Saturday, July 08, 2006

Era uma vez no México...

Letícia tinha razão quanto ao efeito imediato da tequila. Eu que nunca entro em acordo com as músicas agitadas, senti meu corpo se animando e rodando no meio das outras pessoas. Fui apresentado para uns amigos malucos dela, e ficamos muito tempo conversando e rindo no tal Café Cancun.

LS: Quer ir andar? Cansei desse lugar... – o sorriso dela me denunciou que também estava bêbada e eu concordei.

Saímos de mãos dadas e fomos cantando alto pelas ruas quase vazias da cidade. As poucas pessoas que cruzávamos no caminho nos cumprimentavam como conhecidos de anos e me senti a vontade com aquilo.
Entramos em uma das praias onde estava acontecendo um tipo de lual, com uma diferença: era um casamento!
Letícia colocou a mão na minha boca e eu parei de cantar. Ela apontou com a cabeça para o altar, sorrindo. Sentamos na areia junto com os outros convidados e uma idéia louca de repente me ocorreu...

SS: Vamos casar? – ela sorriu e concordou.

LS: Agora? Agora! Vamos...

Os noivos passaram por nós sob uma chuva de arroz e nós corremos até o padre.

LS: O senhor pode nos casar?

O padre que estava fechando a bíblia nos olhou de surpresa e sorriu ao ver nossas mãos cruzadas.

- Não há nada mais lindo nesse mundo do que o amor. O amor de vocês é jovem e maduro. Eu caso vocês sob as bênçãos de Nossa Senhora de Guadalupe.

Ele fez o sinal da cruz e começou a ler um pedaço da bíblia. Eu só me lembro de estar ajoelhado na areia escutando tudo que ele dizia e Letícia ao meu lado com uma coroa de flores brancas na cabeça (doação da verdadeira noiva) olhando as ondas.

- Samuel, é de livre e espontânea vontade que aceita Letícia como sua legítima esposa, amando-a e respeitando-a para o resto de suas vidas?

Eu concordei com a cabeça e ele fez a mesma pergunta para ela que prontamente concordou.

- As alianças?

As alianças! Claro! Como se casa sem alianças? Letícia me olhou espantada por um momento, mas depois balançou a cabeça. Tirou da mão direita uma aliança dourada, e do pescoço uma corrente com outra aliança, idêntica, e entregou ao padre que abençoou.

LS: Eram dos meus avós. –sussurrou para mim. – Sempre pensei que fosse usá-las no meu casamento... Bem, aí estão!

Depois de trocarmos alianças, finalmente a frase: “Eu vos declaro marido e mulher. Pode beijar a noiva...”
E então nós nos beijamos. Casados, sim, eu estava ca-sa-do com aquela maluca que tinha conhecido na mesma manhã!
Saímos, também sob uma chuva de arroz. O resto da noite foi ocupado naquela mesma praia. Nos encheram de colares de flores e coroas, além daqueles chapéus gigantes. Dançamos músicas de ula-ula, comemos frutas e coisas naturais e amanhecemos na areia vendo o nascer do sol.
Bem, pelo menos essa tinha sido a minha última lembrança... Abri os olhos, foi como se um holofote tivesse sido ligado de uma vez na minha cara. Não consegui nem me sentar, sentia o corpo pesado. Olhei ao redor, estava no quarto do hotel. Me esforcei pra levantar o pescoço e o choque que tive depois foi pior do que cem holofotes.
Letícia estava dormindo do meu lado, nós estávamos muito er... muito próximos! Olhei pra mim mesmo... Eu estava sem camisa, e ela com o vestido do avesso... Ok, calma! Fechei os olhos com a esperança de me lembrar como tinha chegado ali, o que tinha acontecido e...

SS: LETÍCIA!

Ela disse um “hum” dormindo ainda e não se mexeu. Ok, eu precisava manter a calma... Sacudi ela com um pouco de violência e ela abriu os olhos zonza. Demorou um pouco pra me focalizar, mas se levantou de imediato.

LS: Eu... O que estamos fazendo aqui?
SS: A pergunta é: O que estamos fazendo com essas alianças no dedo?

Ela levantou a mão esquerda e viu as alianças. Depois soltou uma risada debochada.

LS: As alianças dos meus avós. Bem, eu me lembro o que aconteceu ontem, quero dizer, pelo menos a parte das alianças... A tequila não é o tipo de bebida que causa amnésia...
SS: Você está rindo? Você é louca mesmo! Letícia, a gente casou! Com padre e tudo!
LS: O problema não é o padre, e nem as alianças... Nós assinamos o livro do cartório!
SS: Ótimo, realmente ótimo. Eu mal chego no México, encho a cara com a tequila dos infernos, caso com uma doida e acordo dentro do hotel dormindo do lado dela! Me diz: o que fizemos depois da festa?

Ela se sentou e passou a mão nos cabelos. Ficou em silêncio...

LS: Eu não me lembro... Não sei como viemos parar aqui! Não sei onde está a sua camisa e nem porque meu vestido está do avesso. O que eu sei é que tequila dá calor, é normal arrancarmos as roupas, ou tentarmos... Ponto positivo!
SS: Se você não se lembra nem como viemos parar aqui, esse fato não é lá muito relevante.
LS: E se aconteceu alguma coisa? Nós estamos casados mesmo...
SS: Você é pirada! Eu estou no mundo dos loucos e ninguém me apontou a placa: Hospício!
LS: Aconteceu, é um fato!
SS: Minha morte também vai ser um fato... Merlin, eu nem me formei na escola ainda!

Me levantei e joguei as coisas dentro da mala.

LS: Onde você vai?
SS: Vou voltar pra casa... Tenho que comunicar para minha família que sou o mais novo marido de Paris! – não estava sendo sarcástico, estava em desespero.
LS: Para Samuel!
SS: Para, para! Você devia ter falado isso ontem quando eu tive a infeliz idéia de nos casarmos.
LS: Ei, eu sou vítima também ta? Tenho a minha vida aqui e nunca pretendi me casar, ou pelo menos não antes dos 40 anos! Assim como você, eu estava bêbada, então se acalme e vamos conversar pra ver o que vamos fazer...
SS: Onde é a ponte mais próxima? Pulo e facilito o trabalho dos meus pais!

Ela riu e depois foi até onde eu estava me paralisando.

LS: Escuta, vamos fazer o seguinte... Vamos comer alguma coisa, dar uma caminhada. Depois você, com calma, escreve para os seus pais. Sua passagem pra voltar é só para alguns dias, não vai adiantar ficar mofando no aeroporto.
SS: Eu não sei o que escrever pra eles!
LS: A verdade. Já casamos mesmo, agora o jeito é contar...

É, acho que ela tinha razão. Não ia estragar meus dias em Cancun por causa de um casamento bobo. Ok, eu sei que não era um casamento bobo e que isso ia me render castigos infinitos ou mortais, mas já que meu fim estava próximo, melhor aproveitar os dias que o antecederiam né? A única coisa que está me deixando encucado até agora é: eu consumei ou não o casamento??? E se eu consumei o que eu faço agora??? Merlin...

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