Letícia tinha razão quanto ao efeito imediato da tequila. Eu que nunca entro em acordo com as músicas agitadas, senti meu corpo se animando e rodando no meio das outras pessoas. Fui apresentado para uns amigos malucos dela, e ficamos muito tempo conversando e rindo no tal Café Cancun.
LS: Quer ir andar? Cansei desse lugar... – o sorriso dela me denunciou que também estava bêbada e eu concordei.
Saímos de mãos dadas e fomos cantando alto pelas ruas quase vazias da cidade. As poucas pessoas que cruzávamos no caminho nos cumprimentavam como conhecidos de anos e me senti a vontade com aquilo.
Entramos em uma das praias onde estava acontecendo um tipo de lual, com uma diferença: era um casamento!
Letícia colocou a mão na minha boca e eu parei de cantar. Ela apontou com a cabeça para o altar, sorrindo. Sentamos na areia junto com os outros convidados e uma idéia louca de repente me ocorreu...
SS: Vamos casar? – ela sorriu e concordou.
LS: Agora? Agora! Vamos...
Os noivos passaram por nós sob uma chuva de arroz e nós corremos até o padre.
LS: O senhor pode nos casar?
O padre que estava fechando a bíblia nos olhou de surpresa e sorriu ao ver nossas mãos cruzadas.
- Não há nada mais lindo nesse mundo do que o amor. O amor de vocês é jovem e maduro. Eu caso vocês sob as bênçãos de Nossa Senhora de Guadalupe.
Ele fez o sinal da cruz e começou a ler um pedaço da bíblia. Eu só me lembro de estar ajoelhado na areia escutando tudo que ele dizia e Letícia ao meu lado com uma coroa de flores brancas na cabeça (doação da verdadeira noiva) olhando as ondas.
- Samuel, é de livre e espontânea vontade que aceita Letícia como sua legítima esposa, amando-a e respeitando-a para o resto de suas vidas?
Eu concordei com a cabeça e ele fez a mesma pergunta para ela que prontamente concordou.
- As alianças?
As alianças! Claro! Como se casa sem alianças? Letícia me olhou espantada por um momento, mas depois balançou a cabeça. Tirou da mão direita uma aliança dourada, e do pescoço uma corrente com outra aliança, idêntica, e entregou ao padre que abençoou.
LS: Eram dos meus avós. –sussurrou para mim. – Sempre pensei que fosse usá-las no meu casamento... Bem, aí estão!
Depois de trocarmos alianças, finalmente a frase: “Eu vos declaro marido e mulher. Pode beijar a noiva...”
E então nós nos beijamos. Casados, sim, eu estava ca-sa-do com aquela maluca que tinha conhecido na mesma manhã!
Saímos, também sob uma chuva de arroz. O resto da noite foi ocupado naquela mesma praia. Nos encheram de colares de flores e coroas, além daqueles chapéus gigantes. Dançamos músicas de ula-ula, comemos frutas e coisas naturais e amanhecemos na areia vendo o nascer do sol.
Bem, pelo menos essa tinha sido a minha última lembrança... Abri os olhos, foi como se um holofote tivesse sido ligado de uma vez na minha cara. Não consegui nem me sentar, sentia o corpo pesado. Olhei ao redor, estava no quarto do hotel. Me esforcei pra levantar o pescoço e o choque que tive depois foi pior do que cem holofotes.
Letícia estava dormindo do meu lado, nós estávamos muito er... muito próximos! Olhei pra mim mesmo... Eu estava sem camisa, e ela com o vestido do avesso... Ok, calma! Fechei os olhos com a esperança de me lembrar como tinha chegado ali, o que tinha acontecido e...
SS: LETÍCIA!
Ela disse um “hum” dormindo ainda e não se mexeu. Ok, eu precisava manter a calma... Sacudi ela com um pouco de violência e ela abriu os olhos zonza. Demorou um pouco pra me focalizar, mas se levantou de imediato.
LS: Eu... O que estamos fazendo aqui?
SS: A pergunta é: O que estamos fazendo com essas alianças no dedo?
Ela levantou a mão esquerda e viu as alianças. Depois soltou uma risada debochada.
LS: As alianças dos meus avós. Bem, eu me lembro o que aconteceu ontem, quero dizer, pelo menos a parte das alianças... A tequila não é o tipo de bebida que causa amnésia...
SS: Você está rindo? Você é louca mesmo! Letícia, a gente casou! Com padre e tudo!
LS: O problema não é o padre, e nem as alianças... Nós assinamos o livro do cartório!
SS: Ótimo, realmente ótimo. Eu mal chego no México, encho a cara com a tequila dos infernos, caso com uma doida e acordo dentro do hotel dormindo do lado dela! Me diz: o que fizemos depois da festa?
Ela se sentou e passou a mão nos cabelos. Ficou em silêncio...
LS: Eu não me lembro... Não sei como viemos parar aqui! Não sei onde está a sua camisa e nem porque meu vestido está do avesso. O que eu sei é que tequila dá calor, é normal arrancarmos as roupas, ou tentarmos... Ponto positivo!
SS: Se você não se lembra nem como viemos parar aqui, esse fato não é lá muito relevante.
LS: E se aconteceu alguma coisa? Nós estamos casados mesmo...
SS: Você é pirada! Eu estou no mundo dos loucos e ninguém me apontou a placa: Hospício!
LS: Aconteceu, é um fato!
SS: Minha morte também vai ser um fato... Merlin, eu nem me formei na escola ainda!
Me levantei e joguei as coisas dentro da mala.
LS: Onde você vai?
SS: Vou voltar pra casa... Tenho que comunicar para minha família que sou o mais novo marido de Paris! – não estava sendo sarcástico, estava em desespero.
LS: Para Samuel!
SS: Para, para! Você devia ter falado isso ontem quando eu tive a infeliz idéia de nos casarmos.
LS: Ei, eu sou vítima também ta? Tenho a minha vida aqui e nunca pretendi me casar, ou pelo menos não antes dos 40 anos! Assim como você, eu estava bêbada, então se acalme e vamos conversar pra ver o que vamos fazer...
SS: Onde é a ponte mais próxima? Pulo e facilito o trabalho dos meus pais!
Ela riu e depois foi até onde eu estava me paralisando.
LS: Escuta, vamos fazer o seguinte... Vamos comer alguma coisa, dar uma caminhada. Depois você, com calma, escreve para os seus pais. Sua passagem pra voltar é só para alguns dias, não vai adiantar ficar mofando no aeroporto.
SS: Eu não sei o que escrever pra eles!
LS: A verdade. Já casamos mesmo, agora o jeito é contar...
É, acho que ela tinha razão. Não ia estragar meus dias em Cancun por causa de um casamento bobo. Ok, eu sei que não era um casamento bobo e que isso ia me render castigos infinitos ou mortais, mas já que meu fim estava próximo, melhor aproveitar os dias que o antecederiam né? A única coisa que está me deixando encucado até agora é: eu consumei ou não o casamento??? E se eu consumei o que eu faço agora??? Merlin...
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