O dia que eu pisei em Hogwarts pela primeira vez deveria ter sido lembrado como o dia mais feliz da minha vida. Infelizmente, ou talvez eu considerasse ‘felizmente’ uns anos depois, esse dia nunca mais seria esquecido, por vários motivos...
1° de setembro de 1992
O Expresso de Hogwarts se preparava para partir. Despedi brevemente de mamãe na plataforma e entrei no trem vermelho sangue. Por sorte, havia conseguido uma cabine só para mim... Já estava bastante nervosa sem precisar conversar com outros calouros curiosos e empolgados.
A viagem correu bastante tranqüila. Passei a maior parte do tempo praticando de fato os feitiços básicos que já tinha aprendido por livros didáticos e imaginando como seria estudar magia. Estudar magia DE VERDADE.
Quando o trem diminuiu a velocidade até parar, e do lado de fora explodiu uma confusão de alunos e conversas, recolhi minhas malas no bagageiro, dei uma última olhada no vidro da janela para a garota extremamente pálida, com cabelos perfeitamente esticados em coque e uns óculos um pouco arredondados que me encarava. O uniforme estava impecavelmente bem passado e brilhoso. Sua expressão era de ansiedade disfarçada de severidade intelectual.
‘Anabel Damulakis McCallister, aluna de Hogwarts e futura auror’ disse para mim mesma, e sentindo um calor simpático me invadir, deixei a cabine me misturando à massa de alunos que desembarcavam para a estação de Hogsmeade.
‘ALUNOS DE PRIMEIRO ANO, JUNTEM-SE AQUI POR FAVOR. ’ Uma voz grossa e rouca se sobressaiu às conversas e risadas. Quando segui seu interlocutor me deparei com uma espécie de homem que cresceu demais. Tinha a altura de dois homens normais, cabelos e barbas despenteados e grandes e olhinhos pretos de besouro.
Acompanhei duas meninas, que também pareciam desconfiadas do homem que as chamava, até o amontoado de estudantes primeiranistas que já se formava ao redor dele.
‘Meu nome é Rúbeo Hagrid. Sou guarda-caça de Hogwarts. Vamos atravessar o lago até o castelo, em barcos tudo bem? Não se preocupem, os barcos são confiáveis. ’ Acrescentou de imediato ao ouvir um garoto logo a sua frente choramingar. Até tentou um sorriso simpático, mas provavelmente se perdeu em sua barba.
A travessia pelo lago foi... magnífica! À medida que os barquinhos avançavam pelo lago, e o castelo de Hogwarts, suas torres e luzes, iam se avolumando em frente, se tornava impossível não soltar uma exclamação deslumbrada. E ao entrarmos ao Saguão de Entrada, as conversas só aumentavam. Mas não houve tempo para muitas demonstrações excitadas. Em poucos minutos, uma mulher de vestes verdes escuras, óculos quadrados e cabelos também presos em coque por baixo de um chapéu cônico igualmente verde, se postou a nossa frente e olhou para todos e cada um, de uma só vez...
‘Bem-vindos a Hogwarts. Sou Minerva McGonagall, vice-diretora e professora de Transfiguração. Em poucos minutos daremos início à seleção das casas. Para os alunos que ainda não sabem como vai funcionar, é simples: Chamarei o nome de cada um de vocês, e ao chegar sua vez, adiante-se e sente no banquinho onde colocarei o chapéu seletor em sua cabeça e ele lhe dirá para qual das quatro casas você irá. Elas são quatro: Grifinória, Sonserina, Lufa-lufa e Corvinal. Suas casas serão suas moradas enquanto estiverem aqui. Seus êxitos implicarão em pontos positivos para ela, assim como seus erros serão descontos. No final do ano, a casa que mais tiver pontos, ganha a Taça das casas. Alguma dúvida?’
Ela esquadrinhou os estudantes, e como ninguém se manifestou virou-se de frente para duplas portas de carvalho e as abriu. Os alunos ao meu redor que estavam calados (talvez tentando absorver com clareza cada uma das informações ligeiramente transmitidas) deixaram seus queixos cair ao seguirem em fila única a professora pelo Salão Principal. O lugar era magnífico. Cinco grandes mesas, centenas de estudantes e os professores, velas que flutuavam em harmonia com os fantasmas. O céu encantado. Tudo tão caprichosamente perfeito!
Eu poderia ter ficado ali mesmo estudando o céu o restante da noite. Mas quando os estudantes começaram a se dispersar para uma das quatro mesas das casas, senti o estômago dar cambalhotas. Tinha um plano: passar despercebida. Seria selecionada, sentaria à mesa da minha casa, ponto final. Acho que nem preciso dizer que meu plano foi um completo fracasso, preciso?
‘McCallister, Anabel’ Minerva McGonagall leu meu nome no pergaminho e dei dois passos à frente, me sentando no banco de três pernas. Estava tudo muito bem, até uma grande bomba explodir.
Foi em uma fração minúscula de segundo. Quando me sentei e encarei as centenas de olhos ansiosos que me observavam, senti o mundo girar. Mas então, meus olhos foram tapados por um chapéu muito velho e costurado, que tinha uma abertura em forma de boca e falava.
‘CORVINAL’ o chapéu e uma mesa à direita gritaram. Os alunos aplaudiram. Só precisava me unir a eles... Só isso.
Porém, mal tinha me mexido no banco. Mal tinha voltado a ver a luz do Salão Principal e um grito agudo e histérico cortou o ar. Uma garota, de cabelos castanhos (como os meus), olhos verdes (como os meus), nariz, boca, orelhas e altura (COMO OS MEUS) parou bem na minha frente. Minha primeira reação foi fechar os olhos e tornar a abri-los, esperando que aquela minha metade desaparecesse no ar e eu pudesse enfim, me unir aos alunos da Corvinal. Mas quando os abri, ela continuava lá. Tão idêntica e tão diferente a mim, que poderia jurar que ela tinha me dividido em dois contra meus protestos.
‘Você... Hum... Você sou eu?’ ela perguntou hesitante e tão chocada quanto eu estava.
‘Por favor. Srta. McCallister, queira se dirigir para a mesa da Corvinal?’ McGonagall me empurrou com severidade para os degraus. Eu não despregava os olhos da menina, que continuava no aglomerado de alunos a serem selecionados.
‘McCallister, Isabel’ parei de chofre no caminho à mesa. Para meu absoluto terror, foi aquela menina quem se adiantou para o banco. Ela não tinha só minha aparência. Tinha o meu sobrenome. Ela era, incontestavelmente, minha irmã GÊMEA.
°°°
Quando o tiro cortou o ar, eu, Brenda, Anne e Isa começamos a remar com força total. Assumimos com facilidade a liderança. As torcidas ao redor explodiam em motivações para as equipes de suas escolas, mas a única que ainda nos oferecia algum tipo de ‘perigo’ era a de Hogwarts.
‘ELAS ESTÃO CHEGANDO!’ Isa gritou e um segundo depois se emparelhavam do nosso lado.
‘PARE DE PRESTAR ATENÇÃO NELAS, ISABEL. REME. ANNE, COM MAIS VELOCIDADE, POR FAVOR?!’
Gritei com violência. Estávamos emparelhadas. No breve segundo que me permiti olhar para o lado, percebi que a única garota da equipe que parecia tão concentrada quanto eu era a mais robusta e musculosa. Não iria me deixar vencer tão facilmente. Girava o remo com tanta rapidez que meus ombros e cotovelos começavam a reclamar...
‘VAMOS, VAMOS. NÃO DESISTAM. NÓS PODEMOS GANHAR ESSA PARA BEAUXBATONS. ’
Então eu percebi que tinha dito a palavrinha mágica. Pois ao ouvirem o nome da escola, misturada aos cantos e gritos de incentivo da torcida dominante de azul, as meninas pareceram tomar um fôlego renovado. Não só deixamos a equipe de Hogwarts para trás, como cruzamos os cones de chegada com 5 segundos de diferença. A medalha de ouro era nossa!
°°°
‘Acreditem. O monstro da Câmara Secreta é um Chifres-Longos Romeno’ a garota de cabelos louro escuros, olhos azul-acinzentados e exageradamente expressivos dizia com convicção para outras duas primeiranistas, que pareciam assustadas com a hipótese. Ri.
‘Essa é a pior teoria que já ouvi, até agora. E pode se sentir honrada. Já ouvi até sobre a possibilidade de ser uma Quimera. ’ Cortei sem muita simpatia. As duas garotas me olharam sem expressão, enquanto Luna Lovegood (que em pouco tempo aprendi a denominar de “Di-Lua”) me encarou com grande interesse. ‘Acho que acredito mais em uma quimera solta por aí, do que em um dragão. ’
‘Quimeras não existem’ ela disse e sorriu. Sua varinha estava fixamente presa na orelha e ela usava um colar de rolhas de cerveja amenteigada. Tive que rir. Logo Luna Lovegood, a garota mais maluca da escola que diziam acreditar em Bufadores de Chifre-Enrugado, me dizendo que Quimeras não existiam e um dragão morava em uma câmara secreta do castelo, rondava pelos corredores e atacava os alunos sem que eles aparecessem torrados?
‘Ah, é, certo. Não existem...’ acabei com a discussão. Não levaria a nada mesmo. Aliás, se tinha uma única coisa que eu tinha aprendido BEM em Hogwarts era: não cair em discussões inúteis. E as principais causadoras dessas se chamavam Luna Lovegood e Isabel McCallister.
Sai do dormitório rindo daquela idéia patética. Minha intenção era ir até a biblioteca, mas ao passar pelos corredores e ver o dia ensolarado e quente que fazia, decidi ir tomar um pouco de luz do que poderia ser a última aparição do sol no ano.
Sentei no gramado verde embaixo de uma árvore a beira do lago onde alguns estudantes tomavam banho. O primeiro ano em Hogwarts estava na metade e nada parecido do que eu imaginei. Em poucos meses eu tinha superado todos os meus limites... Descobri que tinha uma irmã gêmea, descobri que meu pai era vivo, dormia ao lado de uma maníaca em potencial e lidava dia-a-dia com suas teorias e colocações bizarras e o mais estranho: eu estava completamente apaixonada por um fantasma! Seu nome é, ou era, Nicholas de Mimsy-Porpington, injustamente conhecido pelos estudantes como “Nick-quase-sem-cabeça” devido ao fato de que sua morte teria sido causada por uma decapitação muito mal-sucedida e ele perambulava os corredores com coletes de golas altas para impedir que sua cabeça tombasse para o lado. Mas, por mais estranha que fosse a situação, era um fantasma apaixonante... Fosse pelos gestos cavalheiros de tirar o chapéu de plumas em reverências toda vez que nos cruzávamos pelos corredores, fosse sua auto-estima e otimismo, ou pelas horas em que eu e ele gastávamos conversando sobre nossas vidas. Nick era meu único amigo em Hogwarts. E eu, era a única estudante que gastaria horas conversando com quem já morrera.
Ao longe, no lago, vi uma figura branco e pérola emergir da água escura. Meu coração até chegou a falhar um segundo, pensando que poderia ser ele. Mas logo reconheci a Murta-que-geme, fantasma da menina chorona que assombrava o banheiro feminino do 2° andar e dava depressão em qualquer um que dividisse mais do que 5 minutos no mesmo ambiente que ela... Aproximou-se de onde eu estava, gesticulando e falando consigo mesma, furiosa.
‘Só por que morri... Por que dar atenção a alguém que já morreu não é mesmo?’ ela ia passando ao meu lado, fazendo caretas.
‘Algum problema, Murta?’ perguntei curiosa e ela parou me olhando. Por um momento, ficou em dúvida sobre que reação tomar, mas então sorriu.
‘Ah, Anabel. A menina dos fantasmas...’ deu risadinhas zombadoras antes de continuar. Senti o rosto queimar desagradavelmente. ‘Me deram descarga e vim parar no lago.’ Ela completou novamente zangada. Senti uma vontade de rir, mas aquilo só pioraria a situação.
‘Hum. Sinto muito. Às vezes não tenham te visto...’ arrisquei um palpite e realmente só piorei. Ela se voltou aos berros contra mim.
‘POR QUE VERIAM A MURTA, NÃO É? ELA MORREU. SÓ SABE CHORAR. VAMOS DAR DESCARGA NA MURTA E VÊ-LA CAIR NO LAGO.’
‘Murta, eu não quis dizer nada disso’ argumentei assustada, mas ela ofegava.
'Vocês são todos iguais. Nick está completamente errado quando diz que você é uma garota especial, Anabel. Você também é um monstro!’
Dizendo isso, virou as costas e foi para o castelo. Continuei encarando seu brilho pálido até desaparecer. O que me faltava acontecer agora? Ser hostil com Nick? Ter todos de costas para mim? É Anabel, você começou muito bem sua estadia em Hogwarts...
°°°
Uma massa de pessoas histéricas saltou em cima de nós após recebermos as medalhas de ouro. Bernard foi o primeiro a me abraçar apertado e me rodar no chão, lascando um beijo. Eu me sentia tão feliz que seria capaz de vender esse sentimento para quem precisava.
Olhando a medalha, meus amigos e o castelo de Hogwarts, eu soube: Hogwarts teria sido a minha escola, mas Beauxbatons, definitivamente, era meu lar.
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