Monday, February 13, 2006

Estrela da noite, meu universo é você

Do subconsciente de Amaralina Bourbon du Montserrat

Era dia de São Valentim. Os ciganos não costumam festejar datas de santos além de Santa Sarah, mas todos em Beauxbatons estavam tão eufóricos que eu pensei não haver problemas em participar das comemorações e desfrutar do prazer das torradas com geléia de morangos e bombas de chocolate em formato de coração que os elfos serviam no café da manhã. Enquanto descia as escadas, avistei Kassandra voando em torno da abóbada central do castelo. Gelei. Eu só usava minha coruja para mandar noticias ao meu pai ou a algum de meus irmãos, e se ela estava ali, com um pedaço de pele de carneiro atado à pata, só podia trazer notícias de casa. E como meu sexto sentido nunca falha, as notícias vinham de meu irmão Johann. E suas palavras me atingiram como um punhal envenenado durante um combate que, eu tive a certeza, estava perdido antes mesmo de começar.

Lina, minha pequena

Irmã, não sabes o quanto sinto sua falta! Minh’alma desfaz-se em lágrimas todas as vezes em que sinto a incerteza em seu coração e me sinto completamente inútil. Sempre fomos um do outro, minha pequena rainha, compartilhamos sonhos, segredos e ilusões. O mesmo espírito habita nossos corpos, o mesmo deus nos guia e protege. E, ocupando o lugar que ocupas em minha vida, decidi que seria você a primeira pessoa a participar de minha alegria. Lina, eu descobri que dentro de nós reside toda a magia da esperança, do amor e dos sonhos. Descobri que o amor é único. E que eu sei o que é o amor. Estou apaixonado, minha irmã! É estranho contar isso a você, mas sei que apenas você, a eterna rainha de nossa família, será capaz de compreender a intensidade do sentimento que tento expressar em cada uma destas linhas. Ksenya e eu vamos nos casar em julho, em uma magnífica cerimônia que unirá nossos clãs. Ah sim, estava esquecendo: Ksenya é filha de uma das mais belas e antigas tribos ciganas na Rússia. Ela está ansiosa por conhecer você, e sei que você gostará dela tanto quanto eu. Você será nossa convidada de honra, a protetora enviada pelos deuses.

Que Abraim te proteja!
Um beijo enorme do seu irmão
Johann



Ahn... ótimo, era tudo que eu precisava, definitivamente. Nada melhor que mandingas de amor em russo pra detonar de vez comigo. A idéia de ver Johann aos beijos com uma garota e ter que aplaudir e felicitar os pombinhos me dava arrepios. Mas... afinal, o que eu esperava? Somos irmãos, não somos? Seria muito idiota de minha parte ficar esperando que meu irmão se declarasse a mim. Respirei fundo, e contei até 3500 enquanto mordia meus dentes, segurando a violenta onda de perplexidade e fúria que perturbava minhas entranhas.

Decididamente, a perturbação astral decorrente dos últimos fatos me levaram ao limite. Eu deveria esquecer, precisava esquecer para não perder a lucidez. Então a última aula com o professor Martin Winckler surgiu em minha mente, tornando-se a estrela que põe fim a um buraco negro em uma desconhecida galáxia. Havia uma sombra em meu caminho, um alguém em meu destino. Eu não podia perder esta oportunidade. Correr o risco de não descobrir quem era a pessoa que se semi-materializou no mapa astral estava fora de cogitação. Consultei o orbe, meu amigo orbe que sempre me ajudava todas as vezes que eu precisava, mas dessa vez, nada, não apareceu nem fumacinha. Era agora ou nunca mais. Dei meia volta e corri para o dormitório. Isa já tinha saído, e não deveria voltar tão cedo. Tirei coragem só Abraim sabe de onde, e fiz.

Um berrador que canta pra cada um dos habitantes do sexo masculino da escola, com exceção dos fantasmas. Passei o fim de semana trancafiada no dormitório preparando eles. Foram mais de duzentos, inclusive para os professores. Alguém certamente iria se manifestar. Tudo bem que estava correndo sérios riscos de ganhar a maior detenção da minha existência, mas só assim eu poderia observar as reações das pessoas, descobrir quem ficou irritado, quem levou na brincadeira, quem ficou sem graça, quem pensou que eu estava matando cachorro a grito... e quem iria me dar a resposta que o orbe não deu.

Sigo viajando
Pelas ondas do mar
Sou barco navegando
à procura de um lar.
Sobre ondas que batem
E ventos que açoitam
Sou Lua, sou chuva,
Sou brisa e calor.
Quero Sol, quero sal,
Quero areia e amor.
Mas não tenho medo;
Do mar que arrebenta
Embaixo de mim
Eu domo a tormenta
Tão simples assim.
Perseverança e coragem
Por um porto seguro
Pouca sorte é bobagem
O destino é meu futuro.
Sobre ondas eu navego
Pelos mares eu procuro
O caminho do aconchego
Faça vento, ou esteja escuro.
Tenho fé e esperança
É tudo com que posso contar
Sou um barco, sou criança
Nas espumas a velejar.
Pelas praias, pelas serras,
Procuro meu amor enfim;
Sei bem que em alguma das terras
Meu amor acenará para mim.
A todos os portos irei
Em qualquer lugar a buscar
Mas meu amor acharei
Sei que está a me esperar.



Não é necessário ler a borra de chá pra saber que essa não foi a melhor idéia da minha vida. O professor de mitologia não deu ouvidos à voz açucarada do meu cartão, e o jogou sobre uma pilha de quase meio metro que se formava no canto do seu escritório. Edward Couggle sorriu em êxtase, acho que foi a primeira que ele recebeu um cartão de São Valentim na vida, coitado. Professor Martin confundiu o berrador cantante com uma estrela cadente em chamas, e ficou tão apavorado com a suposição que fez um enorme jato d’água brotar de sua varinha, e o pobre berrador terminou morrendo afogado. O professor Pierre achou graça, deu pulinhos e pendurou meu berrador no bolso das vestes, igual os trouxas fazem com cravos amarelos em casamentos.

Infelizmente, nem todos os mestres reagiram dessa forma. Sir Shaft Zambene transformou o cartão em um patinho de borracha antes mesmo que as primeiras palavras do versinho fossem pronunciadas. E, han... professor Grangier gostou taanto da surpresinha que resolveu me dar um presente inesquecível também. Só porque o berrador o encontrou na entrada do Grande Salão e a professora Morghana, de Poções, caiu na gargalhada, deixando nosso mestre de transformações roxo de vergonha, eu ganhei uma detenção. Tudo na vida tem a sua primeira vez, né? E, já diziam os antigos sacerdotes, tudo tem seu lado positivo: estarei devidamente ocupada durante todas as noites da próxima semana, no gabinete de Jean-Michel Grangier, transformando dois milhares de carrapatos em castiçais flutuantes. Isso só acontece comigo, deve estar escrito no meio de alguma constelação que eu ainda não enxerguei...

Sem argumentos, acabei cedendo ao vigésimo convite de Marie para passear nos jardins. Talvez a brisa fresca do Rio Sena desanuviasse minha mente. Enquanto caminhávamos, avistei Samuel e Ian, acompanhados do garoto que fugiu de Durmstrang e ficou amigo do patinho de borracha. Acenei para eles e sorri quando percebi a face de Samuel corando levemente. Logo ele desviou o olhar, e pareceu demasiadamente interessado no pato que o búlgaro carregava.

Ainda precisei aturar a gozação de boa parte dos garotos da escola, que alternavam entre simulações de enjôo e assédio sexual nos corredores. Disse a Marie que estava cansada e ia deitar um pouco, prometendo que apareceria na festa. Cerrei a porta do dormitório e sentei no chão gélido, com as pernas cruzadas, em posição de meditação. Então comecei a perceber que não havia uma viva alma naquele castelo que demonstrasse algum interesse pelo meu cartão de dia dos namorados. Cogitei seriamente a hipótese de ter visto coisas a mais no telescópio, durante a aula de astrologia, e uma pontinha de remorso passou pela minha mente ao pensar em Martin Winckler como um impostor, que nada entendia da ligação dos planetas e da alma humana. Não sei quanto tempo se passou, esses pensamentos se afastaram quando uma das fadas da escola se aproximou de mim, brilhante como a lua, e soprou algo que lembrava um floco de algodão, e que se transformou em um pequeno cartão quando eu o apanhei no ar. Não havia assinatura e eu não consegui reconhecer a caligrafia. Alguém dizia estar à minha espera no corredor do primeiro andar momentos antes do baile. Olhei para fora e vi que o sol já começava a se esconder. Troquei de roupa e, antes que pudesse mudar de idéia, já estava correndo em direção ao primeiro andar, esbaforida. Nem ao menos tive tempo de respirar. Alguém me agarrou e me pôs contra a parede, sem pedir licença. Mas era bom, ah... era tão bom!!!

Tímida
Um beijo tímido ao luar
Mágica
A simples mágica de amar
Se despiu da fantasia
Se vestiu de amor


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Poema retirado do site Usina de Letras.
A música citada chama-se Tímida, do Roupa Nova.

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