Wednesday, August 08, 2007

*.* Memórias de Miyako Hakuna *.*

Haviam se passado duas semanas desde o enterro do tio Kyle. Eram as férias de verão mais tristes e desanimadas que eu estava tendo que enfrentar. Sergei andava pela casa calado, sério. Conversava pouco e passava a maior parte do tempo sentado na sala com um porta-retrato na mão, uma fotografia dele e de tio Kyle jovens, na Academia de Aurores.

Mamãe tentava várias vezes fazê-lo sorrir e se animar com alguma coisa, mas de uns dias para cá ela o deixava mais tempo sozinho, admitindo que não havia nada a fazer além de esperar que o tempo levantasse seu humor.

Eu passei a maior parte dos dias dentro do quarto dando uma faxina, fazendo trabalhos, lendo livros e assistindo partidas inteiras de quadribol nas páginas de “Quadribol através dos tempos”, mas estava começando a ficar irritada com o tédio.
Desci para tomar café e a primeira imagem que vi foi a cabeça de Ty flutuando na lareira, entre as chamas. Dei um grito e um salto, correndo até lá e me ajoelhando para falar com ele. Apesar de ainda ter os olhos tristes, ele me deu um sorriso satisfeito quando me aproximei.

MH: Como você está?
TM: Bem. Indo... E você?
MH: Sobrevivendo às férias. Já estou com saudades de Beauxbatons, aulas, deveres... Nada melhor do que a cabeça ocupada para parar de pensar em coisas ruins. – falei virando os olhos e depois sorrindo para ele, que me encarava sério. – Vai passar, Ty. Podemos embalsamar o rato de alguém esse ano!

Ele tentou sorrir, mas o máximo que conseguiu fazer foi cruzar os lábios. A expressão séria dele estava me preocupando.

MH: O que aconteceu?
TM: Eu vim aqui para te dizer que eu tomei uma decisão.
MH: Sobre a Rory? Você pensou melhor e vai perdoar ela? Tudo bem, eu...
TM: NÃO! – e os olhos dele esconderam a tristeza e mostraram uma raiva que raras vezes eu tinha visto. Ele então percebeu que estava gritando comigo e abaixou os olhos. – Não vou perdoar ela nunca. Desculpa por ter gritado.
MH: Não tem problema. Mas se não é sobre a Rory... É sobre o que?

Ele voltou a me olhar e respirou fundo antes de falar baixo.

TM: Euvousairdebeauxbatonseestudaremdurmstrangesseano.
MH: Se você falar tudo junto e para as chamas, não vou conseguir te ouvir! – disse irritada, por que estava muito perto da lareira e sentia meu rosto esquentar. Ele riu e novamente tomou ar, antes de dizer pausadamente e com clareza.
TM: Eu-vou-sair-de-Beauxbatons-e-estudar-em-Durmstrang-esse-ano.

Foi como se alguém tivesse dado um chute nas minhas costas e minha cabeça tivesse batido sem cerimônias no chão. Senti o sangue gelar, os músculos paralisarem, a boca tremer, as mãos tremerem. Fiquei olhando para o rosto de Ty como se ele tivesse acabado de surgir ali, vindo de outro planeta, e estivesse cheio de furúnculos na cara.

MH: Você vai... o que? – perguntei gaguejando.
TM: Vou estudar em Durmstrang, esse ano. Eu...
MH: Ah sim, vai mesmo. É claro que você vai. E eu não te contei a última? Eu vou agora mesmo me dar uma descarga para sentir a sensação! – soltei uma gargalhada tensa. Estava esperando Ty gargalhar também e dizer que nunca conseguia me pregar uma peça. Ou esperando Gabriel surgir pela porta rindo e gritando ‘1º DE ABRIL’, tra-lá-lá! Mas nenhuma das duas coisas aconteceu. Minha gargalhada ecoou pela sala, e morreu. Ty continuava a me observar com atenção, sério, e preocupado. – Você está falando sério?!
TM: Estou.

Me levantei de um salto, os punhos fechados, gelados e tremendo. Andei de um lado para o outro e permanecemos em silêncio. Na verdade, estava me controlando para não nocautear a cabeça de Ty pelas chamas.

Ele pareceu notar o clima tenso e começou a tentar se explicar.

TM: É só durante esse ano, Mi... Eu preciso.
MH: Precisa? É mesmo? Nossa! Posso saber do que você precisa, Tyrone? – meu tom de voz estava alterado e frio. Ele se assustou mas respondeu.
TM: Preciso de um tempo, longe de Beauxbatons. Longe da Rory. E há uma coisa que eu tenho de fazer em Durmstrang.
MH: Blá, blá, blá. BLÁ, BLÁ, BLÁ. – gritei com raiva parando de andar e encarando ele. – Você e suas fraquezas. Sair de Beauxbatons não vai mudar o fato de que seu pai morreu, e uma hora você vai ter que aceitar!!! Você está sendo um covarde, um idiota! Fugir da Rory como se ela fosse a dona da razão!
TM: Eu... não... estou... sendo... covarde! – ele disse cada uma das palavras como se também estivesse se segurando para não sair dali e me sacudir.
MH: Ah não, é claro que não está! Que burrice a minha! Como fui pensar isso de você??? – fiz um tom irônico. Meu rosto estava queimando.
TM: Será que eu posso me explicar? Meus motivos... Preciso do seu apoio.
MH: É CLARO QUE PRECISA! É SEMPRE ASSIM. VOCÊS TOMAM ESSAS DECISÕES EGOÍSTAS, E SÓ DEPOIS APARECEM, ORELHAS BAIXAS, RABOS ENTRE AS PERNAS, FALANDO MANSO, DIZENDO O QUANTO SOU IMPORTANTE, O QUANTO PRECISAM DE MIM E DO MEU APOIO!!! NÃO PENSAM EM MIM NEM UM MINUTO ANTES DE SE DECIDIREM! ISSO É AMIZADE PARA VOCÊ??? – berrei com ódio. Ty arregalou os olhos.
TM: Calma! Me deixa falar! Por favor... Eu pensei em você!
MH: Estou percebendo! Deve ter passado noites em claro pensando em mim, realmente! Imaginando como seria me deixar sozinha em Beauxbatons, me imaginando com dois espelhos de duas vias, como se isso fosse o suficiente. Como se eu fosse passar a mão na sua cabeça e te apoiar em troca de um outro espelho! O que você pensou Ty? Que eu ia te entender? Que ia sentir pena de você por que você perdeu seu pai há poucos dias? Eu nem conheci os meus, e se mamãe não tivesse me adotado, seria órfã até hoje. Então eu conheço vocês e sinto que minha vida está realmente completa! E vocês fazem o quê? Vão embora! Me deixam!
TM: Não estou te deixando, Miyako! Você está exagerando!!! Vamos nos falar todos os dias, e vou aparecer sempre que der! Eu prometo!
MH: Não é a mesma coisa, e você sabe muito bem disso. E se quer saber, não preciso de um amigo que não pensa em mim nunca. Boa sorte em Durmstrang.

Virei as costas e caminhei em direção à escada. Ty chamou meu nome depressa. Parei olhando as chamas, com raiva.

TM: Então é isso? Você não vai me ouvir, vai ficar com raiva, e ponto? Não pensei que você fosse assim. Quem está sendo egoísta dessa vez, é você Mi. Espero que você perceba o quanto eu gosto de você e preciso de você do meu lado, agora mais do que nunca. Mas se você acha que estou sendo falso, não vou mais te incomodar.

Sem dizer mais uma única palavra, ele dissolveu nas chamas. Subi pro meu quarto chorando, chutando a porta com raiva ao passar.

°°°

Alguém bateu na porta do quarto. Enxuguei as lágrimas depressa antes de ver o rosto de Sergei aparecer, um semi-sorriso no rosto.

SM: Posso entrar?

Acenei com a cabeça e ele entrou fechando a porta em seguida. Sentou na beira da cama e me estendeu um copo de água.

SM: Mais calma? Ouvi a discussão com o Ty, mais cedo. Para falar a verdade, duvido que alguém, em um raio de 15 km, não tenha escutado.

Me senti extremamente desconfortável. Mas ele apenas riu novamente, um ar paternal, e ficou me observando.

SM: Você começaria a brigar comigo, se eu tentar te explicar o porquê da decisão do Tyrone?
MH: Não precisa explicar, eu já entendi tudo.
SM: Não vejo como pode ter entendido, se não o deixou falar...
MH: Você também é? Vai defender ele por que é homem, ou por que é seu afilhado? – disse azeda. Sergei riu.
SM: Não estou defendendo ele, estou sendo realista. O Ty estava com medo da sua reação, e hoje eu percebi que ele te conhece muito bem. Ele está indo para Durmstrang, por que acha que deve isso ao pai.
MH: Não me lembro de tio Kyle pressionar ele para se mudar de colégio. Quem dirá para Durmstrang, onde 90% dos bruxos que se formam, se tatuam com a marca negra um dia depois! Ty está indo para fugir, da Rory, das lembranças dele. Isso sim. Está sendo fraco e egoísta!
SM: Não deixo de concordar com você. Metade do que disse é verdade. Kyle não pressionava ele, nunca disse nada. Mas agora, depois de morto, Ty descobriu que algumas vontades do pai nunca tinham vindo à tona. Ele acha que deve isso. Se sente culpado pelo o que aconteceu. E realmente ele também está procurando fugir da decepção que Beauxbatons trouxe a ele. Egoísta não sei, mas quem não fica fraco quando perde alguém que ama? E a sua atitude está deixando ele cada vez mais fraco. Por que ele precisa de vocês para sacudir e animar ele. Para demonstrarem que estão ao lado dele, o apoiando.

Fiquei calada. Não sabia o que dizer. A raiva que sentia pelo Ty ainda era muito grande e latejava. Mas agora sentia uma mescla de tristeza, de conformidade, de vergonha.

MH: Não vou poder apoiar ele, pelo menos por enquanto. Preciso de um tempo para tentar aceitar isso.
SM: Já é alguma coisa. – ele sorriu se levantando. – Não deixe que uma coisa boba dessas estrague a amizade de vocês, por que só vamos dar o verdadeiro valor aos amigos, quando não podemos mais fazer nada.

Me lançou um último olhar triste e saiu do quarto. Lágrimas recomeçaram a correr pelo meu rosto descontroladamente.

°°°

Mesmo depois de duas semanas, eu ainda não sabia como iria agir quando encontrasse Ty novamente. Quando ele me enviou aquela carta tentando me fazer entender, e eu havia respondido com um belo feitiço de murchar orelhas, eu ainda não tinha conseguido controlar a raiva que sentia.

Alguns momentos eu fico conformada, e me sinto uma idiota quando lembro de tudo. Pensara só em mim, e tinha o magoado. Mas em outros momentos, eu sinto raiva. Me sinto só, triste.

Terminei de arrumar as malas. Tinha aceitado o convite de Gabriel para ir passar uns dias com ele e Londres, mal percebendo que eu era a fraca da história, fugindo e adiando meus problemas...

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