Por Michel Ducassse
Final do campeonato de quadribol, Sapientai x Nox – 9hs
Estava sentado na mesa da Sapientai, pronto para torcer pela casa do meu primo. Ian estava ao meu lado, enrolado em uma enorme bandeira azul e amarela e, como muitos da casa, tinha o rosto pintado. Eu estava empolgado também, mesmo sem pertencer à Sapientai e ainda com os pensamentos na minha casa em Hogwarts, a Corvinal. Afinal, era um torcedor fanático de quadribol e jogo é jogo, não importam quais sejam os times, a adrenalina era sempre a mesma.
Enquanto observava a movimentação no Grande Salão, não podia deixar de perceber que algumas mudanças pouco perceptíveis já se manifestavam em mim: andava perdendo o apetite, havia emagrecido uns 2 quilos, se é que era possível ficar mais magro do que já era, e estava com umas olheiras horríveis, me deixando sempre uma aparência cansada. Essa manha amanheceu um pouco pior e Marie tentou, sem sucesso obviamente, passar um pó suspeito no meu rosto. Minha preocupação no momento era manter certa distancia dela e sua bolsa ameaçadora.
Logo a massa de estudantes se encaminhou para o campo de quadribol e acompanhei o fluxo. Sentia-me fraco, entendia perfeitamente que faltavam pouco menos de dois dias para a lua cheia e teria minha primeira transformação nela. E apesar de estar até o momento levando isso numa boa, ou ao menos tentando transmitir isso, a idéia agora começava a me apavorar. Estava pulando na arquibancada ao lado de Ian e Bernard, vibrando com um gol da Sapientai, quando senti minha cabeça pesada. Passei a mão nela, me escorando com a outra na barra de ferro a minha frente, quando percebi que estava completamente sem forças. Não me lembro de nada, apenas de ver um borrão marrom passar zunindo na minha direção, seguida da figura distorcida de Dominique usando o uniforme da Nox. Acordei não sei quanto tempo depois na enfermaria, Ian sentado ao meu lado ainda enrolado na bandeira e com os olhos vermelhos que denunciavam que andara chorando.
Uma atarefada enfermeira me comunicou que eu havia desmaiado, pois claramente não estava me alimentando direito. Ela, como madame Maxime, Gerard e o professor de Zoologia, sabia de minha condição. Afinal, alguém teria que preparar a poção mata-cão sem desencadear uma serie de perguntas. Ian contou o que aconteceu no resto do jogo e logo entendi o porquê de seu rosto vermelho: Sapientai havia perdido a partida...
Passei o resto do sábado na enfermaria, fui proibido de sair. Durante todo o dia recebi visitas de meus amigos trazendo chocolates e revistas para matar o tempo, mas as conversas sempre terminavam na final do quadribol, com Samuel e Dominique se vangloriando, para desespero de Ian e Bernard. Fui liberado na manha de domingo, com ordens de descasar. Ora, como se isso fosse possível... A cada minuto, a lua cheia estava mais próxima...
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Noite de lua cheia, 18hs.
Estava sentado numa poltrona macia, olhando o cair da noite pela janela. Encontrava-me naquele momento em uma cabana aconchegante no coração da floresta. A cabana era propriedade da escola e usada pelo zelador para suas caçadas. O que ele caçava de fato, eu não sabia. E também, naquele momento, pouco me importava. Senti um feixe de luz invadir a cabana pelo pequeno pedaço que a cortina não cobria e de repente senti como se facas estivessem sendo cravadas no meu corpo. Uma dor que nunca senti antes. Minha ultima recordação ainda na forma humana era de estar encolhido no chão, enquanto a imagem da lua cheia agora era vista por inteiro por mim, antes de me transformar por completo.
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Acordei com o barulho de vozes ao meu redor, mas não abri os olhos. Talvez porque não tive força para tal ato. Reconheci alguma das vozes: meu primo, a diretora e a enfermeira. Havia algumas outras, mas essas se misturavam com as outras três e não conseguia distinguir. Abri os olhos devagar, me sentindo incomodado com a claridade. Meu corpo inteiro estava dolorido, a sensação era de que tinha levado uma surra e desmaiado em meio às pancadas. Ian logo percebeu que eu já não dormia mais e alertou aos demais, correndo para o lado.
IL: Sente-se bem??
MD: Meu corpo dói... – falei ainda fraco.
- Afaste-se monsieur Lafayette, deixe-me cuidar de monsieur Ducasse! – madame Magali falou apressada, enxotando meu primo de perto da cama.
Não conseguia ver, pois não tinha forças para levantar, mas sentia que meu corpo tinha varias feridas. Fiquei observando a enfermeira retirar bandagens de todas elas enquanto em minha mente, imagens horríveis vinham à tona. Embora não me lembrasse delas claramente, sabia que faziam parte de mim, de minha metade lobo agora. Imagens de arvores passando rápido enquanto eu corria por entre elas, pequenos animais se tornando minhas presas e a lua, imponente no céu escuro, enquanto uivos ecoavam pela floresta.
Voltei ao presente quando senti um cálice fumegante ser empurrado contra minha boca e seu liquido descer queimando pela minha garganta. A enfermeira havia terminado seu trabalho por hora e ordenando que permanecesse deitado, voltou para sua salinha, me deixando a sós com a diretora e meus amigos, que agora estavam sentados em uma cama do outro lado da enfermaria, mudos.
Madame Maxime perguntou como estava me sentindo e como havia sido a primeira transformação. Apesar de fazer um enorme esforço para esquecer, entendia perfeitamente que ela estava se certificando de que realmente não apresentasse riscos aos alunos. Quando ela se retirou, Ian e os demais colaram ao meu lado, se amontoando no espaço que sobrava da cama. Pelas expressões em seus rostos, podia dizer que estavam morrendo de curiosidade para saber como era a sensação de se transformar involuntariamente em um lobisomem. Mas para meu alivio, logo deram inicio a outros assuntos que passassem longe desse. Não que eu não vá contar a eles, mas pelo menos por algumas horas, prefiria não reviver a noite anterior...
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