‘Medalha de ouro para Miyako Kinoshita, de Beauxbatons. Parabéns!’ Viera levantou meu braço sem conseguir disfarçar a satisfação que sentia.
Sorri agradecendo e recebendo a medalha. Evie e Lavínia ocupavam a segunda e terceira colocação, respectivamente. Evie, após a final no florete, me cumprimentou parecendo realmente feliz que eu tivesse ganhado. Mas Lavínia se mantinha no podium firme e decidida a me ignorar. E decidida a fazer aquela cara de quem estava com quilos de bosta de dragão embaixo do nariz. Não estava me importando. Havia treinado muita Esgrima para conseguir aquela medalha, e não seria ela a me deixar preocupada...
Assim que desci do podium, mamãe e Sergei me agarraram em abraços apertados, seguidos de perto por meus amigos e tantos outros ‘tios’. Até tio Scott parecia estar se divertindo bastante ali. Era o penúltimo dia das Olimpíadas e nada parecia sair errado, só que eu já começava a me sentir um pouco depressiva em voltar para Beauxbatons e rotina, sem meus amigos, sem as competições, festas... O restante do ano passaria se arrastando, com certeza.
Assim que deixamos o ginásio e chegamos aos jardins gramados de Hogwarts, Ricard me puxou e me deu um beijo longo, me levantando alguns centímetros do ar e me rodando. Sorri.
‘Estava te procurando’ falei quando ele finalmente me colocou no chão.
‘Eu fiquei sem graça de me intrometer no meio da sua família... ’ ele disse um pouco constrangido. Balancei a cabeça.
‘Pois não precisa. Eles iriam te adorar’
‘Por que não iriam adorar o Ricard, não é mesmo? Ele é o genro que toda mãe pediu a Merlin... ’ uma voz sarcástica falou às minhas costas e involuntariamente meus punhos se fecharam. Ricard se adiantou de modo a ficar na minha frente enquanto Lavínia avançava sorrindo.
‘Parabéns pela medalha, Vina’ Ricard falou sério. A menina não tirou o sorriso irônico do rosto.
‘Muito obrigada, Dragash. Mas não que você se importe com as medalhas de bronze não é mesmo? De uns dias para cá, você parece ter se esquecido dos seus amigos, da sua escola. Parece já ter adotado novas famílias... ’ ela disse azeda. Ricard enrijeceu o corpo. Ri alto.
‘Ai, ai, ai... Nossa. Estou sentindo náuseas. Como você consegue ser hipócrita quando quer, Lavínia!’
A partir desse ponto, Ricard já não tinha mais nenhum controle sobre as mãos. Pois Lavínia fechou a cara e eu sentia meus punhos tão apertados que estavam queimando as palmas das mãos. Só precisava de um incentivo... E ele não demorou a aparecer.
‘Hipócrita? Eu? Quem está se fazendo de moça de família agora, mas que tenho absoluta certeza que vai abandonar Ricard assim que entrar naquela maldita carruagem e voltar para sua própria escola, hein? Não sou eu...’
‘E QUEM você pensa que é para julgar o que eu vou fazer ou não vou fazer? Logo você, a defensora dos frascos e comprimidos??? Você que se preocupa mais com seu melhor AMIGO do que com seu próprio namorado?’
‘Você também me pareceu muito preocupada com a vida do Ty!’ Ela já começou a gritar e a perder a razão. Quer dizer, ela nunca teve uma razão, de fato. Ri.
‘Claro que me preocupo com a vida dos meus amigos. Mas você quer ter o controle dela em suas mãos. Ainda não aprendeu que amigos não são marionetes. Muito menos, terapeutas dando plantões na hora que você precisa!’
‘Ohhhh, então Ricard já te contou tudo sobre nossas conversas é? Ele que gosta de bancar o terapeuta, não sou eu quem procura um...’
‘Você precisa é de um psiquiatra, isso sim’ respondi agressiva.
Ela pareceu chegar ao seu limite, pois avançou para cima de mim prestes a me bater no rosto. Graças ao quadribol, à esgrima e algumas aulas com o Ty, meus reflexos eram bastante bons, pois segurei o braço dela no ar e o torci até os olhos dela marejarem de lágrimas.
‘Escuta aqui o que eu vou te falar, sua recalcada, mimada e idiota: da próxima vez que você TENTAR me bater, evite usar tapas na cara. Já estão passados. E cuide da sua vida, por que eu já sei cuidar da minha sozinha, e Ricard também não anda pedindo ajudas para cuidar da dele. Muito obrigada pela sua preocupação, mas nós estamos ótim... OUCH!’
Minha frase não se completou. Como eu não soltei seu braço, ela me deu um chute na canela e acabou conseguindo se soltar. Em menos de um minuto estávamos rolando no chão. Prendi Lavínia contra a grama e esbofeteei cada nano pedaço de corpo que consegui alcançar com os punhos. A gritaria ao redor era ensurdecedora, mas só nos afastamos quando tia Alex e Sergei entraram correndo na roda, me lançando um feitiço contra o peito e me jogando de costas na grama alguns metros.
Sergei agarrou meus braços com violência me pondo de pé. Suas mãos tremiam e ele me olhava de uma maneira que nunca me olhara antes. Como se estivesse se controlando para não gritar. Escolheu bem as palavras.
‘Eu não sei como isso começou, mas quero que você vá imediatamente para a enfermaria. Vou chamar sua mãe.’
Estava me sentindo tão nervosa e elétrica que nem contrariei. Ricard estava ajoelhado ao lado de Lavínia, que estava sentada na grama com o nariz jorrando sangue e os olhos inchados. Senti uma mistura de prazer e ódio ao ver aquela cena, mas Ty e Gabriel me seguravam pelos braços me arrastando até a enfermaria. Ambos calados.
‘Sabe... Vocês podem se manifestar. Não vou agredir mais ninguém. Já estou uma tonelada mais leve depois dessa.’ Falei seca e Gabriel e Ty largaram meus braços se entreolhando e gargalharam.
‘Belo soco de direita, Mi. Pena que não teve bolão... Ninguém pareceu disposto a apostar na Lavínia...’ Ty disse pesaroso e riu brincalhão.
‘Nem deu tempo de você arrancar umas mechas loiras! Sacanagem.’ Gabriel completou com um brilho divertido nos olhos. Não consegui conter o sorriso. Mas ao chegar à enfermaria, tia Louise e tia Samantha pararam de rir e se desesperaram vindo na minha direção.
‘O que aconteceu?’ Tia Samantha perguntou levantando um olho meu, que estava ardendo e me arrastando até uma maca.
‘Miyako deu uma surra em uma garota de Durmstrang’ Gabriel disse rindo. Tia Louise fechou a cara.
‘Não é para rir, Gabriel.’ Repreendeu e se aproximou de mim. ‘Você está bem. Só precisa de um pouco de gelo. Onde está a garota?’
A pergunta morreu no ar. Lavínia entrou dando um verdadeiro show na enfermaria. Os estagiários que correram para atendê-la levaram coices. Tia Louise soltou um suspiro de impaciência e foi até ela.
‘São só alguns cortes e inchaços, srta. Durigan. Se acalme.’ Ela disse com serenidade. Lavínia gritou.
‘Alguns cortes? ALGUNS? Eu poderia ter morrido com isso. E se peguei a gripe asiática?’
‘NÃO SE PREOCUPE. VOCÊ TOMA TANTOS REMÉDIOS QUE SEU SANGUE É A BASE DE OXIDADOS!’ Gritei da minha maca. Gabriel e Ian se dobraram de rir. Ty abaixou a cabeça disfarçando.
‘Miyako, quer POR FAVOR, ficar quieta?’ Tia Louise disse brava e encolhi. Mas lancei à Lavínia um olhar vitorioso.
Minha mãe irrompeu pela porta parecendo nervosa. Sergei atrás dela. Correu até mim.
‘Como você está? Está tudo bem?’ Perguntou parecendo aflita. Balancei os ombros sorrindo.
‘Estou. Lavínia que não parece muito bem depois da surra que levou...’
‘MIYAKO’ tia Louise gritou novamente. A menina se rebateu contra os braços dela querendo vir para cima de mim. ‘SR. LAFAYETTE, QUER FAZER O FAVOR DE PARAR DE RIR E PEGAR UM CALMANTE?’
Ian levou um susto e correu até o armário apanhando uma poção roxa púrpura e empurrando sem muita delicadeza na boca de Lavínia, que ficou amolecida.
‘Melhor assim. Se ela insiste que vai morrer amanhã, melhor mantermos ela sob observação essa noite na enfermaria. Sr. Lafayette, fique responsável em lhe dar uma dose de calmante por hora. Eu cuido dos hematomas.’ Tia Louise disse finalmente e Lavínia a encarou zangada, mas não disse nada. Ian, porém, pareceu se divertir com a idéia.
‘E você, mocinha...’ mamãe começou. Interrompi.
‘Nem tente, mãe. Estou tão feliz que bateria nessa garota outra vez, se fosse preciso. Eu estava quietinha no meu canto.’
Pressionei o gelo contra o olho. Tia Samantha me deu uma poção verde.
‘Tome. Para diminuir os inchaços. Você já está boa, Miyako. Pode ir, se quiser.’
Levantei-me da cama e sem mais delongas sai da enfermaria. Mamãe e Sergei me seguiram, e eu sabia que levaria uma bronca danada. Mas nada me importava. Passei as últimas três semanas me controlando, e teria sido uma baita injustiça, comigo mesma, se não tivesse extravasado um pouco dessa tensão com alguém.
°°°
‘Como assim?’ Ricard perguntou rindo tenso.
A festa de encerramento na Lufa-lufa estava, literalmente, BOMBANDO. Os alunos pareciam dispostos a aproveitarem suas últimas horas por ali, e dançavam, conversavam, bebiam e namoravam como se nunca tivessem feito nada disso antes. Eram tantas risadas e músicas que eu me sentia tonta. Passei a acreditar em todas as descrições de festas que mamãe já presenciou naquele lugar! Era fantástico.
‘Não dá Ricard. Queria que Lavínia tivesse errada, mas ela está coberta de razão. Você e eu? Não dá. Não preciso de um acompanhante para todos os lados. Preciso de um namorado. De alguém que aja por conta própria, sem pensar nas conseqüências. De alguém que não se preocupe com o dia de amanhã, entende? Você é todo certinho, cheio de planos. E você adora a Lavínia. Eu só dei uns socos nela, não matei. Você sabe muito bem que ela fez aquela manha toda para exagerar a situação de vítima... E mesmo assim você ficou do lado dela e me olha como se eu fosse uma agressora em potencial. Eu provavelmente não seria a nora ideal para a SUA família.’
Ricard me encarava sem palavras. Eu tinha acabado de terminar com ele. Era a coisa mais sensata a se fazer.
‘Agora é você quem está se deixando levar pela Lavínia. Nós podemos fazer isso dar certo!’ Ele disse confiante e se aproximou. Dei um passo para trás, decidida.
‘Você é uma pessoa maravilhosa. Um ótimo conselheiro, amigo. É sensato, é inteligente, é realista. É romântico. Mas você precisa achar uma garota que não queira te manipular, e nem que queira te mudar. Eu iria te mudar, se ficássemos juntos. Gosto de desafios e gosto que me coloquem em desafios. Desculpa, Ricard, mas enquanto você não dar um basta na influência que a Lavínia coloca na sua vida, e enquanto não tiver suas decisões para escolher por si só, nós nunca daremos certo... O que não quer dizer que não exista alguém que vá suportar tudo isso sem dizer nada! Cada laranja tem duas metades, não é? Mas valeu ter te conhecido. Podemos ser amigos?!’
Sugeri sorrindo e estendi a mão. Ele me olhou em silêncio um segundo e apertou minha mão, me puxando com força para mais perto. Ficamos a centímetros de distância.
‘Amigos, então.’ E me deu um beijo no rosto. ‘Nós ainda viajaremos juntos para o Japão, não é? Você me prometeu um tour...’
‘É claro que sim. Promessa é dívida. Prepare seu kimono, pois quando menos esperar estará ao pé do Monte Sinai.’
Sorri alegre. Ele também. Parecia ter entendido por que nunca daríamos certo. Seríamos bom amigos, e somente assim poderíamos manter laços saudáveis para ambos os lados. O puxei para dançar e curtimos a última noite de confraternização das escolas de magia, juntos.
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