31 de agosto de 1958
- Todos vocês, fechem os olhos. Respirem fundo, de modo que sintam o ar inchando os pulmões e contraindo o diafragma, e depois o soltem pelo nariz e pela boca, lentamente... Relaxem.
- Me desculpe o incômodo, – Derek cochichou no meu ouvido, ao meu lado direito – mas porque mesmo nós estamos aqui?
Ri e abri os olhos, encarando o teto branco, acima de mim. Vincenzo Andreatta, o pai de Yanic, e também o empresário da “Le Bonnet-Blue” (nossa banda), havia nos convocado para uma reunião antes de embarcarmos para Beauxbatons, no dia seguinte. Porém, aquela era a reunião mais excêntrica que tinha participado, até então... Ele nos levara até o apartamento de um amigo dele, Jean Carlos Lumiére, um diretor de peças de teatro e filmes de curta-metragem. Assim que chegamos, ele pediu que deitássemos no chão em forma de círculo, de maneira que nossas cabeças se encostassem ao centro. Ao meu lado direito, estava Derek. Ao meu esquerdo, Noah.
- Vincenzo disse que precisamos melhorar nossas performances no palco. Temos que ficar mais soltos, descontraídos... Nas palavras dele “nós temos música, nos falta estilo”. – respondi aos sussurros e Derek girou os olhos.
- Ele é nosso empresário ou personal stylist? Nós temos estilo! Só não somos tão “soltos” quanto o Elvis, mas se estiverem esperando que eu rebole no palco, me desculpem, mas estou pedindo demissão agora. – sufoquei a risada ao perceber que Lumiére estava vindo em nossa direção. Apesar de não estar olhando para nós, no chão, e sim para um ponto fixo no horizonte da sala, enquanto falava, decidi fechar os olhos novamente.
- Agora, quero que todos vocês se dêem as mãos. – Senti a mão de Noah esquentando a minha mão esquerda e meu coração acelerou. Derek puxou a outra. – O que tem que estar bem claro para vocês, é que vocês são mais que uma banda. São um time, um grupo. Vocês são mais que colegas de shows, são amigos. Uma família. Não devem hesitar críticas e nem pouparem elogios. Devem manter o equilíbrio, o bem-estar, a boa convivência. Qualquer decisão, difícil ou não, deve ser tomada pelo grupo e não por um só, ou alguns.
- Blá blá blá – escutei Derek cochichar entediado, mas não ri. Senti a mão de Noah apertar a minha um pouco mais forte e percebi o quanto aquilo era importante pra ele. Secretamente pensava se no novo ano em Beauxbatons eu teria coragem de contá-lo, finalmente, que gostava dele desde quando éramos crianças...
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1º de setembro de 1958
- Você é um tronquilho ou uma pessoa? – Flora perguntou indignada, depois de atualizá-la sobre minhas férias e todas as novas oportunidades que tive para falar com Noah, que desperdicei.
- As coisas não são tão simples quanto você as faz parecer, Flora. Nós somos amigos de infância e eu tenho certeza de que ele espera que continuemos sendo somente isso. Não posso simplesmente me declarar, do nada. Isso pode acabar com a nossa amizade, com a banda... – respondi me defendendo, mas ela fechou ainda mais a cara.
- Resumindo: você não vai dizer nunca, não é? Sempre vai ter a desculpa de que está com medo de estragar a amizade de vocês, ou prejudicar a banda, ou sei lá quais outros tantos motivos. Só digo uma coisa: se qualquer dia desses alguma menina for mais rápida e ele começar a namorar, se apaixonar por outra pessoa, não venha reclamando pra mim, ok?
Senti um aperto no peito só de pensar na possibilidade. Já tinha visto Noah sair com várias meninas, mas nunca se mostrava empolgado com uma delas. De qualquer maneira, Flora estava certa. Eu precisava tomar uma atitude, antes que fosse tarde demais. Eu realmente não podia esperar e desejar que Noah me olhasse de uma maneira diferente, de um dia para o outro.
Abri a boca para responder, mas fechei logo em seguida. Ela também não disse mais nada. Estava tão mergulhada no silêncio do Salão Comunal que nem percebi Leonard entrando e se aproximando de nós.
- Joplin, Vincenzo quer fazer MAIS uma reunião com toda a banda antes de tocarmos. Vamos? - perguntou parando ao meu lado e só depois reparando Flora, à minha frente. – Como vai, Flora?
- Bem. E você? Como foram as férias? – ela respondeu corando levemente e prendi uma risada.
- Pacatas o suficiente. – ele respondeu sem entender o porquê do meu divertimento repentino. – Acabo de cruzar com a professora Cecile. Ela disse que vai reunir todos do jornal na semana que vem, para fazermos um balanço do ano passado e estabelecermos as áreas de cada um, nesse ano. Vocês ainda vão participar, não é?
- Sim, claro! Só espero que me coloquem em uma tarefa diferente nesse ano... Assistir todas as partidas de quadribol do ano passado foi uma tortura. – ela respondeu agitada e rimos.
- Eu também vou continuar no jornal e se possível, entrar para a rádio. Preciso ocupar meu tempo e minha cabeça. – respondi e Leonard pareceu curioso, mas fui mais rápida, me levantando. – Vamos então. Vincenzo fica louco quando nos atrasamos para as reuniões e ele tem que atrasar o show. Você vai nos assistir, Flora?
- Claro. Será que a seleção dos primeiranistas já acabou?
- Não sei. Quando vim, ainda tinham uns quinze na porta da diretoria, esperando para “conversarem com as fadas”. – Leonard respondeu entediado, Flora riu.
Alguns minutos depois, enquanto ele fora até o seu dormitório para pegar a guitarra, encarei Flora, rindo abertamente.
- Você é um tronquilho ou uma pessoa? – repeti a pergunta e ela pareceu ficar brava. – Você também está no mesmo barco. Porque não diz pro Leonard que gosta dele, de uma vez por todas? Vocês fariam um belo casal.
Ela não respondeu, pois Leonard já descia as escadas de volta. Pisquei para ela, que continuou com a cara fechada, e o acompanhei para fora do Salão Comunal.
Assim que saíram, Flora resmungou mal-humorada: “não digo nada a ele, porque ele gosta de você e só você não percebe isso!”
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O show de abertura do ano letivo havia sido um sucesso na opinião de Noah.
Quando terminaram a última música e agradeceram ao público de centenas de estudantes que os aplaudiam empolgados, viu Derek descer do palco acompanhado de mais duas ou três garotas. Leonard estava conversando com Vincenzo sobre alguns detalhes técnicos que tinham de ser melhorados. Ele decidiu começar a desmontar sua bateria, cuidadosamente. Estava limpando os pratos, quando uma garota chamou sua atenção. A conhecia de vista e por nome como Penélope Champollion, e era amiga de Yanic e Jude. Seus cabelos loiros caídos sobre os ombros e os olhos eram de um verde intenso com um brilho fraco, profundo. Ele a observava conversar com os dois, como se estivesse hipnotizado pelo mistério que aquela menina carregava consigo.
Ela, por sua vez, pareceu ter percebido que estava sendo observada, e quando olhou rapidamente na direção dele e seus olhos se encontraram por breves segundos (antes que ele os desviasse novamente para os pratos, em suas mãos) alguma coisa naquela garota fez despertar em Noah uma vontade de descobrir mais sobre ela.
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