Sunday, December 04, 2005

Conhecendo as várias faces de Paris

Do diário de Isa McCallister

Olá diário! Sim, sou eu mesma que lhe escrevo... Isabel McCallister em carne, osso, e trajes franceses. Sentiu minha falta durante todos esses dias que andei ausente? Como se diário tivesse sentimentos... Mas enfim, estive ausente por conta de aulas, deveres, treinos de quadribol e outras coisas. Ah, eu também não lhe contaria nada de muito interessante se pintasse por aqui... Seriam coisas mais ou menos assim: Oi diário! Hoje eu fui para as aulas de manhã e de tarde, voltei, fiz alguns deveres e dormi... Até logo! Ou como: Diário, nada de diferente do que fiz ontem, tirando o treino de quadribol após as aulas! Gastar folhas por gastar não seria proveitoso para nenhum de nós dois não é mesmo?

Acordei bem cedo ontem, pois Bartolomeu conseguiu se livrar da gaiola e roia constantemente o meu edredom. Enquanto não o peguei e dei uma boa porção de amendoins ele não se acalmou. Mal tinha levantado e Amaralina já se espreguiçava em sua cama dando uma longa respiração.

IM: Bom dia! Espero que meu esquilo não tenha te acordado também... Ele estava inquieto!

AB: Ah, não se preocupe! Ele não me acordou...

Conhecendo o pouco que conheço de Amaralina, é bem provável que Bartolomeu realmente não a tenha acordado. Ela sempre se levanta cedo!

Após me arrumar e tomar café fui seguindo Amaralina até onde deveríamos pegar o barco que nos levaria à Paris. Balança pra lá, balança pra cá, até que finalmente a âncora foi lançada e o barco parou. Descemos pela avenida principal, atravessamos a barreira para a parte trouxa e descemos em um beco aglomerado de lojas onde fizemos escala em todas elas. Amaralina quase não comprou nada, ficava observando assustada as roupas trouxas e alguns inventos e me perguntava constantemente o que eram e pra que serviam. Entretanto, meus braços já estavam carregados de sacolas e mais sacolas quando dobramos a esquina para um outro beco. O lugar era escuro, circular e fechado. Lembrou-me muito a travessa do tranco, mas era um pouco mais colorido. Amaralina abriu um grande sorriso e saiu me arrastando pra dentro de uma viela lateral e depois outra e mais outra.

IM: Amaralina, assim nós vamos nos perder! Porque não voltamos pro lado bruxo e compramos o que quisermos lá antes de voltar para o castelo e... Amaralina, pra onde você está me levando???

AB: Fica calma! Eu tenho certeza de que você vai gostar de lá...

IM: Lá aonde? Você está ciente que estamos na parte trouxa de Paris?

AB: Claro que sim... Não existiria na parte bruxa um lugar como aquele!

IM: Já que você insiste...

Fomos virando pra direita, esquerda, transversal, cruzada, atravessando avenidas de cá, ruas de lá e andando por mais algumas ruelas até que finalmente Amaralina parou em frente ao que me pareceu uma grande passarela, como uma feira. Havia tendas dos dois lados e ninguém caminhava por ali naquele momento. Começamos a seguir por ela decididamente e entendi o porquê da aflição da minha amiga de chegar lá. Em todas as tendas, eram vendidos produtos mais alternativos, por assim dizer. Saias, batas, colares, pulseiras, amuletos, incensos, tudo em um estilo cigano. Amaralina estava tão alegre enquanto andava por ali e comprava roupas e objetos que acho que por uns instantes ela estava se sentindo na sua casa. Admito que achei o lugar o máximo. Comprei algumas saias longas e colares, além de um incenso de rosas naturais maravilhoso. Foi a minha vez de esperar que ela enchesse suas mãos de sacolas. Quando chegamos ao fim da passarela, paramos uns instantes e já caminhávamos de volta para a saída quando meus olhos se prenderam na última tenda posta. Era de um vermelho escuro com aspecto sombrio e abandonado. Em um cartaz pregado na fronte lia-se: Cartomante, Senhora Xayene Vulevá. Mapa astral, leitura das cartas de tarot e ciganas, Runas, Búzios e orbe. Consultas agendadas...

Amaralina impaciente começou a dizer que deveríamos voltar logo e almoçarmos, mas meus pés começaram a andar insistentemente pra mais perto da tenda.

IM: Vamos entrar? Pediremos que leia as cartas pra gente?

AB: Isa, eu já li as cartas pra você... Sei ler tão bem quanto minha mãe leria! Essa daí deve ser uma trapaceira!

IM: O que custa? Vamos... Só para ouvirmos o que ela tem a dizer! Vamos Lina, a gente num demora nada, eu prometo!

Após me olhar um tanto contrariada ela acabou cedendo e nós entramos. O lugar tinha um cheiro que chegava a ser irritante de gengibre belga e era bem sujo e desconfortável. Havia uma pequena mesa posta ao centro do primeiro cômodo. Toquei um pequeno sino, mas não ouvimos nenhum movimento. Toquei outra vez e nada. Quando estava prestes a tocar pela terceira, Lina agarrou meu braço me puxando pra fora do local. Nem tínhamos cruzado a lona, e uma voz fina e aguda nos chamou por trás.

XV: Posso servi-las em alguma coisa queridas?

A cartomante era uma mulher alta, magra, de pele bem clara, cabelos negros presos em um coque mal feito. Tinha um olhar profundo e estava com uma maquiagem bem carregada. Lembrou-me o jeito de Trewlaney, pois se vestia sem combinação e carregava xales e colares pesados.

IM: Sim... Por um acaso a senhora tem esse horário vago?

XV: Oh minhas jovens, deram muita sorte. Hoje a passarela está sem movimento e quase não recebi ninguém. Creio que poderei atendê-las!

IM: Excelente. Quero que tire as cartas ciganas para mim e para a minha amiga.

XV: Entrem por aqui, e podem se sentar...

Atravessamos uma cortina de conchinhas que separava para o segundo cômodo, e nos sentamos lado a lado em um grande pufe. Disposto na frente do pufe havia um tapete com círculos desenhados que vinham em decrescente. A cigana rodeou o local e acendeu uma grande vela roxa ao canto, e um incenso, e então se posicionou sentada à nossa frente, nos encarando pacientemente.

XV: Quem vai ser a primeira?

AB: Ela!

A cartomante me encarou profundamente e então começou a espalhar as cartas por sobre o tapete. Quando o baralho já estava todo disposto, ela virou as cartas e ficou observando por um longo tempo até que novamente se voltou para mim.

XV: Seu futuro está escrito nas cartas, minha doce menina. Elas jamais mentem. Jamais escondem o destino. Seu coraçãozinho não tardará a conhecer o amor. Sim, ele está perto, minha jovem, mais perto do que possas imaginar, e vai demorar até que você saiba que o ama. As cartas dizem que vocês viverão a paixão em toda a sua intensidade, mas demorarão pra perceber o que sentem.

IM: Só se for ter um romance com o Bartolomeu, meu esquilo... Mas sabe, eu já sei que o amo e...

XV: O destino nem sempre é objetivo, minha querida. Às vezes ele dá muitas voltas. Será seu grande amor, certamente o primeiro, mas talvez não o último. O seu coração tem que estar preparado para distinguir o futuro desse relacionamento de vocês...

AB: Foi exatamente o que te disse Isabel... Viu como consigo tirar bem as cartas? Vamos indo agora?

XV: Se acalme jovem menina... O baralho deve ser lido pra você!

AB: Ah, obrigada, mas eu mesma posso fazer isso...

Antes que Lina pudesse dizer qualquer coisa, a cartomante já dividia novamente o baralho e o espalhava pelo tapete. Minha amiga consentiu que seria inútil lutar contra ela.

XV: Então, minha querida jovem, você também lê as cartas, não é? Entendo... Sim, algumas pessoas não conseguem entender o próprio destino. Vejo que você carrega uma profunda tristeza em seu coração. Hum, aqui está... Sua mãe. Mesmo não estando fisicamente presente, ela acompanha sua jornada psíquica, querida; veja esta carta. Ela está presente em sua vida, e é mais forte que as demais. Vejamos... Você tem o coração repleto de desejo... Desejo e paixão... Seu corpo e sua alma clamam por um amor transcendental, que te acompanha há muitas vidas. Ele está próximo, muito mais próximo do que você sequer imagina. Haverá muita dor e sofrimento. O amor de vocês será considerado impossível por sua gente. Vejo desespero. Angústia. Medo.

AB: A carta da morte...

XV: Sim. Mas talvez não signifique a morte de seu amado. Talvez ainda exista uma chance nesta vida. Seu amor está realmente muito próximo, suas almas caminham juntas por este mundo. Muito em breve você descobrirá quem é. E precisará de muita coragem para lutar por seu amor. As barreiras terão que ser quebradas, e uma escolha fundamental terá que ser feita. Vocês serão malvistos, julgados como já foram em quatro encarnações, mas talvez não sejam condenados... Sinto muito querida, mas as cartas não querem ser mais explícitas.

Fiquei voltando meu rosto de uma para a outra sem entender nada, até que Lina levantou-se e começou a agradecer a cigana me arrastando pra fora dizendo que nós tínhamos que ir. Paguei à cigana e saímos apressadas pela passarela ainda em silêncio constante. Quando já atravessávamos a barreira para o mundo bruxo, Amaralina me olhando séria pediu que não comentasse com ninguém aonde havíamos estado pela manhã e quando consenti entramos na Champs Elysée.

Caminhamos pela avenida parando por uma loja ou outra. Depois fomos almoçar e tomar sorvete e continuamos andando pela outra metade da avenida. Nunca um dia foi tão bem gasto... Visitei parte trouxa, parte cigana, parte bruxa, e ainda tivemos tempo de tomar um sorvete. É, e eu pensei que me surpreenderia com Paris, mas essa cidade ultrapassou os meus limites de imaginação!

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