Wednesday, February 15, 2006

Trato é trato

Das memórias de Ian Lucas Renoir Lafayette

Sabe quando você faz uma aposta por pura empolgação, mas segundos depois você se dá conta de que foi uma péssima idéia? Que além de ser uma situação delicada, envolve outras pessoas? Pois é, estou com esse problema. Samuel e eu apostamos que beijaríamos as garotas que gostamos nesse dia dos namorados, mas ambos nos arrependemos rapidamente. Mas claro que nenhum dos dois teve coragem de dizer que estava pensando em dar pra trás e a aposta seguiu em frente. Passei a semana toda esquematizando um jeito de fazer isso sem parecer atirado, mas foi impossível pensar em algo sutil. Como ela reagiria a isso? E se não gostasse e se afastasse de mim de vez?

O tão esperado dia chegou. Elfos fantasiados de cupidos cantarolavam saltitantes pelos corredores, jogando pétalas de rosas nos alunos e entregando bilhetinhos apaixonados no meio das aulas. Recebi meia dúzia de corações com poemas melosos, mas não cheguei nem perto do saldo de Dominique. Não conseguíamos dar um passo sem que um elfo nos parasse para entregar alguma coisa e em sala era impossível assistir aula com ele perto. O professor de Transfiguração desistiu, sentando-se à mesa e começando a conversar com os alunos nas primeiras cadeiras, enquanto uma fila de elfos aguardava para fazer sua apresentação para Dominique. Bernard rabiscava algo num pedaçinho de papel, tentando esconder o conteúdo da gente.

IL: O que você tem ai?
BL: Nada. To copiando a matéria do quadro.
MD: Mentira, você já acabou de copiar tem meia hora!
BL: Michel, você é novo aqui, não pode dar opinião ainda.
ML: Anda Bê, deixa a gente ver. É torpedo pra alguém?
IL: Claro que é! Dá isso aqui! – arranquei o papel das mãos dele e subi na cadeira enquanto lia, Marie e Michel segurando seus braços. – “Deixar os livros de lado e aproveitar a festa não vão lhe fazer mal. Estarei lhe esperar no salão comunal da Sapientai às 19hs e não aceito não como resposta. Bernard”.
MD: Pra quem é isso?
ML: Oooh é pra Bel não é? Diz que sim, vocês fazem um casal tão bonitinho...
BL: Muito obrigada Luke, valeu mesmo.
IL: Ora Bê, pra que o estresse? Ela não parece ser do tipo que abandona os livros, mas você é um bom partido. Tenho certeza que ela não vai dar bolo!

Bernard tomou o bilhete da minha mão e sentou emburrado, mas depois desfez a cara feia e levou na brincadeira. Quando saímos da aula ele entregou o papel ao elfo discretamente e fingimos que não vimos para não deixa-lo mais constrangido do que já estava. Como não tínhamos mais nada pelo resto da tarde, caminhei pelos jardins com os três. Percebia que Michel não parava de secar Marie, mas como ele fazia o mesmo com qualquer outra garota que passasse ao seu lado, não dei importância. Alias, meu primo foi outro que concorreu com Dominique nos torpedos mesmo sendo novo na escola. Agora pelos jardins, como o Nick estava ocupada com suas milhares de fãs em algum corredor do castelo, era Michel que chamava a atenção. Logo ele saiu atrás de uma garota do 7º ano que piscou para ele ao passar e não nos vimos mais pelo resto da tarde. Deitamos em um dos pufes que estavam decorando o gramado e ficamos os três mudos olhando as nuvens. Confesso que por diversas vezes pensei em pagar a aposta ali mesmo, mas me contive. O bolha d’água do ex-namorado de Marie passou por nós nos encarando e saiu irritado, sem que eu entendesse o motivo. Marie se aborreceu por causa disso e acabamos entrando de uma vez por todas para nos arrumarmos.

O salão foi todo decorado com coisas rosa e vermelho. Varias mesinhas redondas foram organizadas pelos cantos dele e alguns sofás e pufes estavam agrupados em um espaço separado, no fundo do salão. Teríamos um jantar antes da banda começar a tocar e pude ver a professora de Etiqueta vigiando os alunos para se certificar de que todos andavam prestando atenção em suas aulas. Estava na mesa com Marie, Bernard com Bel, Michel e a acompanhante do 7º ano e Dominique com uma menina do 6º ano da Nox, Danielle. Quando a musica encerrou e todos levantaram pra dançar, entendi a mão para Marie, que me acompanhou sem contestar. Podia ver Samuel com Amaralina e constatei que ele já havia cumprido sua parte no trato. Sempre que nos esbarrávamos no salão ele piscava e indicava Marie com a cabeça, mas não estava na hora ainda, não podia simplesmente agarra-la ali. O vocalista da banda iniciou uma brincadeira de troca de pares e Bernard puxou Marie para dançar. Olhei ao meu redor procurando quem iria dançar comigo e vi a professora de feitiços sozinha. Corri até ela sorridente e estendi a mão, fazendo uma reverencia que imitava os elfos.

IL: A senhorita me concede a honra desta dança?
CT: Mas como recusar um convite de um jovem tão encantador?
IL: Por favor...

Abri caminho com a professora ate o meio do salão e começamos a valsar. Ela era de longe a professora mais divertida da Academia e adorada por todos os alunos, até os mais exigentes. Alguns casais em volta pararam de dançar para observar e rir, pois rodopiávamos pelo salão meio descompassados. Quando o vocalista anunciou mais uma troca, beijei a mão da professora e ela foi puxada por Dominique. Marie dançava com um menino da nossa turma que tinha namorada, então não me preocupei e fui até a mesa onde alguns alunos do 7º ano da Fidei estavam sentados, entre eles a Morgan, e a tirei para dançar. O garotinho que acompanhava ela não pareceu gostar muito, mas para dizer que era legal não se opôs e a conduzi ate o meio do salão.

IL: O que você viu no pirralho Morgan?
MOH: Não fala assim dele Ian, o TY é legal. E não vi nada demais, ele é só um amigo.
IL: Pra você né? Eu já tive 14 anos e naquela época também queria ser amigo de todas as garotas do 7º ano.
MOH: Para de implicar com ele ou piso no seu pé! Dança calado e deixa que eu tenho a situação sob controle.

Ela riu e prometi não falar mais nada e nem implicar com o menino. Morgan aproveitou a deixa e me puxou pra perto de Marie, perguntando quando eu ia tomar vergonha na cara. Fui salvo pelo gongo, pois uma nova troca de pares aconteceu e Armand Gaston a tomou dos meus braços. Acenei sorrindo e puxei Marie para dançar novamente. Bernard também dançava com Bel outra vez e Dominique com a professora de etiqueta ao nosso lado.

ML: Não tem graça repetir o par... – disse brincando
IL: Ora, não se pode contrariar as forças da natureza. É inegável que existe uma química aqui... – falei sorrindo bem cínico e Marie riu
ML: E se tiver química também com o professor de Mitologia?
IL: Vou ser obrigado a interromper a fusão antes que algo exploda...
ML: Está com ciúmes por acaso?

Eu ia responder que sim, mas na hora a senti sendo arrancada de mim e Dominique surgiu logo atrás, rodando Marie no salão. Dessa vez não ouvi o aviso da troca e puxei a Isa, que passava distraída pelo meio das pessoas. Ela se assustou na hora, mas acabamos dançando por 3 musicas seguidas. Uma balada mais agitada começou a tocar e os que estavam sentados levantaram, enchendo a pista numa fração de segundos. Logo minha visão foi obstruída por milhares de cabeças e não conseguia mais encontrar Marie. Já não havia mais trocas de pares com musicas agitadas e fui me sentar. Samuel estava na mesa e ficamos conversando um pouco, onde ele me questionou sobre a aposta. Garanti que ela seria cumprida e Amaralina chegou em seguida, levando ele embora. Aproveitei para sair da mesa e fui caminhar nos jardins. Muitos alunos estavam lá fora ainda e depois de dar a volta no lago, encontrei Marie sozinha em um dos pufes. Sentei ao seu lado e peguei uma das garrafas de vinho que ela havia contrabandeado para fora do salão, abrindo e bebendo um pouco para criar coragem.

ML: Cansou de dançar?
IL: Não sou um bom dançarino pra musicas agitadas. Não sei se você percebeu, mas sou meio desajeitado para algumas coisas.
ML: É... Acho que depois de 6 anos eu já percebi isso sim. Por que os garotos são tão idiotas hein Luke?
IL: Nós não somos tão ruins, somos?
ML: É serio, porque eles esperam você virar as costas e já vão logo cantando a 1ª saia que passa na frente, só por vingança?
IL: Nós sentimos muito... – Marie estava um pouco bêbada. Já tinha abandonado a taça e bebia o vinho da garrafa.
ML: Homens... São todos uns idiotas!
IL: Hei! Nem todos são assim, viu? Foi por isso que você e o Antoine terminaram? Ele traiu você?
ML: Ele é um ridículo! Acredita que ele fez isso por ciúme? Só porque eu ando o tempo todo com vocês. Ai que raiva dele, ainda tem a cara de pau de passar aqui e me olhar atravessado, como se eu que tivesse agido errado!
IL: Nunca gostei desse bolha d’água. Se quiser, posso bater nele pra você. – falei rindo, mas ela me olhava como se considerasse a proposta.
ML: Você faria isso por mim?
IL: Eu tava brincando... Acho que chega de vinho, não? Não sai daí que vou buscar água e algo pra você comer.
ML: Você é um amor sabia? Você é um amor e é lindo... e também é um amor, já disso isso?

Seu rosto estava muito próximo ao meu, podia ver cada tom de cor nos seus olhos, que por sinal piscavam sem parar devido à grande quantidade de álcool ingerida. Ele se aproximava cada vez mais e antes que eu pudesse raciocinar, Marie já estava com os braços em volta do meu pescoço, os lábios molhados de vinho grudados nos meus. Mesmo surpreso, soltei a garrafa no chão e envolvi meus braços nela, selando de vez a aposta não tão besta assim.

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