ela não gosta de mim e nem eu dela. Isso é um fato, mas eu gosto de você e estava com saudades de nossas conversas.
Passamos a tarde de sol conversando, rindo, tomamos sorvete e fazendo planos para a nossa volta à escola. Lá sim, vou estar verdadeiramente livre.

N.A. trechos da música: And I love you so, Elvis Presley

Wednesday, August 27, 2008

O Trevo, Parte I

29 de agosto de 1958.

- Descarto uma, desço a seqüência e... Bati. Mais uma vez. Não estão em uma noite de sorte, senhores... - Peter lançou um olhar vitorioso para todos nós na mesa, puxando uma baforada forte do charuto que prendia na boca. – E respeitosa senhora, claro. – Fez uma reverência com a cabeça na direção de Isabelle e soltou a fumaça. Ela começou a balançar as mãos freneticamente para espantar o fedor, tossindo.
- Já pedi para esbaforir isso para o outro lado. Se eu tiver câncer de pulmão aos 25 anos de idade, a culpa é toda sua. – ela disse irritada. Peter riu, puxando as fichas do centro da mesa para seu lado, amontoando-as vagarosamente.
- Cadê seu espírito esportivo, Belle? Não sabe perder com dignidade? – ele a provocou e ela semicerrou os olhos, ameaçadoramente. – Então, mais uma partida?
- Não. Estou saturado de pôquer por hoje. – me manifestei pela primeira vez, esticando os braços acima da cabeça. - Preciso ir pra casa. Meus pais vão sair e vou ficar com Vivian. Além do mais, eu sei perder com dignidade... – comentei arrancando risadas de todos. Peter, Isabelle e Lawrence também se livraram de suas cartas.
- O acampamento amanhã, está de pé? – Lawrence perguntou enquanto organizava o baralho.
- Claro que está! É nossa tradição, se lembram? Todos os anos, no dia 30 de agosto, nós acampamos no bosque. Há cinco anos fazemos isso. – Isabelle respondeu entusiasmada, mas ao olhar para mim, murchou. – Você não está desistindo, está, Derek?
- Não usaria o termo “desistir”. Só estou desanimado. Porque não tentamos um programa novo dessa vez? Acampar no bosque já perdeu a graça...
- No que, exatamente, você está pensando? – Peter parecia concordar, mas sacudi os ombros.
- Em nada, especificamente. Só queria inovar. – Belle soltou um suspiro triste ao meu lado e olhei-a.

Isabelle, Lawrence e Peter eram os meus melhores amigos. Todos os três, “trouxas”. Como eu só ficava com eles durante as férias de verão, Natal e o feriado de Páscoa, nós já tínhamos estabelecido cronogramas duríssimos para cada data. A noite de pôquer e o acampamento no bosque, que marcava a entrada de Rennes, eram programas clássicos do final das férias de verão. Desde o meu primeiro ano em Beauxbatons, seguíamos à risca nossa “agenda”, e eu percebi que tentar inová-la, deixou Isabelle muito chateada.

- Ok. Vamos acampar. Não esqueçam os marshmallows e...
- Lanternas, tortas lunares, histórias de terror, sacos de dormir... Já sabemos. – Peter foi listando entediado e concordei com a cabeça, mas Isabelle sorria abertamente.
- Vai ser divertido, admitam! – ela disse alegre. Lawrence virou os olhos.
- Se você está dizendo...

----------------

30 de agosto de 1958.

Depois de Lawrence contar todo o seu estoque de histórias de terror, Peter o seu de piadas e a fogueira apresentar sinais de que iria se apagar definitivamente a qualquer momento, finalmente decidimos dormir. Mal tinha entrado em minha barraca e me fechado no saco, um foco de luz atravessou a parede de tecido e a sombra conhecida de Isabelle se formou. Sentei.

- Abre pra mim. – ela sussurrou do lado de fora.
- Belle? Que aconteceu? Sua barraca desmontou?
- Não, está tudo bem. Quero falar com você. Abre!

Obedeci ainda sem entender nada. Assim que abri o zíper, ela pulou para dentro e o fechou novamente. Sorriu para mim de um jeito maroto.

- Oi.
- Oi. O que...

Ia perguntar o que ela queria, mas não deu tempo. Antes que eu pudesse completar a frase, ela já havia me puxado para um beijo intenso, que correspondi. À medida que nos beijávamos, ela fez com que me deitasse novamente sobre o saco de dormir, e deitou em cima de mim. Quando nos separamos, por uns segundos, não me mexi.

- O que exatamente você quer com isso? – perguntei sorrindo e envolvendo meus braços em sua cintura. – Você tem alguma idéia de onde podemos chegar, se você continuar aqui, assim, em cima de mim?!
- E você já parou pra pensar que a minha intenção é exatamente saber até onde podemos ir? – ela perguntou baixo, provocando. Deu uma mordida no meu pescoço que me fez perder todo o pouco controle que ainda tinha. Agarrei seus braços e a girei, fazendo com que ficasse por baixo de mim. Ela riu.
- Espero que você não confunda as coisas. Nós somos amigos, é só isso que podemos ser.
- Se eu nunca confundi, porque confundiria agora?
- É diferente... – comecei e ela pareceu impaciente.
- Amigos. Nada mais do que isso. – respondeu com firmeza e puxou minha camiseta. Rimos.

°°°°°

- Tem certeza de que temos que fazer isso? – perguntei pela milésima vez a Yanic, que já havia montado em sua vassoura e esperava que eu fizesse a mesma coisa com a “minha”.
- Tenho. Você quer ou não superar esse seu medo? Vassouras não mordem. – ele respondeu paciente.
- E se eu cair? Eu nunca voei.
- Do chão você não passa, não se preocupe. – Ele disse rindo e senti meu estômago embrulhar. – Anda logo com isso, Penny! Você não vai cair. É só se segurar firme. Vamos.

Encarei o cabo de madeira tosca alguns segundos e passei uma das pernas por ele, agarrando a sua extremidade com as duas mãos, trêmulas.

- Quando contar até três, você dá um leve impulso no chão ok? 1...2...3.

Obedeci e fechei os olhos em seguida. Quando os abri novamente, senti que meus pés flutuavam. Não queria olhar pra baixo e ver a que altura estava, mas Yanic gritou bem acima de mim.

- Você vai mesmo ficar só a um metro do chão?

Olhei para cima, para olhá-lo. Devia estar há uns seis metros de distância. Olhei para baixo e constatei que era verdade. Se eu caísse daquela altura, não iria nem me arranhar. Era uma altura segura, mas não me livrava do meu medo. Fechei os olhos novamente e respirei fundo. Direcionei o cabo da vassoura para cima e joguei meu corpo contra ele. Senti-o subir cada vez mais. Endireitei-o e abri os olhos. Um pânico imenso tomou conta do meu corpo quando vi as casas de Le Havre se formarem abaixo do morro do tamanho de caixinhas de fósforos. Yanic parou ao meu lado.

- Então? Quer descer? – perguntou preocupado ao ver que estava pálida e com olhos fixos.
- Não. – Sacudi a cabeça sorrindo e sentindo o vento passar calmo pelo meu rosto. – Foi a melhor sensação da minha vida. Sentir medo e depois, me livrar dele. Não quero descer daqui tão cedo...
- Eu disse que não era difícil, não disse? – ele perguntou sorrindo aliviado e concordei com a cabeça. Ficamos em silêncio vários segundos.
- Nic... Sabe o que isso significa?
- O que?
- Que você perdeu a aposta. Eu estou voando, não estou? Você vai ter que pegar Afrodite e Héstia.
- Não podemos esperar mais um pouco? Eu realmente não gosto de cobras. – ele desfez o sorriso e foi a minha vez de rir.
- Eu também não gostava de altura. Você não tem mais motivos para adiar.

----------------

- Você está se saindo bem. – comentei observando Yanic com os dois braços abertos enquanto Afrodite e Héstia deslizavam por eles, lentamente.
- Elas são simpáticas. Acho que podemos ser amigos. – ele não escondia o tom temeroso na voz.
- Definitivamente. – Afrodite sibilou rastejando até mim e se enrolando ao meu lado. – O cheiro dele é ótimo.
- Até mais do que isso, se você quiser. – Héstia completou se enroscando no colo dele. Ri.
- Elas aceitam a sua proposta. – disse e ele pareceu se aliviar, pois acariciou a cabeça de Héstia, sorrindo. - Obrigada. – disse antes que pudesse segurar e Yanic desfez o sorriso, me olhando sério.
- Pelo quê?
- Pela companhia. Pela amizade. Por me fazer não ter medo de altura mais... Por se tornar amigo das minhas melhores amigas. Enfim. – enquanto ia dizendo, senti os olhos se encherem de lágrima. Yanic riu.
- Você é uma boba, Penélope. Amigos servem pra isso. Você deveria ser menos anti-social e tentar uns novos, de vez em quando... Não machuca, sabia? Amanhã vou me encontrar com o pessoal da banda. Meu pai disse que está preparando uma “surpresa” antes do nosso show de abertura de ano letivo. Jude vai estar lá. Você poderia ir...
- Melhor não. É o encontro de vocês com o seu pai, coisas sobre a banda. – disse e Yanic fez uma expressão de impaciência - Não se preocupe comigo. Depois de amanhã estamos voltando a Beauxbatons e tudo vai ficar bem.
- É. Tudo vai ficar bem. – Yanic sacudiu os ombros e riu enquanto observava Héstia adormecer.

[To be continued...]

Saturday, August 09, 2008

Um dia na família Chronos

Os campos estavam silenciosos.

A planície inteira parecia vazia, sem vida, sem um único som, mesmo do vento.

Porém seus instintos e seu treinamento não mentiam, ele não estava errado.

Havia caça ali. Uma lebre talvez.

Então um pio alto rompeu a tarde, seguido do barulho de penas batendo e um pássaro grande e majestoso alçando vôo. No mesmo instante o barulho de algo se movendo próximo de um arbusto foi ouvido e uma lebre acinzentada saiu correndo pela planície assustada. E isso foi um imenso erro.

A águia subiu até uma certa altura e seus poderosos olhos focaram a presa, e com um mergulho se jogou contra o chão. Seu vôo foi rasante e certeiro, pois entre suas garras a lebre lutava desesperadamente para se liberar, mas com uma única bicada, seus movimentos cessaram.

- Muito bem, Cronus! – falei feliz enquanto estendia o braço direito à frente de meu corpo. Cronus soltou mais um pio alto e voou de volta para mim com a lebre entre as garras. Ele soltou a presa aos meus pés e pousou em minha luva de falcoaria recebendo meu carinho pelo ótimo trabalho. Agitei a varinha e levitei a lebre alguns centímetros, colocando-a em minha mochila de caça, quando ouvi barulho de cascos às minhas costas.

- Ah, filho! Vejo que vocês dois fizeram um ótimo trabalho. Teremos lebre no jantar. – Papai falou sorrindo para mim do alto de seu cavalo. Eu retribui o sorriso enquanto dava pequenas tiras de carne crua para Cronus.

- E como foi a caça à raposa?

- Foi ótima. Haviam muitas raposas e nossos Hounds trabalharam perfeitamente. Pena que você não esteve conosco e nem seus irmãos, eu adoraria a companhia de vocês.

- É que eu ainda não havia praticado falcoaria desde o início das férias, e precisava treinar Cronus, mas ele está ótimo como sempre. E o senhor conhece o Procyon, papai, ele não gosta disso, infelizmente.

- Sim, queria que ele participasse mais disso...Venha, vamos voltar. – Ele falou enquanto girava o cavalo, mas andava lentamente, para acompanhar meu passo. Cronus não se assustava com o cavalo de papai devido à proteção para os olhos que eu recolocara. Ao longe, eu podia ver o restante dos meus primos voltando para nossa casa campestre, com no mínimo 5 raposas penduradas em suas celas. – Já quanto a sua irmã, essa violência toda não combina com ela...Não venha me dizer que estou sendo machista! Sou apenas um pouco conservador, e ela é minha única filha, é como se fosse de porcelana para mim.

- Papai, se você deixasse de ver a Gomeisa desse modo, veria o quão forte ela é.

- Eu sei que ela é forte, mas não é por isso que vou deixa-la fazer qualquer tipo de coisa! Fico contente com o relacionamento de vocês, seus olhos brilham quando fala de seus irmãos.

- Nós três nos damos bem, apesar do Procyon ser tão diferente de mim...

- Ele é bem diferente mesmo...Mas gostaria que ele se ligasse mais as tradições, que gostasse de caça como gostamos, que levasse a luta e duelo a sério. Mas amanhã faremos algo que até ele gostará. – Papai falou com um sorriso que sempre demonstrava que ele tinha algo em mente e foi o suficiente para me deixar curioso e ansioso.

- O que vamos fazer, pai? Gostaria de saber logo!

- Amanhã você saberá...Olhe lá, sua mãe voltou de Londres, vamos vê-la. – Ele impulsionou o cavalo a galope e tomou distância de mim. Me vi obrigado a não correr muito para não assustar Cronus, e quando cheguei em casa, papai já havia desmontado e abraçava minha mãe.

- Senti sua falta mãe! Como foi a reunião com o Ministro? Quando papai voltou de Paris, ele contou que vocês estavam se reunindo com os Ministérios, mas não quis me dizer o porque.

- Olá, meu filho. A reunião foi um sucesso. Consegui a autorização para que você e seus irmãos possam prestar exames de aurores antes do previsto. Poderão faze-lo até o final desse ano.

- Isso é ótimo, vou contar para eles, com licença.

Depois de beija-la mais um vez e de deixar Cronus aos cuidados de nosso tratador de animais, corri para casa e encontrei meus irmãos. Gomeisa lia um livro, enquanto Procyon fitava o céu por uma janela, claramente entediado.

- Isa, Procy. O Ministro aceitou que façamos os testes de aurores antes do previsto, poderemos faze-lo até o final do ano.

- Isso é uma ótima notícia, James. Poderemos nos tornar aurores juntos talvez? – Gomeisa falou enquanto colocava o livro que lia sobre a mesa.

- Grande coisa. O Ministério deve estar sem aurores decentes para permitir que crianças façam os exames. – Procyon respondeu me dando um olhar cínico e depois voltando a encarar a paisagem.

- Se me acha despreparado, venha me testar, irmão. Ou tem medo, assim como tem medo de caçar? – provoquei, com certa raiva na voz, já de varinha em punho. Procyon ficou furioso e me encarou também de varinha em punho.

- Você deve respeito a mim, James. Sou seu irmão mais velho, e herdeiro dessa família, portanto respeite-me.

- Mamãe nunca daria o poder do clã a você. Você mal consegue duelar e caçar como um homem!

- Chega vocês dois! – Isa falou furiosa também, e em questão de segundos, eu e meu irmão estávamos sem varinha. – Caso não saibam, eu sou a primeira da linha sucessora do clã. E VOCÊS dois me devem respeito, portanto já chega!

- Sim, Isa, desculpe-me. – Falei me sentindo mal por ter elevado a voz diante dela. Minha irmã tem uma influência enorme sobre mim, e com exceção de mamãe, ela é a única que consegue realmente me fazer me sentir mal.

- Só porque você é a mais velha não pode mandar em mim! Sou seu irmão gêmeo, nasci poucos segundos depois de você. E sou homem, tenho o direito de ser o sucessor. Já basta nosso pai ter deixado nossa mãe continuar líder do clã! – Havia desprezo em sua voz enquanto falava e isso foi a última gota para mim, que mesmo sem varinha avancei contra ele com raiva.

- Retire o que disse! Não permitirei que ninguém fale assim com minha irmã, e sobre meus pais!

- Esqueci que você era o cachorrinho deles, pequeno James. – ele falou com ainda mais desprezo e me encarou. Nós éramos praticamente da mesma altura, e eu era mais forte que ele devido aos meus muitos exercícios. Mas ele tinha habilidades mesmo que eu não admitisse.

- Já basta vocês dois!! – Mamãe surgiu na sala, os olhos brilhando de raiva. Com apenas um aceno da varinha ela nos jogou em nossas cadeiras e nos olhou severamente. – Procyon Asteris, o que você falou aqui foi algo forte demais. Se repetir isso novamente eu cuidarei para que nunca mais chegue perto de algo que goste. Você sabe muito bem que eu e seu pai chefiamos o clã juntos, e que eu saiba não o criei assim. Quanto a você Alderan James, nem mesmo o que seu irmão falou é desculpa para levantar a mão para um membro da família! Nós somos unidos e sempre seremos, portanto se eu ouvir mais uma discussão de vocês dois, vocês vão desejar não ter nascido. E obedeçam a sua irmã! Ela é muito mais sensata que vocês dois juntos!

- Nos desculpe, mãe. – Eu e meu irmão falamos juntos, cabeças baixas enquanto continuávamos sentados.

- Podem voltar ao que estavam fazendo, ou deixando de fazer... Bem quero vocês três amanhã prontos para viajar. Sem desculpas. Em breve suas aulas recomeçaram e amanhã nossa família fará uma incursão em uma reserva de Grifos próximo ao litoral grego, há notícias de uma grande quantidade de mortalhas-vivas e talvez um manticore. Nós iremos caçá-los. – A notícia de uma caçada mágica era mais do que suficiente para reunir a família. Meu irmão odiava caçar e duelar, mas sempre apreciava caçadas mágicas, quanto mais perigosas melhor e seu olhar demonstrava entusiasmo.

- Era isso que papai estava falando...

- Sim, era disso mesmo. Bem comportem-se até a hora da janta. Hoje além de nós e de seus primos, seus tios também virão jantar, assim como alguns funcionários do Ministério, é bom estarem prontos. – Mamãe falou enquanto se virava para terminar os preparativos.

- Bem, eu avisei vocês dois, vocês se excederam. Irei supervisionar vocês até o jantar. – Isa falou, tentando esconder a mágoa pelas coisas que Procyon falou.

- Eu não preciso de uma babá. Estarei com o Flavius, Edward e o Claudius. – Procyon falou enquanto saia da sala sem nem olhar pra trás. Ele sempre foi mais unido aos nossos primos paternos que a nós.

- Aii...Alderan, meu irmão, você não deve se deixar levar pelas provocações do Procy.

- Não tolero o jeito como ele fala de você e de nossos pais! Não irei tolerar ele falar essas coisas de vocês.

- Por que simplesmente não as ignora? Você não precisa ser tão severo o tempo todo. – Ela falou enquanto me abraçava, e como eu era mais alto que ela, sua cabeça batia em meu peito. – Ah, antes que eu me esqueça, seu amigo, o Tristan, mandou-lhe uma carta. Está em seu quarto, e Têmis já está alimentada e te esperando.

- Obrigado, Isa, irei responde-la agora. – Falei enquanto beijava seu cabelo e subia as escadas para meu quarto. Têmis me recepcionou com um pio alegre e voou para meu ombro enquanto eu me sentava numa poltrona para ler a carta do TnT.

“Caro AJ,

Como estão suas férias?Espero que Procy ainda esteja respirando, lembre-se que sua mãe, não entendo porque, gosta dele e espero que Isa continue gatinha, especialmente quando decidir sair comigo. Ok, calma, não precisa sacar a varinha, eu adoro sua irmã e quero que ela tenha o melhor (se escondendo).

Pronto parei de brincar com a morte huahua.

Aqui continua tudo na mesma, as paredes cinzentas estão no mesmo lugar e o diretor não vê a hora que 31 de julho chegue e fique livre de mim. Mas vou deixar a ele um presente de despedida. Lembra-se que contei que ele usa uma peruca que parece um bicho morto?? Pois no dia que estiver indo embora, eu vou fazer aquele bicho se rebelar. Será meu agradecimento por não ter permitido que eu passasse férias com sua família.

Jogue um pedaço de carne sangrenta para Cronus em meu nome, dê um abraço nos seus pais, tente não duelar com Procy (sabe que ele é sensível rsrs), e dê um beijo respeitoso em Isa por mim. Já falei que é um beijo respeitoso, não faça esta cara de irmão ciumento.

Até breve, amigo.

TNT."

Após terminar de ler corri para responder e em menos de 30 minutos, Têmis já alçava vôo com um pergaminho em sua pata, contendo a mensagem:

“Olá TnT,

Pensei até que tinha esquecido do seu amigo de suspensões.

Continue com as brincadeirinhas com minha irmã, que você vai ver que a vida no orfanato é mais divertida e colorida do que estar junto de mim com raiva!!

Minhas férias estão ótimas. Tenho caçado quase todo dia, hoje por exemplo passei o dia treinando o Cronus, e praticando falcoaria, e pode deixar que ele adorou o pedaço sangrento de carne. Foi uma pena não terem lhe dado autorização para passar as férias aqui comigo, você iria gostar e poderíamos caçar e explorar muito juntos.

Você irá a Paris antes do início das aulas?

Amanhã estarei indo para o litoral grego, não sei ao certo onde ainda, mas iremos em uma reserva de grifos, caçar uma quantidade estranha de mortalhas e um manticore que surgiu por lá. Seria ótimo se você fosse junto. Fora que eu teria a companhia de alguém interessante e divertido, não agüento mais o cinismo e o humor do Procyon! Ele teve a audácia de humilhar minha irmã e meus pais! Se mamãe e Isa não tivessem me impedido eu teria brigado com ele na mesma hora.

Se for a Paris me avise que nos encontramos antes.

Que tal aterrorizarmos um pouco as ruas parisienses?

Abraços, AJ”

Friday, August 08, 2008

7 de Agosto de 1958 – Eventos aleatórios (Parte II)

- Vamos jogar quadribol – Andreas girava a pomo entre os dedos, entediado

- Quadribol? – Olívia soltou uma risada sarcástica – Não sou a Bia, Andy. Sabe que mal me equilibro em uma vassoura.

- Então vamos jogar xadrez de bruxo – Ela o olhou surpresa a e ele deu de ombros – Que foi? Estou tentando algo que lhe agrade.

- Adoraria jogar, mas não posso. Estou concentrada escrevendo e você está tirando minha atenção com esse pomo.

- Qual é a historia dessa vez?

- Era Medieval – Respondeu entusiasmada – Acho que é o melhor que já fiz até hoje.

- Você devia publicar esses contos, Ollie. São excelentes!

- Quem me dera ter coragem. Mas quem sabe um dia uma editora não se interesse...

- Ninguém vai se interessar por esse bando de baboseiras que você rabisca nos pergaminhos – Giuseppe, seu pai, entrou no quarto irritado – Já disse que está perdendo tempo com isso, mulheres não nasceram para serem escritoras.

- Agatha Christie é mulher e a maior escritora do mundo – Respondeu com raiva

- Ela é uma mulher divorciada e casada com um homem mais jovem, é esse o seu exemplo? Deveria se espelhar em sua mãe, aprender coisas úteis para ser uma boa esposa no futuro!

- Quanta hipocrisia, papai! Quer que eu seja uma mulher submissa? Sem chances! Não que eu queira, mas um dia alguém pode querer publicá-los sim!

- Quero vê-los publicar histórias em pedaços – Ele tomou os pergaminhos da mão dela e os rasgou em um movimento rápido – Limpe essa bagunça e desçam, vamos sair para tomar chá com o Ministro.

Olívia encarava os pedaços picotados do pergaminho espalhados pelo quarto, incrédula, e sem conseguir se controlar começou a chorar. Andreas, que assistia a tudo petrificado, se ajoelhou ao seu lado.

- Chá com o Ministro... Eu não vou. Acho muito mais interessante conseguir montar essa história novamente.

- Não precisa me ajudar, pode ir. Ele não faz questão da minha presença, só da sua.

- Se um gêmeo não vai, o outro também não. Pare de chorar, vai molhar os pedaços de pergaminho e não vamos conseguir ler os trechos, está dificultando o trabalho.

Olívia secou as lagrimas rindo e começou a ajudar o irmão a unir o quebra-cabeça. Sempre podia contar com Andreas e sabia que isso nunca mudaria.

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- Meus pêsames, Sr. Haili. – Catherine Perrineau abraçou forte o senhor de idade

- Tito era jovem demais, eu deveria ter sido levado primeiro – Disse o homem de aparência abatida e cansada

- Não diga bobagens! – Brigou com ele – Não deixe que as crianças ouçam você dizer isso. E por falar nelas, onde estão?

O senhor apontou para o outro lado do cemitério onde um garoto e uma garota estavam sentados sozinhos, cabisbaixos e fitando o lugar onde até minutos antes se encontrava o caixão de seu tio. Catherine caminhou até eles e se sentou na cadeira vazia ao lado da menina, alisando seus cabelos queimados de sol.

- Sei que esse não é o melhor momento, mas preciso conversar com vocês. Meu nome é Catherine Perrineau e era muito amiga dos seus pais...

- Sabemos sobre você, tio Tito falou quando adoeceu – O garoto moreno falou com a voz rouca, ainda sem encarar Catherine

- Ótimo. Então sabem por que estou aqui? – Ele confirmou com a cabeça, mas sua irmã não se moveu – E o que acham sobre isso?

- Bruxos existem mesmo? – Perguntou a encarando pela primeira vez. Seus olhos eram verdes e estavam fundos, era evidente que não dormia há horas

- Sim, eles existem. Eu sou uma, e vocês também. Sua mãe era uma bruxa excepcional e não há qualquer duvida de que vocês tenham herdado isso dela.

- E o nosso pai?

- Ele era trouxa – Ele reagiu ao nome e ela riu – Trouxa é como os bruxos chamam pessoas que não possuem magia. Vocês estão muito atrasados na educação mágica, mas acho que em Beauxbatons terão o suporte necessário, logo alcançaram os outros alunos.

- Beauxbatons? O que é isso? – perguntou curioso

- Beauxbatons é a escola de magia da França. Foi onde conheci sua mãe.

- Bruxos têm uma escola? – ele riu pela primeira vez – Desculpe, mas é que é esquisito.

- Tudo bem, sei que tudo é novidade pra vocês. Mas garanto que se vierem morar comigo, logo se acostumam a fazer parte desse outro mundo. Meu marido e meus filhos também são bruxos, e os meninos têm a sua idade.

- São gêmeos?

- Não, ambos são adotados. Philipe é africano e Kwon coreano, olhe uma foto deles... – E puxou a carteira da bolsa

- Parecem legais... Teríamos que nos mudar do Havaí, não é? É que aqui é a nossa casa.

- Eu não vou me mudar – A menina se manifestou pela primeira vez, o rosto molhado de lágrimas – Quero ficar com o vovô.

- Nani, o vovô é muito velho, não pode cuidar de nós dois.

- Podemos cuidar de nós mesmos, tio Tito nos ensinou a fazer tudo sozinhos.

- Sei que é difícil uma mudança dessas, e tão repentina, mas acredite, será o melhor para vocês – Catherine falou com a voz carinhosa – Era o que seus pais gostariam, foi o que eles instruíram Tito a fazer. Ele apenas demorou alguns anos para cumprir o que Ailana e Kaiko pediram.

- Nós vamos sim, era o que eles queriam, então vamos obedecer. Já conversamos sobre isso – O garoto falou pelos dois e estendeu a mão a ela – Me chamo Kalani.

- Muito prazer, Kalani – Catherine sorriu – Vocês vão adorar Mônaco. Mas agora é melhor irmos, ou vai ficar tarde. Vou ajudá-los com as malas.

Os três seguiram até a casa simples onde os irmãos viviam com o tio e no fim da tarde todas as suas coisas estavam embaladas em caixas e malas. Nani arrumava suas coisas em silêncio, enquanto Kalani demonstrava curiosidade sobre o mundo do qual agora faziam parte, perguntando diversas coisas a Catherine. O avô chegou para se despedir dos netos prometendo visitá-los nas férias e eles partiram para a praia. Kalani se despediu de seu melhor amigo, Kai, e parou ao lado do avião que estava na beira do cais.

- É um monomotor, vai nos levar até São Francisco e de lá pegaremos um vôo até Paris – Catherine explicou – Vamos?

Kalani assentiu com a cabeça e entrou, se acomodando em uma das poltronas. Sua irmã deu um último abraço no avô e embarcou. Enquanto o avião decolava, ela teve uma última visão da casa onde cresceu. E não pode evitar que uma lágrima triste caísse enquanto a via se distanciar cada vez mais. Não tinha mais volta, estavam deixando o Havaí para começar uma nova vida na França.

Thursday, August 07, 2008

7 de Agosto de 1958 – Eventos aleatórios (Parte I)

- Mas diga Marcel, qual a sua opinião sobre esse apelo contra a escravidão de elfos domésticos que parece estar tomando força? – Um bruxo alto e de aparência pomposa perguntou ao garoto loiro ao seu lado, enquanto tomavam uma taça de gilly.
- Eu apoio ele – Disse no mesmo tom de voz formal do bruxo – Acho que os elfos merecem sim melhores condições de trabalho.

- Mas se libertarmos os elfos, quem trabalhará para os bruxos? – O homem parecia chocado com a opinião do mais jovem.

- Eles são elfos, não escravos. Pague a eles um salário digno, e o trabalho continuará sendo feito. Bruxos estufam o peito para dizer que são melhores que os trouxas, e, no entanto, o tempo de escravidão para eles já teve fim há muitos anos. Eu apoio o movimento! – O jovem disse com firmeza e o homem olhava para ele sem reação.

- Sim, estamos cientes de seu apoio a essa nobre causa – Um segundo bruxo se aproximou com ar de desdém, sorrindo forçado para as pessoas que o cumprimentavam – Mas talvez não seja prudente um príncipe, herdeiro do trono de Mônaco, fazer discursos em público sobre assuntos não oficiais como o que fez naquela passeata que ocorreu em Paris há alguns meses.

- Cadbury, meu pai pode ter nomeado você minha babá oficial, mas isso não lhe concede o direito de controlar minha vida – O garoto respondeu friamente, apertando a mão de um senhor que passava e sorrindo – Acho mesmo um absurdo que o Ministério da Magia ignore a voz de tantos bruxos pelo simples conforto de terem elfos como escravos em suas casas. Ninguém pode me impedir de pensar por conta própria.

- Como quiser majestade, mas estou apenas cumprindo ordens de seu pai, o Rei – O homem chamado Cadbury sorriu para o garoto, que não retribuiu – E por falar nele, vim lhe buscar. Vossa majestade solicita sua presença imediatamente, a corrida já vai começar. E meu cargo é assessor particular, não babá oficial.

- Soa como uma babá pra mim – Ele estendeu a mão ao homem, que apertou sorrindo gentilmente – Perdoe-me Lucien, mas tenho que me retirar. Depois continuamos a conversar.

Marcel se afastou dos dois homens e se dirigiu ao hall onde sua família estava reunida. Seu avô fez sinal para que ficasse ao seu lado e ele obedeceu. Bocejou e sacudiu a cabeça, parando de fazer careta e montando o sorriso padrão para se juntar aos outros cinco membros da família real que saíam para a luz do dia, prontos para saudar as pessoas que aguardavam na rua e assistir à corrida. Certas coisas nunca mudariam.

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- Erga mais o cotovelo, Kwon! – Seu pai falou áspero da lateral do campo – Olho na bola do arremessador!

O garoto coreano fechou os olhos e respirou fundo antes de erguer o cotovelo e encarar o arremessador do time adversário que se preparava para lançar a bola. Seu pai, o técnico do time de beisebol da região, gritava palavras de incentivo a ele. O garoto magricela arremessou a bola e ele não conseguiu rebater.

- Strike três, está fora! – O juiz apontou para o banco

Kwon atirou o capacete no chão com raiva e cruzou a tela de proteção para se juntar aos companheiros de time. Seu pai bagunçou seu cabelo como sinal de que estava tudo bem e se virou para seu outro filho, de pé ao seu lado.

- Você é o próximo, Philipe – Disse colocando o capacete na cabeça do garoto – Mostre a eles, faça um home run!

O garoto africano pegou o bastão das mãos do irmão e correu para o campo. O arremessador do time adversário brincava com a bola em provocação, mas ele não lhe dava atenção. Esporte era o seu forte, era bom em tudo que fazia. Se rebatesse aquela bola para fora do campo, seu time ganharia o campeonato juvenil de Mônaco.

O primeiro arremesso o derrubou. Ele levantou batendo a terra da calça e direcionou um olhar irritado para o arremessador, que riu debochado. Seu pai observava de braços cruzados do banco, parecendo inquieto. O garoto arremessou de novo e dessa vez Philipe moveu o bastão, mas ele não acertou a bola. Os garotos do time adversário gritavam no banco para desconcentrá-lo e Philipe fechou os olhos por alguns segundos, tentando abafar os gritos e recuperar a concentração.

- Vai rebatedor, manda pra fora – Ele ouviu Kwon gritar batendo palma com outros colegas de time e ajeitou o capacete, sorrindo para ele

Ele retomou sua posição e concentrou o olhar para a bola na mão do arremessador. O garoto lançou sua bola mais difícil, mas Philipe estava atento dessa vez e acertou o bastão com força nela. Ela subiu alto e tomava cada vez mais velocidade. O time no banco começou a comemorar quando ela passou por cima da arquibancada e foi para fora do campo. Philipe atirou o bastão no chão e correu para completar todas as bases dando pulos e com os braços erguidos. Seu pai pegou o troféu das mãos do organizador do campeonato e o entregou a Philipe, que o ergueu para o resto do time. Era mais um para enfeitar a estante dos irmãos Perrineau.

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- Alcachofra, Mademoiselle Darrieux?

- Sim, obrigada – A menina ruiva sorriu gentilmente ao mordomo e observou-o colocar a alcachofra em seu prato – Ai meu Merlin, como foi mesmo que o Marcel falou? Pensa Danielle, usa o cérebro! – Ela pensou enquanto sorria tímida para o namorado e sua irmã sentada do outro lado da enorme mesa. A menina parecia esperar que ela comesse primeiro – Como era mesmo? Se acalma, Danielle! Alcachofra quando vem inteira, acompanha o molho e é para ser desfolhada a mão! Isso! – Ela sorriu mais confiante e pegou a alcachofra, começando a desfolhá-la

A garota de cabelos loiros do outro lado da mesa torceu o nariz de leve ao ver o irmão sorrir satisfeito, porém, Danielle não notou. Aquele jantar na casa do namorado parecia não ter fim. A insistência de sua mãe em manter uma conversa com ela sobre carreira, família e casamentos estavam deixando-a apavorada, tinha receio de dizer algo errado. Ela agradeceu em silêncio quando o jantar enfim terminou e o rapaz de cabelos tão loiros quanto os de sua irmã pediu licença à mãe e ao pai e a puxou para outro cômodo da mansão.

- Ai meu amor, obrigada! – Ela se pendurou em seu pescoço o cobrindo de beijos quando já estavam longe do restante da família – Não sabia mais o que falar com a sua mãe, ia começar a cantar o hino da França!

- Mil desculpas, por favor – Ele a ergueu do chão em um abraço apertado – Mas meus pais insistiram para que lhe trouxesse aqui, não tinha mais argumentos para adiar. Esse dia teria que chegar eventualmente!

- Tudo bem, eu sobrevivi! Mas não foi nada fácil, não sabia usar todos aqueles talheres e pratos diferentes! – Disse fazendo careta. Ele riu – Fiquei repassando mentalmente tudo que Marcel me ensinou ontem. O que foi? – Perguntou quando ele riu

- Já disse o quanto eu te amo? – Ele olhava para ela sorrindo. O sorriso meigo e carinhoso que ela tanto adorava – Adoro esse seu jeito, a maneira como você fala, até quando você faz careta. Adoro tudo em você, Dani...

A garota sorriu e o abraçou com força. Ela sentia que não havia agradado tanto assim a seus pais, talvez um pouco sua mãe, mas não tinha importância. Tudo que importava era que eles gostavam um do outro o suficiente para superar e passar por cima do que fosse preciso. E ela tinha certeza que era o que ambos fariam.

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- Seu braço duro, não consegue nem arremessar uma goles direito! São só 10 jardas – Johnny Delacroix caçoou o amigo – Tenho ingressos para o próximo jogo da temporada – disse pegando uma garrafa de cerveja amanteigada e colocando no capô do carro – São de vocês se a garrafa não quebrar. Se quebrar, vocês pagam o valor dos ingressos.

- Um arremesso de 10 jardas para o astro do Quiberon Quafflepunchers? – um dos seus amigos riu – Nos dê alguma vantagem pelo menos! Assim você ganha fácil!

- Não sou eu que vou lançar – ele riu – Minha irmã vai.

- Eu? – Bianca, que até então observava os irmãos conversarem com os amigos sem interesse, ergueu a sobrancelha surpresa

- Ok, apostado! – Gaston se apressou em puxar o dinheiro do bolso e os amigos fizeram o mesmo – Um arremesso apenas.

- Johnny, tem certeza? – Bianca olhou incerta para a garrafa e para os garotos rindo – Pierre quase torceu meu pulso ontem naquela brincadeira idiota na sala.

- Você consegue, sei disso – ele apertou os ombros da irmã e a colocou na posição – Pode fazer tudo que quiser, Bia.

- Como é que é, Johnny? – François bateu palmas debochado – A garotinha vai lançar ou não?

- É o seu dinheiro... – Bianca olhou atravessado para os garotos e tomou a goles da mão de um deles

A garrafa estava a uma distancia de 4 carros enfileirados. Ela girou a goles na mão uma única vez e com um arremesso forte, acertou-a em cheio, espalhando pedaços de vidro no chão. Riu com satisfação enquanto seu irmão do meio, Pierre, recolhia o dinheiro dos amigos e Johnny a ergueu do chão.

- Foi perfeito! Disse que podia fazer isso, não disse? – Johnny a colocou no chão novamente e sentaram no banco

- Você viu aquilo? E meu pulso está inchado! – falava eufórica

- Quadribol está no nosso sangue, Bia – ele abraçou a irmã – E sei que um dia vai poder mostrar o seu valor. Ainda não desistiu, não é?

- Nunca! – levantou de um salto e pegou a goles do chão – Ainda vou defender as cores da casa que vocês defenderam! Mas até lá, que tal uma partida contra seus amigos idiotas?

Johnny levantou animado e pegou a goles da mão de Bianca, correndo até os amigos e os desafiando para uma partida. Delacroix x visitante. E o placar foi um massacre a favor do time da casa.

((Continua...))

Wednesday, August 06, 2008

Flashfoward:

1° de julho de 1970, Itália.


♪ Jammo, jammo, 'ncoppa jammo ja', jammo, jammo, 'ncoppa jammo ja'.
Funiculí funiculá, funiculí funiculá, 'ncoppa jammo ja', funiculí funiculá ♪

Restaurante trouxa.
Mesa para dois.
Luz de velas. Seresta.
Um bom vinho.

E quem diria que 12 anos depois, 12 exatos anos depois de terem se conhecido naquele fatídico encontro estariam comemorando suas Bodas de Estanho!

Thomas e Marie, ou TJ e MJ como costumam se chamar, se conheceram há 12 anos atrás quando seus melhores amigos, Ana Sofia e Desmond, começaram a namorar e forçaram a presença dos 2 em todos os momentos do casal. As primeiras impressões não foram das mais confiáveis e muito menos devem ser levadas em consideração... Não mesmo!

Fagulhas e faíscas do passado a parte, 10 anos de casamento são 10 anos de casamento... E nenhum desses anos pode ser esquecido!


Diário de Marie Jeanne 'M.J.' Midge Jabouille - 1970


Ai Merlin, AI MERLIN!

TJ se superou esse ano, COM CERTEZA!

Mandou que me arrumasse para comemorarmos nosso aniversário de casamento e me jogou num trem! Fiquei revoltada, afinal, se soubesse que iríamos viajar de TREM teria colocado jeans e moletom, e não um vestido de noite. Mas ainda bem que, conforme aprendi nos últimos anos de casada, retraí meus sentimentos momentâneos e não expus minha revolta...

Viemos à Itália... Por Merlin, há quanto tempo não vamos à Itália!
Ok que eu não tinha grandes recordações daqui e por isso mesmo evitei essa viagem nos últimos 10 anos, mas TJ não iria meeeesmo descansar antes de me convencer a voltar à Itália. Se bem que ele nem teve que me convencer... Praticamente me amarrou e me jogou no trem!

O que importa é que, por mais que essa musica ♪ funiculí – funiculá ♪ já esteja me irritando e que eu perdi o capítulo de ‘Sopa de Amor’ de hoje à noite, mais importante que isso é que estou ao lado de meu grande e único amor por todos esses anos e somos mais que eu e ele, somos nós!

Uhm, sobremesa!!!



Diário de Viagem de Thomas Junior – 1970


Viagem de férias, unindo o útil ao agradável, consegui, através de meus próprios meios, depois de 10 anos, trazer MJ de volta a Itália e acredito que depois da expressão de surpresa dela, ganhei alguns pontos com o setor masculino que busca dia a dia agradar em 99% suas esposas! Porque claro que nunca NUNCA conseguimos agradá-las totalmente, ainda mais se elas se negarem a facilitar o jogo. Mas ok, meu dia chegou!

Aproveitarei a viagem para umas pesquisas de campo para meu novo livro ‘Trouxas deste mundo’, mas para isso terei que ter muito jogo de cintura com a Sra. Speaker, já que por mais que tenha gostado da surpresa, às vezes me espanta ao reclamar que na Itália faz muito calor, ou que não agüenta mais ouvir ♪ funiculí – funiculá ♪ (ok, e quem agüenta?), ou que perdeu seu programa favorito.

Engraçado como este restaurante continua a mesma coisa desde a ultima vez que estivemos nele, há 12 anos atrás...

Tuesday, August 05, 2008

1942, o ano em que tudo começou...

- Não posso mais Bryce…
- Agüente só mais um pouco, meu amor, estamos quase chegando...- e o homem embora fraco pelo ferimento que carregava, suprimiu a dor e a ergueu nos braços para carregá-la. A mulher embora magra exibia uma barriga que não deixava duvidas sobre o seu estado: ela estava grávida. E ele faria tudo que pudesse para salvar o bem mais precioso de sua vida: sua família.
Chegaram a um pequeno vilarejo que ainda não havia sido ocupado pelos alemães. Bryce mandou às favas toda a prudência e bateu na primeira porta que viu. Para sua sorte, um casal de velhos apareceu e ao verem o jovem casal, os acolheram, pois viram que a bolsa d’água havia se rompido. O trabalho de parto, demorou muito, e quando o céu se iluminou com os primeiros bombardeios alemães, o choro de um bebê robusto era ouvido naquela casa humilde.
Ela após segurar seu filho nos braços, olhou para o marido e disse:
- Quero que ele tenha o nome de Tristan.
- Podemos escolher o nome depois Suzanne, você precisa descansar...
- Não terei tempo para isso Bryce, prometa que ele terá o nome de meu pai.
- Prometo, tudo o que você quiser, mas fique boa...
- Você fez a minha vida valer a pena, amo vocês...- foram as últimas palavras da jovem mãe ao homem que abraçava a trouxinha nos braços e chorava como uma criança.

A velha embalava o pequeno sobrevivente, enquanto seu marido conversava com o jovem pai, que estava queimando de febre. Infelizmente o estado do homem era tão desesperador quanto o da jovem mulher. Ele tinha um ferimento a tiro mal cicatrizado, e não disse nada. Somente quando caiu, é que perceberam o quanto ele estava doente.
- Você poderia ficar aqui por uns tempos filho, até seu filho ficar mais forte...
- O senhor não quer saber quem eu sou?
- Sei que você é um homem defendendo sua família, nestes tempos é só o que me importa.
- Assim que conseguir entrar em contato com minha família, eu poderei pagá-los por todo o trabalho... Temos posses...
- Não quero o seu dinheiro. O ajudei porque você se parece com meu único filho que a guerra me levou. Não pude fazer nada por ele num campo de batalha, mas posso tentar te ajudar...
- Preciso pedir-lhes um favor: quero que fiquem com meu filho enquanto vou atrás de minha família...
- Mas você está muito ferido... Poupe suas forças, filho.
- Sou escocês e faço parte da resistência francesa, assim como minha mulher, Suzanne. Ela é uma Thorn de Nantes. Sou um bruxo, mas minha mulher não. Não pude usar meus poderes porque durante um cerco à nossa casa, minha varinha foi partida. Vejam...- e mostrou pequenas lascas de madeira, ligadas por um fio parecendo uma corda de violino em sua mão. - os velhos olharam com atenção, mas dava para ver que eles achavam que o jovem estava delirando pela febre.
- Filho... Bruxos não existem...- disse a mulher timidamente.
- Existem, ou você acha que não há um bruxo poderoso apoiando os inimigos? Acha que sem ajuda, um homem que quer exterminar milhões de pessoas, faria isso sem ser detido? Pois ele conseguiu a ajuda de Grindelwald, que quer acabar com o seu mundo e para isso, vai utilizar a sede de poder de um homem que não valoriza a vida. Por isso alguns bruxos de meu mundo se juntaram a vocês, para equilibrarmos a luta, para que vocês tenham alguma chance... - fechou os olhos por alguns segundos para arranjar forças. Ele tinha que falar tudo e rápido.
- Este medalhão, é um medalhão que mandei fazer. De posse dele, meu filho será recebido por meus familiares e será cuidado. Prometam que vão levá-lo até lá...- e os velhos viram um medalhão todo de prata, com um dragão marinho em relevo.
- Para onde quer que levemos o menino?
- Loch Ness, é onde minha família está desde o início dos tempos...Somos antigos sabe?
Minha família não sabe para onde vim, e com quem. Não sabem que me casei e nem que tive um filho. As respostas que eles precisam está neste medalhão. Prometam que o protegerão. - e segurou a mão do velho com força.
O velho após olhar para a mulher assentiu dando sua palavra de honra. Então o bruxo segurando as lascas de madeira e o medalhão aberto murmurou algumas coisas e assombrosamente um fio prateado começou a sair de sua boca e entrar no medalhão. Ele parou por uns segundos e perguntou:
- Qual era o nome de seu filho?
- Napoleon.
- Meu filho será Tristan Napoleon, não se esqueça de sua promessa... - e disse antes de fechar o medalhão: ‘Só se revelará por quem procurar a verdade’. - e antes que falasse mais alguma coisa, fechou os olhos novamente e desta vez para sempre.
O casal de velhos chorou por aquele jovem casal, mas o grito de fome do pequeno os fez voltar os pensamentos ao que era mais urgente.
- O que vamos fazer com o pequeno?
- Ele tem nome, é Tristan Napoleon.
- Eu sei, mas e o resto? O pai morreu antes de nos dizer o seu sobrenome...- o velho após pensar por uns segundos disse:
- Será Tristan Napoleón Thorn, e vamos cuidar dele, até que ele se reúna com a sua família.

Infelizmente naqueles tempos de guerra, algumas promessas mesmo bem intencionadas, não puderam ser cumpridas.

I'll be seeing you;
In every lovely, summer's day;
And everything that's bright and gay;
I'll always think of you that way;
I'll find you in the morning sun;
And when the night is new;
I'll be looking at the moon;
But I'll be seeing you.

N.Autora: - I'll Be Seeing You - Frank Sinatra
- Grindelwald, personagem de J.K. Rowling

Monday, August 04, 2008

E P Í L O G O

O relógio da escrivaninha marcava pontualmente cinco horas da madrugada quando Jane o consultou.
A casa estava em completo silêncio – desconsiderando, é claro, a respiração pesada de seu marido no quarto. Ela passara a noite em claro terminando de escrever o romance que já estava cotado para entrar na lista dos Best Sellers assim que fosse lançado, no próximo mês.
Pensou em ir dormir, mas as três xícaras de café forte que havia tomado ao longo das horas a mantinham acesa. Releu o último capítulo e se emocionou, – provavelmente de exaustão e satisfação, pois passara os últimos três anos por conta da série e ao final de tudo, sentiu que havia chegado exatamente ao ponto onde queria – lembrando-se de como havia se inspirado para começar a escrever estes últimos três livros.
Organizou e guardou todas as folhas dentro da gaveta, para entregar na editora. Fechou os olhos e respirou fundo, afundando a cabeça nas mãos. Ela nunca soube responder se havia adormecido e eventualmente sonhado, mas quando levantou a cabeça e abriu os olhos, um novo livro já estava completamente formado em sua mente. O título, os protagonistas, os antagonistas, a trama e até a trilha sonora de cada momento. Tudo parecia se encaixar detrás de seus olhos, como um quebra-cabeça. Sem conseguir esperar mais um segundo, foi até a estante e puxou uma caixa preta, abrindo-a. Dentro dela vários e vários diários completos se acomodavam organizadamente. Pegou um que na capa tinha o ano formado em auto-relevo: 1958. Vacilou um pouco antes de abri-lo, mas sentiu que já estava na hora de desenterrar o passado. As páginas de pergaminho envelhecido estavam grudadas com o pó. Passou a mão com cuidado na primeira delas, limpando-a e leu a única frase que constava ali, reconhecendo de imediato aquela caligrafia fina e caprichada: ‘Este diário pertence à Jude Bertrand Mandeville (eu). Folhear as próximas páginas sem meu consentimento pode lhe custar a vida’. Riu.
Folheou várias outras páginas, parando em algumas em especial e lendo-as por completo. Levou o diário até a escrivaninha e colocou-o aberto ao lado, esticando uma nova folha branca na máquina de escrever. Seus dedos pareciam involuntários quando iam batendo nas teclas e formando o título: O trevo de oito estações, de Jane Muir ¹.
Encarou a capa alguns segundos e resolveu pular os agradecimentos. Decidira deixar os agradecimentos por último. O prólogo era curto, no entanto, completo:

the Courage to face alone at last
the Risk of reliving a tormented past;
the Yielding to a role long cast –
I owe to many along the way.

the Opportunity at last to share;
the Understanding, its strength to dare;
the Truth I know as loving care –
I owe to few, only yesterday.²


E então, desabou em lágrimas. O passado retornara a ela com todo o seu peso e todas as circunstâncias. Ela sabia que uma vez que havia começado, seus próprios princípios não deixariam que ela parasse sem antes terminar completamente. Mas se perguntava se daria conta de chegar até o fim e lembrar tudo o que acontecera anos atrás, na Academia de Magia Beauxbatons...

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¹ Jane Muir é uma escritora americana. Tomei “emprestado” o seu nome para ser o nome fictício de uma das minhas novas personagens: Jude Bertrand Mandeville. Ela será a narradora da história toda.
² O acróstico foi tirado do livro de título original “Cry Out!”, em português “Gritos do Silêncio” de P.E. Quinn, do ano de 1984. Sua tradução literal é: “a coragem de enfrentar sozinho afinal,/ o risco de reviver um passado atormentado;/ a aceitação de um papel tão duradouro -/ devo a muitos pelo caminho.// a oportunidade de enfim compartilhar;/ a compreensão, sua força para ousar;/ a verdade que considero um cuidado amoroso -/ devo a poucos somente ontem.”

Friday, August 01, 2008

Epílogo

"Quando confrontados pelos nossos piores pesadelos, as escolhas são poucas: lutar ou fugir. Nós torcemos para encontrarmos forças que nos façam enfrentar nossos medos. Mas, às vezes, apesar de querer lutar, nós fugimos. Mas até quando e onde podemos nos esconder dos nossos medos?"

Heroes - Fight or Flight


31 de Outubro de 1981

A chuva fina que insistia em cair forçara a maioria das pessoas a procurar um abrigo na tentativa de se aquecer. De todas as pessoas presentes ao funeral, apenas as mais improváveis permaneciam de pé, na chuva, contemplando o caixão fechado e aguardando que fosse sepultado. Eram julgados os mais improváveis apenas para quem os conhecia, mas não a fundo, claro. Talvez ninguém, além deles mesmos, fosse capaz de afirmar que conhecia de verdade cada uma daquelas pessoas de pé, no mais absoluto silêncio.

Pessoas tão próximas, e ao mesmo tempo tão distantes. Permaneceram afastados uns dos outros sem trocarem uma palavra sequer por intermináveis 30 minutos, até que o silêncio foi quebrado pela chegada da última pessoa que faltava para completar a antiga família. E talvez a única, nas atuais circunstâncias, com coragem parar tocar algumas feridas ainda não cicatrizadas.

- É uma pena que tenha sido necessário uma tragédia para que eu pudesse revê-los – a mulher disse com a voz amargurada e todos a encararam

Permaneceram em silêncio, apenas observando-a se aproximar do caixão e colocar um colar em forma de cruz sobre ele. Acompanhavam cada movimento seu com o olhar e ao perceber a nítida apreensão que consumia cada um deles, riu.

- Sabem, quando estávamos na escola, se alguém me dissesse que chegaríamos ao ponto de estarmos dividindo o mesmo espaço sem trocarmos uma única palavra, pediria a internação imediata da pessoa.
- Todos pediriam – o homem de cabelos muito negros se pronunciou e sua esposa apertou seu braço, desconfortável.
- Obrigada por não me deixar falando sozinha – disse sorrindo para ele, e teve o sorriso retribuído – Lamentável que nem todo mundo entenda o que um simples gesto como esse pode representar.
- Vamos embora – a mulher de cabelos tão negros quanto os do homem segurou o braço do marido e o puxou – Não sou obrigada a ficar e ouvir isso.
- E lá vai ela outra vez... – falou debochada, consultando o relógio – Alguém apostou que ela ficaria meia hora dessa vez?
- Quem você pensa que é pra vir aqui me ofender? – a mulher partiu para cima da outra, já com a mão apertando a varinha
- Aquela que você deixou na mão quando mais precisei. E logo quem eu mais ajudei...
- Senhoritas, por favor, não vamos brigar – o homem moreno se pôs entre as duas e logo afastou sua esposa da recém-chegada – Vamos mostrar um pouco de respeito, isso é um funeral.
- Respeito é uma coisa que há muito não existe entre nós, meu caro – o homem loiro que até o momento se manteve afastado consolando a esposa se manifestou. Ele tinha o semblante mais sério de todos, tão diferente de quando era garoto – Mas você está coberto de razão. Isso é um funeral. Se não existe mais respeito entre nós, que estamos vivos, vamos ter com os mortos. Uma pessoa que sempre representou muito para todos nós merece, ao menos, que as brigam sejam cessadas enquanto seu corpo está sendo velado.

Ninguém respondeu, mas concordaram em silêncio que ambos tinham razão. A chuva cessou e aos poucos os familiares e demais amigos começaram a se reunir ao redor deles, para que o enterro fosse, enfim, concluído. Nenhum deles se encarava. Contemplaram, com muito pesar, o caixão de madeira preta descer lentamente até ser totalmente coberto por terra e flores. Um a um, ainda sem trocarem uma única palavra, foram saindo. O homem loiro, até então muito sério, afastou-se da esposa e filhos e se dirigiu até a mulher. Com um sorriso fraco e muito abatido, puxou um envelope do bolso e lhe entregou.

- Não sei o que é, mas acho que pensava que você saberia – disse indicando o lugar onde minutos antes tinha um caixão – Foi a última coisa que me pediu, que lhe entregasse isso.
- Muita coisa ruim aconteceu e acabou por afastar a todos nós, mas alguma coisa me diz que vamos nos ver outra vez – disse sorrindo também e guardando o envelope no bolso
- Queria acreditar, mas não sei se devo. Muita coisa aconteceu, nós mudamos.
- Não, meu amigo, não mudamos tanto assim. Apenas esquecemos como éramos de verdade. Voltaremos a nos ver, eu garanto. E não será em um enterro.
- Conto com isso. E ninguém culpa você pelo que aconteceu, não se preocupe.
- Sei disso, mas obrigada assim mesmo.

O homem sorriu menos abatido dessa vez e deram um longo abraço antes de se afastarem. Ele ficou parado observando a amiga se misturar às demais pessoas e deixar o cemitério. Não via como uma reconciliação do grupo seria possível, mas torcia para que ela tivesse a solução.