Desde que meus pais morreram as noites de natal era diferentes do que meus irmãos e eu estávamos acostumados. Não havia mais as festas, as comemorações com a casa cheia e nem uma árvore repleta de presentes. Agora que não tínhamos mais a presença deles, vovô preparava a ceia e comemorávamos apenas nós quatro, sem muita bagunça. E acabei descobrindo que não precisava de uma casa cheia e uma árvore recheada para passar uma noite de natal feliz. Mesmo com dificuldade, vovô fazia de tudo para que a noite fosse especial. Mas o que eu não sabia era que um simples gesto de outras pessoas podia transformar a nossa noite e deixá-la ainda mais especial.
- Frédéric, se deixar cair calda na roupa, vai ter que lavar – vovô brigou com meu irmão, que cortava a sobremesa sem delicadeza
- Mais fácil ele tirar nota alta na escola do que não se sujar comendo – Tomás provocou – Fred é um lambão.
- Ah é? – Frédéric parou o garfo no ar e se virou para Tomás – E se a torta voadora acertar você? Também vira um lambão? Vai estar sujo...
- A torta voadora não vai acertar ninguém! – vovô falou em tom de aviso e eles sossegaram – Se a torta voar, ninguém ganha presente! Vou mandar o Papai Noel levar tudo de volta!
- Presentes? – falamos os três ao mesmo tempo, mas só meus irmãos sorriam
- Sim, presentes! – vovô falou animado – Estão na arvora esperando vocês desde cedo, vão abrir!
Tomás e Frédéric levantaram das cadeiras depressa e Frédéric quase derrubou a sua. Saíram desabalados em direção a sala e da cozinha podia ouvir os dois rasgando os embrulhos. Olhei para o vovô ainda séria, mas ele continuava sorrindo.
- O que está esperando para abrir o seu? – disse fazendo menção de se levantar, mas não o fez quando viu que não me mexia
- Vovô, você não devia ter comprado nada – disse impaciente – Não podemos gastar o dinheiro com essas coisas! Já fez muito em promover um ceia farta desse jeito esse ano!
- Danielle, já falei que você não deve se preocupar com essas coisas! – vovô brigou comigo – Sua única preocupação deve ser estudar, tirar boas notas e se formar. Do resto cuido eu!
- Mas se ao menos me deixasse ajudar! – insisti – Já falei que não me importo em trabalhar!
- Não! Já disse para esquecer essa história! Não quero nada atrapalhando seus estudos. Terá tempo de sobra para trabalhar quando se formar. Não cresça mais do que já cresceu antes da hora, minha querida – vovô sorriu de novo e se levantou, beijando minha testa – Hoje é natal, aproveite a noite e venha abrir seu presente.
Ele me deixou sozinha na cozinha e acabei me dando por vencida, indo atrás dele. Meus irmãos estavam sentados no chão em frente a nossa árvore e levei um susto. Não tinha apenas, mas muitos presentes! Tomás e Frédéric tinham papel colorido até no cabelo e não sabiam qual embrulho rasgavam primeiro. Olhei espantada para o vovô, mas ele parecia tão surpreso quanto eu.
- Dani, tem um monte de presentes pra você também! – Tomás pegou um dos pacotes com o meu nome e me entregou – Ganhamos um monte de coisas legais!
- Dani, olha isso! – Frédéric segurava uma goles novinha na mão – Minha própria goles!
- Vovô, de onde veio isso tudo? – perguntei ainda assustada, segurando minha caixa ainda embrulhada
- Eu acho que foi o Papai Noel – vovô respondeu e piscou pra mim quando fiz uma cara incrédula – Ah, Tomás, você ganhou um aeromodelo! E Frédéric um trem! Vamos lá fora testar?
Meus irmãos logo se animaram e saíram com meu avô para testar com os brinquedos que ganharam, mesmo com toda a neve que caia. Olhei para a caixa na minha mão e abri. Era um kit de botânica que estava de olho há meses, mas não me lembrava de ter comentado meu desejo em comprá-lo com ninguém além da Olívia. Achei aquilo estranho e quando ia pegar mais um pacote, ouvi um barulho nos fundos da casa. Deixei a caixa no sofá e já encaixando as peças, corri atrás do “Papai Noel”.
- Algumas pessoas chamam isso de invasão de privacidade, sabia? – falei abrindo a porta dos fundos e assustei Andreas, que estava prestes a pular o muro
- Ah, droga, eles nunca mais vão me deixar fazer isso – ele resmungou derrotado e veio ao meu encontro – Alguma chance de fingir que não me viu?
- De onde veio tudo aquilo? – fui direto ao assunto quando vi que ele tinha um saco vermelho preso no cinto
- Nos juntamos para comprar alguns presentes – ele deu de ombros, parecendo sem graça por ter sido pego – Eugene e Remy também mandaram coisas pros seus irmãos.
- Sabem que não gosto quando fazem isso, não é? – falei também um pouco sem graça – Caridade.
- Não é caridade, Dani. É amizade – Andreas não parecia mais constrangido e me encarou sério – Gostamos muito de você e não queríamos que passassem o natal sem ganhar nada. Tudo bem, eu sei que exageramos um pouco, mas seus irmãos só têm 10 anos! Eles não têm que passar o natal sem nada.
- Vocês são os melhores amigos do mundo – sorri para ele e o abracei
- A gente faz o que pode... – disse me dando um beijo no rosto e ri – Kalani também participou! Vai saber qual é o presente dele quando abrir.
- Obrigada. E pode deixar que não vou contar a eles que o peguei no flagra.
- Valeu. Era para o Marcel vir, já que é o único com permissão para aparatar, mas ele deixou o Remy cair da vassoura e o pai deles estava furioso.
- Ele está bem? – perguntei preocupada, sabia que Remy não podia se dar ao luxo de se machucar como uma criança normal
- Está tudo bem sim, só machucou o pulso. Mas Marcel ficou com a consciência pesada e achou melhor ficar com ele. Bom, tenho que ir. Fiquei mesmo para ver seus irmãos descobrindo os presentes e olha no que deu... – ele riu e me abraçou de novo – Feliz natal, Dani.
- Feliz natal, Andy. Até dia 31.
Ele se afastou sorrindo e subiu no muro, saltando para o lado de fora depressa. Quando virei para entrar em casa, vovô estava parado na porta da cozinha, me observando. Ele caminhou até onde eu estava e enrolou um cachecol no meu pescoço desprotegido.
- Há quanto tempo está ai?
- Tempo suficiente – ele sorriu e me abraçou – Você tem ótimos amigos, Danielle.
- É... Eles são os melhores – deitei a cabeça no ombro dele, suspirando – Ainda não acredito que fizeram isso.
- Então venha comigo, sei o que vai ajudar a acreditar.
Vovô me guiou para dentro de casa outra vez e saímos pela sala, para o quintal da frente. Tomás montava uma réplica de um avião e Frédéric colocava um trem elétrico para funcionar sobre os trilhos, ambos sorrindo de um jeito que não via desde que nossos pais morreram. Olhei para o vovô e ele sorria também, feliz por ver meus irmãos daquele jeito. Acho que meus amigos não faziam idéia de que fariam desse o melhor natal da nossa família.
Here we are as in olden days,
Happy golden days of yore.
Faithful friends who are dear to us
Gather near to us once more.
Through the years
We all will be together,
If the fates allow
Hang a shining star
upon the highest bough.
And have yourself
A merry little Christmas now
Have Yourself a Merry Little Christmas - Hugh Martin & Ralph Blane
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