Da velha caderneta de um sobrevivente...
Quando anoiteceu, preparei minhas coisas ao pé da cama, e esperamos todos irem dormir para sair silenciosamente do dormitório. Empurrava as malas à frente, e carregava o bote murcho e o poleiro da Mariel vazio nos braços. Não havia ninguém andando pelos corredores àquela hora, uma vez que já havia passado das 21 horas, e como não encontramos com ninguém nos corredores, foi fácil o nosso acesso até o rio. Estava um frio cortante, o vento gelado, e eu pensei arrepiado na temperatura da água, mas finalmente decidido de que tudo daria certo, estiquei o bote, e comecei a soprar o ar pra dentro dele. O manual de instruções sob os olhos do Gregory que ia lendo pra mim, passo a passo o “Como manusear o seu super bote Aqualufs!” Soprei, soprei, soprei mais um pouco, e um pouco mais... E você pensa que já estava bom? Bota mais ar nisso... O negócio parecia um navio quando ia inchando... Tinha lugar pra bem umas dez pessoas, tranquilamente... Quando já estava roxo de falta de ar, finalmente o negócio estava inflado totalmente, e a gente se preparou pra ir embora. Malões, animais, capas e mochilas pra dentro do bote.
Vesti o colete, joguei as bóias de braço pro Gregory e a bóia com um pato na frente pro Sávio, que parecia estar se divertindo como nunca havia se divertido antes. Aquilo me lembrou vagamente a arca de Noé. Não pela lenda em si, mas pela bagunça! Quando íamos embarcar, Gregory me encarou assustado e disse que não teria coragem de ir... Tirou as bóias olhando perplexo, e tirou suas coisas do bote, voltando rápido pro castelo. Eu tava tão assustado que nem tentei convencer ele! Ele gritou boa sorte, disse que não contaria nada pra ninguém, e que mandássemos notícias quando chegássemos. Agora era eu e o búlgaro, o búlgaro e eu... E sabe qual a melhor notícia? Ele não entendia patavinas do que eu dizia!
Fiquei olhando pro vago uns minutos, mas cai na real e joguei as bóias de braço pro Sávio, que sorria debilmente. Empurrei o bote pra superfície do rio e puxando o Sávio, entramos e sentamos esticados. Peguei os remos, o manual de instruções, e ia aprendendo os movimentos de acordo com o vento e essas frescuras todas. Sávio brincava com o pato da sua bóia. Falava coisas pra ele e começava a gargalhar... Mexia a cabeça do pato pra lá, pra cá, pra cima e pra baixo. Eu não entendia nada do que ele estava falando, então me limitava a remar. E assim o tempo foi passando... Sávio tentou me ajudar nos remos, mas eu remava pra frente, ele remava pra trás, e aí eu sorri, balancei as mãos e disse que tudo bem, eu remaria sozinho. Acho que eu estava vestido com bem umas 10 capas de peles e o frio estava me matando...
Comecei a pensar no que Ian faria se ele estivesse no meu lugar, naquele bote amarelo, com aquele búlgaro infantil, remando, e um frio de congelar. Acho que ele provavelmente afogaria o búlgaro, pegaria suas peles, e parava de remar, deixava o bote seguir nas circunstâncias naturais...
O dia estava quase amanhecendo quando eu decidi parar de remar e dormir. Deixei Sávio responsável pelos remos e me estiquei todo. Grande ingenuidade a minha! Estava com tanto sono que nem pensei nas prováveis conseqüências dos meus atos. Acordei engolindo um balde de água salgada, e engasgando todo. Sentei assustado, e percebi que o chão do bote estava alagado. Sávio estava desmaiado no sono, escorado em uma borda, e a água entrava por ela. Desesperado, sacudi ele, que acordou e sorriu pra mim todo inocente e olhou pra água no bote achando tudo maravilhoso. Peguei um copo e comecei a tirar a água do fundo e jogar de volta pro mar... Sávio mergulhava o pato na água e depois tirava... Acho que ele estava pensando que o pato precisava respirar depois do mergulho. Não sei se isso era hora, mas uma música começou a tocar na minha cabeça e eu cantarolava ela baixinho, enquanto secava o bote...
Yellow Submarine, Yellow Submarine
We all live in a yellow submarine
Yellow Submarine, Yellow Submarine
Desembarcamos em terra firme, e mais um ritual... Tira malas, capas, mochila, animais, esvazia o bote, e se prepara pra andar. Como a cidade era pequena, ninguém viu a gente desembarcando... Arranquei o colete, e ajudei Sávio a tirar aquelas bóias dos braços, mas me pergunta se ele considerou a idéia de abandonar o pato? Acho que ele realmente acha que o pato é o melhor amigo dele, e tirar o pato seria um atentado a essa bela amizade! E imagina os trouxas encarando dois adolescentes novatos na cidade, e um deles andando com uma bóia de pato na cintura, conversando com ele?
Mandei Mariel para Beauxbatons, e comecei a procurar um lugar que tivesse uma lareira. Será que naquela cidade, tinha uma “parte bruxa”? Estava encucado com isso, pensando no que fazer, quando Sávio puxou meu braço e apontou para uma menininha na varanda de uma casa, segurando uma vassoura pequena e montando nela, tentando voar. Fiquei até impressionado com a cena, e julgando que aquilo era um sinal divino, puxei o búlgaro pra dentro da casa, porque a porta estava aberta. Mal tinha entrado, e dou de cara com uma mulher loira, acho que a mãe da menininha. Sorrindo e tentando uma comunicação com ela, a mulher começa a gritar histericamente em bulgariano, ou seja lá qual for a língua... Sávio finalmente compreendendo o que ela gritava, olhou pra mim assustado, e eu conclui que era hora de partir. Tive certeza que a mulher era bruxa, quando puxou a varinha das vestes lançando jatos na nossa direção pra se defender. Cheguei ao pé da lareira, agarrei o pó de flú, joguei o saco todo dentro das chamas, puxei o búlgaro pra dentro e gritei: SALÃO COMUNAL, NOX ANGELI, BEAUXBATONS. Me senti puxado pelas chamas bem a tempo de ser atingido por um jato vermelho na barriga. O búlgaro, as malas e eu, rodopiando, rodopiando...
Música: Yellow Submarine- The Beatles
No comments:
Post a Comment