Monday, July 30, 2007

Memórias... - Parte II

Do diário de um corvinal...

Subia as escadas apressado, os braços tomados de livros que insistiam em escorregar. Em questão de minutos alcancei a escada em espiral do corredor do 5º andar. Parei em frente à parede envelhecida com a argola de bronze em forma de águia. Bati apressado com a argola na madeira e a águia se movimentou.

- Uma batida é o suficiente para me acordar, rapaz – disse a águia, com sua voz suave
- Qual é a pergunta? – respondi impaciente
- Qual era o lema de Rowena Ravenclaw?
- Fácil assim? – falei confuso, mas a águia não respondeu - Inteligência sem limites é o maior tesouro do homem
- Correto

A porta se abriu e atravessei a passagem depressa. O teto do salão comunal, sempre estrelado, hoje estava cinzento como se a qualquer instante fosse começar a chover em cima do carpete. Estava tudo deserto, a não ser por uma única pessoa sentada na poltrona ao lado da janela, lendo uma revista concentrada. Larguei-me na poltrona ao lado dela, deixando os livros caírem no chão e recuperando o fôlego.

- Por que está fugindo do seu pai outra vez, Gabriel? – Luna falou em seu habitual tom de voz baixo, sem tirar os olhos da revista
- Não estou fugindo... E de quem? – olhei para ela espantado quando ela abaixou a revista
- O seu pai, o professor Lupin – disse – Ele não é seu pai?
- Como você...?
- Vocês têm os mesmos traços. Mas acho que nem ele ou qualquer outra pessoa notou isso... Mas vocês são parecidos, eu percebi logo – quando não respondi nada, ela continuou – Ele não sabe que é seu pai, por isso você está fugindo
- Eu não estou fugindo... Eu só não quero que ele descubra, é só isso
- E por que não?
- Porque eu achava que ele tinha morrido, e minha mãe também. Meu padrinho disse que ela quase desmaiou quando leu minha carta contando que ele estava aqui, e era meu professor. Acho que se ele tiver que descobrir que tem um filho, ela é quem deve contar
- Ah ele não vai descobrir só de olhar para você. Vocês são parecidos sim, mas ele ainda não percebeu, e dificilmente irá perceber... Se eu fosse você, parava de correr e aproveitava mais a chance de estar com seu pai. O cargo é amaldiçoado, ele não estará aqui ano que vem... – ela olhou para a revista outra vez - Enorme leopardo que se desloca em silêncio e tem um hálito que causa uma doença capaz de eliminar um povoado inteiro
- Nundu? – respondi e ela rabiscou a revista
- É, encaixa... Obrigada, Gabriel!

Luna ergueu a revista outra vez e continuou a fazer a palavra-cruzada, voltando a se concentrar somente no jogo. Fiquei encarando-a por trás da revista um tempo e subi as escadas para o dormitório ainda pensando no que ela havia dito.

ººº

- Classe dispensada. Sr. Storm, pode esperar um instante? Queria falar com você

Meu pai falou sério e comecei a recolher os livros devagar, enquanto meus amigos saiam apressados da sala para chegar a tempo para a aula de Transfiguração. Ele estava abatido e eu sabia por que, pois há dois dias atrás foi noite de lua cheia. Caminhei até a mesa dele com a mochila nas costas, torcendo para poder sair depressa.

- Fiz alguma coisa errada, professor?
- Como? – ele me olhou surpreso e riu – Não, claro que não! Na verdade, estou curioso em saber por que correu quando lhe chamei na semana passada. Tive a impressão de que pode me ouvir, mas assim mesmo não parou
- Ahn... Não, eu ouvi, mas estava atrasado para a detenção e não pude parar – falei a primeira coisa que me veio à mente
- Que detenção? – ele não tinha acreditado, era obvio
- Eu esqueci de fazer um dever de poções e o professor Snape me deu uma detenção – menti outra vez. Nunca que eu ia deixar de fazer um dever
- Certo... – ele ainda não parecia acreditar, mas acho que desistiu de querer saber a verdade – Sempre o Severo, ele adora distribuir detenções por qualquer motivo
- É, ele é bem chato – alguma coisa coberta por um pano azul sacudiu violentamente atrás dele e o pano caiu, revelando um bicho parecendo um porco anão – Aquilo é um rabicurto? – perguntei espantado
- Isso mesmo – ele sorriu parecendo surpresa – Não esperava que um aluno do 1º ano reconhecesse um rabicurto, como soube que era um?
- Pelas pernas compridas e o rabo grosso e curto – ele me olhou curioso e ri – Minha mãe tem muitos livros, li todos eles antes de receber a carta de Hogwarts
- Do que os rabicurtos têm medo? – ele me olhou de lado, querendo me testar
- De cachorros brancos – respondi depressa
- É, acho que tomei a decisão certa... – ele sorriu e tirou um livro de aparência velha da gaveta – Esse livro foi meu, de quando era aluno aqui em Hogwarts, e há algumas semanas tenho observado todos os meus alunos para escolher um novo dono para ele. Não está em perfeito estado, mas é um livro que não tem na biblioteca da escola, foi de uma edição limitada e poucas pessoas conseguiram uma copia. Bem, quero que agora ele fique com você
- Não, eu não posso aceitar! – falei pegando o livro. Era mesmo um livro raro, já tinha ouvido falar dele – Ninguém mais deve ter esse livro, por que quer dar ele a um aluno?
- Não tenho mais o que aprender com esse livro, e acredite em mim, ele estará mais seguro com você. E tenho certeza absoluta que você fará bom uso dele.

Olhei para o livro e passei algumas páginas, lendo rápido. Lembrando do que a Luna tinha dito, agradeci o presente e segui para a aula de Transfiguração feliz, pois ele não fazia idéia do que aquilo significava pra mim.

ººº

Era véspera do meu aniversário de 12 anos e todos os exames haviam terminado. Ainda não tinha esquecido a cena que havia presenciado na noite anterior, quando vi meu pai se transformar em lobisomem. Tomava café na mesa da Corvinal quando o professor Snape entrou marchando no salão e parou diante da mesa da Sonserina, falando alto.

- Quero comunicá-los que a partir de agora, estarei assumindo as aulas de DCAT, pois o professor Lupin teve que pedir demissão por ser um lobisomem – virei a cabeça depressa a tempo de vê-lo fazer cara de quem deixou escapar o que não deveria, mas o sorriso cínico no rosto dele não deixava duvidas que tinha sido proposital.

Ele saiu vitorioso da mesa da Sonserina e vinha passando perto da nossa mesa, enquanto os alunos em todo o salão principal exclamavam espantados a novidade. Senti o sangue ferver quando ele passou do meu lado e não consegui me controlar.

- Ranhoso, asqueroso e idiota! – falei baixo, mas não tanto
- O que? – o professor parou atrás de mim e encarei-o. Ele olhou direto nos meus olhos e um sorriso debochado brotou na cara dele – Merlin... Não sabia que eles procriavam... Ele sabe? Imagino que não...
- Não é da sua conta – respondi quase sem abrir a boca, ainda o encarando
- Minha sala, agora, Sr. Storm

Levantei da mesa e sai andando pelo salão principal, deixando-o parado na mesa da Corvinal. Ele ainda gritou ordenando que eu parasse, mas apertei o passo e corri em direção à sala de DCAT, torcendo que ele ainda estivesse na escola. Abri a porta do escritório sem cerimônias e vi uma mala caindo quando ele se assustou com a entrada repentina.

- Eles estão bem, não estão? – foi a primeira coisa que pensei
- Eles quem? Você me deu um susto!
- Os três garotos que estavam ontem com você, quando você... se transformou em lobisomem. Você não os mordeu, mordeu?

Ele me encarou perplexo. Aparentemente ainda não sabia que o professor Snape tinha contado para a escola inteira, e muito menos que um aluno havia presenciado a transformação da noite anterior.

- Como você sabe disso?
- O professor Snape acabou de anunciar no salão principal que você se demitiu, e disse o porque. Mas eu já sabia, estava tudo no livro que me deu – falei num fôlego só, e embora parte fosse mentira, ele pareceu acreditar
- Eles estão bem, não ataquei ninguém ontem a noite
- Então porque pediu demissão?
- Porque eu quase ataquei três alunos ontem, pus a vida deles em risco, e se você estava no jardim ontem, a sua também. Os pais vão enlouquecer quando souberem que sou um lobisomem, se Severo já espalhou a noticia. Pedi demissão a tempo.
- Mas... Eu... Você não pode ir embora! Ninguém liga pra isso, você é o melhor professor da escola!
- Sinto muito, mas não posso ficar. Dumbledore seria forçado a me mandar embora, então saio antes e poupo o diretor de ter que fazer isso.

Ia contestar mais uma vez, mas uma voz fria invadiu a sala e vi o professor Snape parado na porta me encarando parecendo muito irritado.

- Pensei ter dito para ir até minha sala, Storm
- Não ouvi, professor
- Então dessa vez ouviu. Acompanhe-me – ele abriu caminho para que eu passasse e sai sem olhar para trás.

ººº

Passei toda a manha limpando os caldeirões dos exames de todas as turmas sem magia, e quando o professor Snape me liberou já passava do meio dia. Minhas esperanças de que meu pai ainda estivesse na escola evaporaram, mas me surpreendi em esbarrar com ele no saguão de entrada. Ele carregava uma mala em uma das mãos e um tanque vazio na outra e sorriu quando me viu.

- Severo prendeu você a manha inteira? O que fez para irritá-lo?
- Chamei-o de ranhoso, asqueroso e idiota, por ter contado à escola inteira a sua condição – ele riu
- Você não vai querer ter Severo como inimigo, Gabriel, acredite em mim
- Ele é um imbecil rancoroso, não me importo que ele pegue no meu pé
- Só não deixe que ele se acostume em lhe perseguir
- Não vou deixar – olhei para a mala na mão dele e caminhava ao lado dele olhando para o gramado – Vai embora mesmo, então?
- Sim, não posso mais ficar – ele parou antes de atravessar o portão da escola e estendeu a mão para mim – Lamento não poder continuar, mas não tenho escolha. Cuide bem do livro, e não deixe que Severo lhe dê detenções à toa, dê sempre um bom motivo para elas – ele sorriu e atravessou o portão

Fiquei parado por muito tempo, sentado na grama, olhando para onde ele havia desaparecido. Senti uma mão apoiada no meu ombro e olhei para cima, para ver o vulto da Luna parada ao meu lado, sorrindo.

- O cargo é amaldiçoado... – olhei para ela sério - Não fica chateado, você vai vê-lo outra vez
- Queria ter essa certeza toda que você tem, Luna
- Mas ele não é seu pai? Sua mãe vai ter que contar a verdade a ele mais cedo ou mais tarde
- É, tem razão... Mas não queria que ele fosse embora. Era a primeira vez em 12 anos que passaria meu aniversario perto do meu pai, e ele vai embora um dia antes...
- Gina está com os elfos na cozinha, eles estão preparando um bolo de chocolate porque é o seu preferido, mas você vai ter que se animar, senão a festa amanha vai ser tão animada quanto o aniversário do fantasma da Grifinória. Lembra que horrível que foi, quando a Lady Gray nos levou lá esse ano?
- Sim, lembro – falei rindo um pouco. A festa fora mesmo horrorosa – Um velório é mais animado
- Mas eles estão todos mortos, deveria mesmo ser deprimente, não?
- Suponho que sim
- Pronto, agora você está rindo, bem melhor – ela sorriu – Você parecia ter sido mordido por um burglarious! Vamos entrar?

Balancei a cabeça rindo e refizemos o caminho de volta ao castelo, voltando para o salão comunal da Corvinal para descansar dos exames e aproveitar que o castelo estava vazio já que as turmas mais velhas estavam em Hogsmeade. Não queria que ele fosse embora, mas ela tinha razão, aquela não era a ultima vez que o veria.

- Luna... – chamei-a rindo quando já estávamos no saguão de entrada – Que diabos são burglarious??

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