Wednesday, October 18, 2006

Tudo pela arte

Das lembranças de Ian Lucas Renoir Lafayette

- Não foi culpa sua...

Eu estava sentado no gramado de um cemitério. Era dia, o céu ainda estava claro. Eu encarava uma lápide enquanto chorava, tinha os olhos vermelhos. Alguém mantinha a mão em meu ombro, repetindo sempre a mesma coisa.

- Não foi culpa sua...
- Sim, foi! Eu vi e não fiz nada, podia ter impedido!
- Não havia nada que você pudesse fazer Ian...

- LUKE acorda! Vamos nos atrasar!

Saltei da cama assustado. Meu lençol estava todo embolado no meu pé e minha camisa colada no corpo, de suor. Bernard estava parado na minha frente já arrumado, me encarando.

- Outro sonho?
- Não, o mesmo sonho...
- Como assim?
- Sonhei com a mesma coisa. Lembra aquele que te contei semana passada? Então, sonhei com ele de novo, exatamente igual!
- Não conseguiu então ver o nome na lápide e de quem era a mão?
- Não, não reconheço a voz e não consegui ver quem havia sido enterrado. Bê, eu estou ficando louco!
- Você não ta ficando maluco, isso é efeito daquele feitiço, seu avô já explicou. Quando ele vem até a escola mesmo?
- Só mês que vem.
- Então só resta esperar... Vamos embora ou nos atrasamos para a aula.

Arrumei-me para a aula e depois de algum tempo descemos juntos para o café, ainda discutindo o sonho pelos corredores. Não conseguia entender porque tinha aqueles sonhos. Vovô já havia me explicado que era um efeito colateral do feitiço, que não poderia fazer nada para reverter isso, mas não compreendia o sentido deles. Bernard e ele diziam que eu não poderia mudar o rumo das coisas, mesmo sabendo delas. Mas se eu não poderia mudar, qual a vantagem de sabe-las antes de todo mundo?

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- Sei que estou fugindo um pouco do contexto de nossas aulas, mas sou um pouco fascinada por esse assunto e gostaria que vocês se interessassem também. Quem ainda não pegou a roupa, por favor, se apressem ou não irá sobrar nada!
- Com licença professora, mas... Eu não vou vestir isso! – Samuel exclamou ao meu lado, fazendo careta ao receber o figurino dela.
- Nem eu! Não vou vestir essa saia de alumínio! – o apoiei
- Isso não é uma saia meninos, os homens da Grécia e Roma antiga usavam! Mas não precisam vestir, só mesmo quem é muito seguro de si pode usar sem problemas... - e a turma inteira começou a rir e assobiar
- Passa essa saia pra cá! – puxei a saia da mão dela e voltei para o fundo da sala indignado.

A turma inteira já estava caracterizada, iríamos simular a Guerra de Tróia e eu fazia parte dos gregos, deveria representar Aquiles. Samuel era um troiano, Páris, e estava visivelmente contrariado por usar aquele manto que mais parecia um lençol enrolado no corpo. Marie iria representar Helena de Tróia, Dominique seria Menelau e Viera Heitor. Vesti aquela roupa a contragosto e nos amontoamos na frente da sala, onde a professora já organizava o resto do ‘elenco’.

Nunca fui fã de teatro, sempre preferi o lado do espectador, mas também não vou dizer que não me diverti. Ninguém ali sabia atuar, o que tornou tudo muitíssimo engraçado. Dominique sacudia Marie com tanta violência que ela já estava gritando de verdade, implorando que Samuel se apressasse no resgate. O cavalo de Tróia foi representado por vários alunos embolados, na tentativa de formar um, que depois se espalharam pela sala aos gritos, atacando todo mundo. Samuel e eu ainda conseguimos reunir força em meio aos risos para encenar um verdadeiro drama quando Páris acerta uma flecha no calcanhar de Aquiles. Samuel atirou uma pena no meu pé e eu me joguei no chão, demorando um bom tempo para apagar. A turma inteira já estava rindo e Samuel agarrou a gola da minha camisa, me sacudindo e gritando para que eu partisse logo para o além.

A professora encerrou a simulação rindo bastante e dizendo que tinha adorado. Já arrumávamos as coisas para sair quando ela pediu que esperássemos mais uns minutos, pois madame Maxime queria falar com a turma. A diretora entrou em seguida e todos se sentaram outra vez.

- Bom tarde classe! Não vou demorar, mas antes de vocês voltarem aos seus dormitórios, preciso dar um aviso. Todos vocês já sabem que no 7° ano, exigimos que os alunos tenham créditos concebidos com atividades extracurriculares para que sejam aprovados nos NIEMs e como o quadribol não está mais incluído nessa lista de atividades – e os alunos que jogavam quadribol começaram a protestar – Sim, o quadribol agora é considerado apenas lazer! Como dizia, por não termos mais esse item nas opções, novas atividades foram incluídas. Fazem parte das atividades que dão créditos o clube de astrologia, Grêmio da escola, as nossas já cobiçadas aulas de esgrima, o clube de poções...
- Nerds... – Samuel e eu falamos ao mesmo tempo
- E foram incluídas duas novidades: o jornal da escola que está sendo desenvolvido pelo grêmio e aulas de teatro.

A sala se encheu com o som dos cochichos ao ouvirem que agora teríamos um jornal e aulas de teatro. A professora parecia satisfeita na frente da sala e suspeitei que tivesse o dedo dela nessa ultima atividade. Madame Maxime pediu silencio e nos calamos.

- Acho que não é preciso lembra-los que todos são obrigados a fazer parte de alguma das atividades, correto? Espero que vocês comecem a pensar já de agora o que pretendem fazer. Aos interessados na aula de teatro, as inscrições vão até quinta-feira, pois na sexta, depois das aulas do dia, teremos nossa primeira reunião. A professora Elizabeth estará à frente da turma de teatro, juntamente com um outro professor que os interessados conheceram na sexta-feira. Quem quiser se juntar ao projeto basta procurar a professora aqui, vocês têm dois dias! Classe dispensada!

Michel, Marie e Bernard já diziam que iriam se inscrever e Viera e Manuela os apoiavam, deixando os nomes com a professora. Eu estava considerando a idéia de me juntar às aulas de esgrima novamente, mas elas eram muito cansativas e eu sou preguiçoso. Samuel parecia compartilhar desse pensamento comigo, quando a professora nos parou na porta da sala.

- Espero que vocês estejam considerando a idéia de se juntarem à turma de teatro!
- Ahn, bem... Não sei se é uma boa idéia! – Samuel falou sem jeito
- Mas vocês foram tão bem hoje... Pensam em se juntar a qual atividade então?
- O jornal? – falei incerto.
- Não, muito trabalho, tem que pensar pra escrever... Esgrima?
- Não, muito cansativo e o professor é casca grossa! Clube de astrologia? – e demos uma gargalhada, descartando a idéia.
- Pois então entrem para a minha aula! Vocês vão adorar, tenho certeza. Vou colocar seus nomes na lista, não aceito desculpas, espero os dois sexta-feira aqui!

Ela puxou o pergaminho e anotou nossos nomes, sorridente, e ficamos os dois com caras de idiota sem responder, apenas sorrindo sem graça. Como íamos dizer não para uma professora linda como aquela? Ai Merlin, olha no que fomos nos meter agora...