Wednesday, February 01, 2006

Eu, eu mesmo, e o búlgaro em um bote amarelo!

Da velha caderneta de um sobrevivente...

Estava tudo pronto para a minha fuga! Havia recebido as encomendas do Ian àquela manhã, e estava no dormitório tentando inflar as bóias de braço e de cintura que tinham vindo junto com o bote. Já tinha combinado tudo com o Gregory, o único menino daquela escola que compreendia o que eu estava falando, e ele e o Sávio, o outro garoto do nosso dormitório que estava por dentro dos meus planos por intervenção do Gregory, iriam fugir comigo àquela noite. Os dois tinham ido organizar alguns detalhes pra nossa fuga... Gregory tinha ido até a sala do diretor para roubar um saquinho de flú, uma vez que assim que desembarcássemos em terra firme, pegaríamos a primeira lareira disponível na rede, e Sávio iria até a cozinha conseguir nosso estoque de comidas para a viagem. Não sei por que eles logo se animaram com a idéia de fugir dali, mas creio que não me enganei quando disse que aquilo parecia um campo de concentração, e não sou eu quem vai impedir eles de ganhar a liberdade né?

Quando anoiteceu, preparei minhas coisas ao pé da cama, e esperamos todos irem dormir para sair silenciosamente do dormitório. Empurrava as malas à frente, e carregava o bote murcho e o poleiro da Mariel vazio nos braços. Não havia ninguém andando pelos corredores àquela hora, uma vez que já havia passado das 21 horas, e como não encontramos com ninguém nos corredores, foi fácil o nosso acesso até o rio. Estava um frio cortante, o vento gelado, e eu pensei arrepiado na temperatura da água, mas finalmente decidido de que tudo daria certo, estiquei o bote, e comecei a soprar o ar pra dentro dele. O manual de instruções sob os olhos do Gregory que ia lendo pra mim, passo a passo o “Como manusear o seu super bote Aqualufs!” Soprei, soprei, soprei mais um pouco, e um pouco mais... E você pensa que já estava bom? Bota mais ar nisso... O negócio parecia um navio quando ia inchando... Tinha lugar pra bem umas dez pessoas, tranquilamente... Quando já estava roxo de falta de ar, finalmente o negócio estava inflado totalmente, e a gente se preparou pra ir embora. Malões, animais, capas e mochilas pra dentro do bote.

Vesti o colete, joguei as bóias de braço pro Gregory e a bóia com um pato na frente pro Sávio, que parecia estar se divertindo como nunca havia se divertido antes. Aquilo me lembrou vagamente a arca de Noé. Não pela lenda em si, mas pela bagunça! Quando íamos embarcar, Gregory me encarou assustado e disse que não teria coragem de ir... Tirou as bóias olhando perplexo, e tirou suas coisas do bote, voltando rápido pro castelo. Eu tava tão assustado que nem tentei convencer ele! Ele gritou boa sorte, disse que não contaria nada pra ninguém, e que mandássemos notícias quando chegássemos. Agora era eu e o búlgaro, o búlgaro e eu... E sabe qual a melhor notícia? Ele não entendia patavinas do que eu dizia!

Fiquei olhando pro vago uns minutos, mas cai na real e joguei as bóias de braço pro Sávio, que sorria debilmente. Empurrei o bote pra superfície do rio e puxando o Sávio, entramos e sentamos esticados. Peguei os remos, o manual de instruções, e ia aprendendo os movimentos de acordo com o vento e essas frescuras todas. Sávio brincava com o pato da sua bóia. Falava coisas pra ele e começava a gargalhar... Mexia a cabeça do pato pra lá, pra cá, pra cima e pra baixo. Eu não entendia nada do que ele estava falando, então me limitava a remar. E assim o tempo foi passando... Sávio tentou me ajudar nos remos, mas eu remava pra frente, ele remava pra trás, e aí eu sorri, balancei as mãos e disse que tudo bem, eu remaria sozinho. Acho que eu estava vestido com bem umas 10 capas de peles e o frio estava me matando...

Comecei a pensar no que Ian faria se ele estivesse no meu lugar, naquele bote amarelo, com aquele búlgaro infantil, remando, e um frio de congelar. Acho que ele provavelmente afogaria o búlgaro, pegaria suas peles, e parava de remar, deixava o bote seguir nas circunstâncias naturais...

O dia estava quase amanhecendo quando eu decidi parar de remar e dormir. Deixei Sávio responsável pelos remos e me estiquei todo. Grande ingenuidade a minha! Estava com tanto sono que nem pensei nas prováveis conseqüências dos meus atos. Acordei engolindo um balde de água salgada, e engasgando todo. Sentei assustado, e percebi que o chão do bote estava alagado. Sávio estava desmaiado no sono, escorado em uma borda, e a água entrava por ela. Desesperado, sacudi ele, que acordou e sorriu pra mim todo inocente e olhou pra água no bote achando tudo maravilhoso. Peguei um copo e comecei a tirar a água do fundo e jogar de volta pro mar... Sávio mergulhava o pato na água e depois tirava... Acho que ele estava pensando que o pato precisava respirar depois do mergulho. Não sei se isso era hora, mas uma música começou a tocar na minha cabeça e eu cantarolava ela baixinho, enquanto secava o bote...

We all live in a yellow submarine
Yellow Submarine, Yellow Submarine
We all live in a yellow submarine
Yellow Submarine, Yellow Submarine

Passado o sufoco, e garantindo que não viraríamos comida para tubarões, comi um sanduíche úmido e continuei a remar. Já estava quase na hora do almoço, quando finalmente avistei uma cidade a frente, animado. Sávio sacudia os braços alegremente em direção à cidade, e apontava a cabeça do pato pra ela. Será que ele esperava mesmo que o pato visse a cidade e falasse “qua qua”?

Desembarcamos em terra firme, e mais um ritual... Tira malas, capas, mochila, animais, esvazia o bote, e se prepara pra andar. Como a cidade era pequena, ninguém viu a gente desembarcando... Arranquei o colete, e ajudei Sávio a tirar aquelas bóias dos braços, mas me pergunta se ele considerou a idéia de abandonar o pato? Acho que ele realmente acha que o pato é o melhor amigo dele, e tirar o pato seria um atentado a essa bela amizade! E imagina os trouxas encarando dois adolescentes novatos na cidade, e um deles andando com uma bóia de pato na cintura, conversando com ele?

Mandei Mariel para Beauxbatons, e comecei a procurar um lugar que tivesse uma lareira. Será que naquela cidade, tinha uma “parte bruxa”? Estava encucado com isso, pensando no que fazer, quando Sávio puxou meu braço e apontou para uma menininha na varanda de uma casa, segurando uma vassoura pequena e montando nela, tentando voar. Fiquei até impressionado com a cena, e julgando que aquilo era um sinal divino, puxei o búlgaro pra dentro da casa, porque a porta estava aberta. Mal tinha entrado, e dou de cara com uma mulher loira, acho que a mãe da menininha. Sorrindo e tentando uma comunicação com ela, a mulher começa a gritar histericamente em bulgariano, ou seja lá qual for a língua... Sávio finalmente compreendendo o que ela gritava, olhou pra mim assustado, e eu conclui que era hora de partir. Tive certeza que a mulher era bruxa, quando puxou a varinha das vestes lançando jatos na nossa direção pra se defender. Cheguei ao pé da lareira, agarrei o pó de flú, joguei o saco todo dentro das chamas, puxei o búlgaro pra dentro e gritei: SALÃO COMUNAL, NOX ANGELI, BEAUXBATONS. Me senti puxado pelas chamas bem a tempo de ser atingido por um jato vermelho na barriga. O búlgaro, as malas e eu, rodopiando, rodopiando...

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Música: Yellow Submarine- The Beatles

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