Das lembranças de Ian Lucas Renoir Lafayette
- Por que ainda não está pronto??
Ergui a cabeça e encarei Bernard, mas tornei a abaixá-la sem lhe responder. Ele já estava vestido para a colação de grau, usava uma beca azul que ia até os pés e segurava o chapéu de feiticeiro na mão. Hoje era o dia da nossa formatura e pela hora, nossos pais já estavam acomodados nos jardins aguardando madame Maxime entrar com a turma do 7º ano e dar início a cerimônia. Mas se tinha um único lugar no mundo naquele momento onde não queria estar, era no jardim da escola.
- Ian, a colação de grau começa em meia hora, já estão todos prontos no saguão e estão perguntando por você!
- Diga a eles que não vou descer – falei tão baixo que se ele não estivesse esperando uma resposta, não teria ouvido – Mas vá logo, você não vai querer perder sua formatura.
- Que papo é esse de que não vai? – ele colocou o chapéu na cama e sentou ao meu lado
- Desculpa Bê, mas não estou com animo para comemorar nada, quando não se tem o que comemorar.
- Luke, todos nós estamos abalados e tristes com a morte do Michel, ninguém se recuperou ainda e sei que para você a dor é pior, pois ele era seu primo. Mas não há nada que possa fazer, ficar aqui e se recusar a sair não é a solução de nada.
- Eu sei que não é a solução, mas não sinto vontade de sair.
- E a Marie? Ela vai ficar chateada se você não for...
- Que se dane a Marie! – explodi – Estou pouco me lixando se ela vai ficar chateada!
- Sei que está dizendo isso da boca pra fora, e que se importa sim com o que ela sente – Bernard falou calmo – Está agindo como uma criança.
- Vá embora, Bernard! Não estou com vontade de ouvir sermão!
- Acha mesmo que era isso que Michel queria? – ele me ignorou e continuou falando – Ele estaria lhe chamando de criança mimada, diria que essa sua atitude é patética!
- Pare de falar do Michel, estou lhe avisando...
- Senão vai fazer o que? Bater o pé? – Bernard levantou a voz e olhei para ele assustado – Tire o traseiro dessa cama agora, pois seu primo não ia querer que você perdesse sua própria formatura por causa dele! A vida continua, Luke. Está na hora de começar a encarar isso, e seguir em frente. Estamos nos formando hoje, amanhã vamos embora e não voltaremos a Beauxbatons. Cada um, a partir de amanhã, segue seu próprio caminho e talvez muitos deles não se cruzem mais. Não desperdice a ultima chance que tem de estar com todos os amigos que fez em sete anos aqui, por causa de algo que não pode mudar.
Bernard pegou o chapéu na cama e me encarou uma ultima vez antes de desaparecer pela porta do dormitório. Levantei da cama e fui até a janela. Do nosso dormitório se tinha a melhor visão dos jardins, e pude ver muitas cadeiras arrumadas no gramado, todas elas ocupadas pelos pais dos alunos. Meus pais estavam sentados bem ao centro delas, junto com vovô, Sophie e os pais de Michel. Surpreso por ver tio Edmond e tia Eva entre os presentes, fechei a janela outra vez e caminhei até o armário, tirando a beca do cabide.
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- Não tenho certeza se o Ian vai aparecer, ele ainda está muito abalado e...
- Economize as palavras para o juramento, Sr. Juramentista – cheguei ofegante na fila e Bernard sorriu – Já estou aqui!
- Que bom que mudou de idéia – ele falou sem esconder que estava feliz
- Michel ficaria revoltado comigo se perdesse minha própria formatura – disse terminando de fechar a beca – Ele diria: muito bem, jogue a culpa no morto, ele não pode se defender! – e todos riram
- Muito bem crianças, está na hora! – madame Maxime se aproximou sorridente e batendo palmas – Vamos!
Ouvimos a voz do vice-diretor no microfone nos chamando, e ela logo foi substituída pelos aplausos dos pais e dos alunos convidados para assistir à cerimônia. Maxime puxou a fila e a seguimos, saindo para os jardins devidamente decorados para a entrega dos diplomas. As 2 primeiras fileiras estavam reservadas para que sentássemos nelas e também pudéssemos assistir a tudo. Sentei entre Marie e Bernard, e ele logo foi chamado ao palco. Bernard era o juramentista da nossa turma.
Todos ficamos de pé para o juramento e ele permaneceu no palco quando Viera foi chamado para fazer o discurso como orador mais votado do 7º ano. Sentamos outra vez para ouvir o que ele tinha a dizer, que pela sua cara, não seria nada sério. Viera bateu no microfone 3 vezes e desamassou o pergaminho com o discurso pelo menos 5 vezes antes de pigarrear uma única vez e encarar as pessoas presentes.
‘Senhoras e senhores, boa noite. Em primeiro lugar gostaria de agradecer a presença de todos, ou melhor, gostaria de agradecer vosso sacrifício. Sabemos que a cerimônia de colação de grau é o segundo evento mais chato já criado pelo homem, só perdendo para as aulas de herbologia da queridíssima professora Milenna. Para que as próximas horas não sejam tão penosas, sugiro a vocês o seguinte exercício: imaginem que todas estas jovens moças estão usando uma provocante cinta liga vermelha por baixo de suas becas.
Poderia fazer um longo discurso de 3 horas, usando todo o jargão político que aprendi para convencê-los, por cansaço, que a carreira de advogado bruxo é uma das ocupações mais nobres da sociedade, mas seria muita cara-de-pau começar a maquiar a realidade logo em minha primeira noite como futuro estudante de direito. Também não acho justo usar em vocês o mesmo tipo de tortura que nossos professores usaram durante sete anos. No lugar disso, prefiro discorrer sobre um problema que está afetando toda a nossa sociedade: o sucateamento do ensino médio bruxo. Por favor, não se levantem ainda, o tema não será abordado sob a ótica de um estudante drogado de Beauxbatons.
Logo em meu primeiro ano aqui presenciei o golpe fatal desta lei que simplesmente irá matar nossa escola. Não existe eleição para reitor nessa instituição! Nossa ilustríssima diretora, que, devo dizer antes que se levante da cadeira localizada atrás de minha pessoa e desligue meu microfone, conseguiu conduzir muito bem os alunos em seu mandato, decretou que Milenna Dartagnam fosse a responsável pela reitoria que lança maior parte das regras da escola, sem que nem alunos e sequer corpo docente votasse. A sabotagem estava apenas começando. A sua primeira medida estratégica foi proibir o consumo de cerveja amanteigada nas propriedades da escola. Senhores, todos sabemos que freqüentar qualquer aula em uma escola de magia a partir do 5º ano sem o auxílio da cerveja amanteigada é uma coisa impossível. Nós, pobres estudantes dedicados, ficamos sem qualquer recurso sedativo para que, devidamente alcoolizados, pudéssemos debater sobre os rumos da sociedade bruxa na próxima década.
A falta de cerveja amanteigada também minou completamente as relações amorosas dentro da escola, pois sem a sua ajuda, nossas poucas companheiras de sexo feminino disponíveis ficaram bem menos atraentes. A cultura do Snap Explosivo, que tanto estimulava nossa competitividade e habilidade para mentir, foi destruída, pois é impossível jogar uma partida inteira estando sóbrio.
É por isso que não vejo muito futuro nesta turma de formandos e nas próximas que nos seguirão. Lamentavelmente fazemos parte de uma geração que foi obrigada a aprender em uma instituição desmoralizada pela ausência de álcool. Onde está a seriedade da Academia de Magia Beauxbatons? Até mesmo os professores e funcionários perderam sua moral. Como acordar cedo e dar uma aula de Cálculos Lunares sem uma boa dose de whisky de Fogo? Como corrigir uma pilha de provas ilegíveis e com idéias absurdas de Poções, sem a ajuda de generosas taças de vinho?
Só vemos bagunça em nossos corredores, o nível dos debates cai, os argumentos fazem cada vez mais sentido e alunos não alcoólatras que não mereciam estar em uma instituição com tamanho prestígio continuam freqüentando nossas salas de aula. Ninguém tem a falta de sobriedade para expulsá-los.
Espero que a recém eleita Reitora, a professora Claudine Tiercelin, nossa admirável paraninfa aqui presente, fique sensibilizada com este discurso e libere imediatamente o consumo de cerveja amanteigada e demais bebidas alcoólicas dentro de nossa escola. Por Merlin! Somos uma escola de magia, e não um templo evangélico trouxa! Aja rápido! Nós somos uma geração de bruxos perdidos, mas ainda há tempo de salvar os calouros que estarão ingressando no próximo semestre.
Muito obrigado pela atenção e paciência. Para finalizar o meu discurso gostaria de propor um brinde ao nosso futuro incerto e ao inventor da cinta liga vermelha. Saúde!’
Quando ele dobrou novamente o papel, todos os alunos do 7º estavam de pé, divididos entre o riso e os aplausos. A maioria dos professores também ria e aplaudia, todos os pais davam risada, a professora Milenna parecia controlar o impulso de estrangular Viera e madame Maxime secava as lágrimas, achando tudo muitíssimo divertido. Por sorte Bernard fora designado a encerrar o discurso de Viera com um pouco mais de seriedade, já que todos sabíamos que isso seria algo inexistente no discurso oficial. Meu amigo parou rindo ao lado dele e puxou o microfone para si, e no mesmo instante todos sentamos outra vez e nos calamos.
- É desnecessário dizer que os últimos sete anos foram marcantes para todos nós. A convivência com pessoas diferentes, de lugares diferentes e com idéias diferentes trouxe ensinamentos que completaram a nossa formação acadêmica. Entre colas e trapaças, entre festas e provas, entre saudades de casa e amizades aqui feitas, mais uma das etapas de nossas vidas foi concluída – Bernard olhou para Viera e passou o microfone
- As noites varadas estudando, as noites varadas com as cachaçadas clandestinas, o lanche na cozinha altas horas da noite, o café da manhã de ressaca, os passeios a Paris, os bailes de fim de ano, a eterna frase “amanha eu estudo”, as estratégias de conquista do Dominique, os foras da Madeline nos garotos, a comida que Samuel milagrosamente conseguia para as festinhas, a falta de vergonha da Manuela em se apresentar até ao poste, as piadinhas sem graças do Rubens que todo mundo ria para ele não ficar no vácuo, os discursos moralistas da Marie e os comentários "tudo a ver" do Ian, as rebeldias esporádicas do Bernard, o jeito bem humorado e debochado de Michel para encarar as coisas, que embora não esteja mais entre nós jamais será esquecido, e tantas outras coisas que já começam a fazer parte do passado – ele parou de falar por um instante e devolveu o microfone a Bernard
- Agora, cada um seguirá seu caminho. O futuro está logo adiante e cabe a nós aproveitarmos toda a bagagem aqui adquirida na longa estrada que cada um ainda tem para seguir. Valeu por tudo, galera.
Todos aplaudiram novamente, dessa vez com ainda mais entusiasmo, e muitos estavam chorando, principalmente as meninas. A professora Claudine Tiercelin, sem esconder as lágrimas, foi chamada ao microfone para fazer seu discurso como paraninfa da turma e quando terminou, Maxime deu inicio à entrega dos diplomas. Um a um éramos chamamos ao palco para receber o certificado e os cumprimentos dos professores. Meu nome foi um dos últimos a ser chamado, e vi meus pais, meu avô, meus tios e minha prima acenaram felizes de onde estavam sentados. Sentia que uma etapa da minha vida acabava de ser concluída e eles estavam orgulhosos disso. Voltei ao meu lugar ao lado de Marie e ela olhou para mim, seus olhos cheios de lágrima.
- Senhoras e senhores, a turma de 1998! – madame Maxime falou animada no microfone quando entregou o ultimo diploma.
A turma ficou de pé mais uma vez, e em um único gesto, atiramos os chapéus de feiticeiros para o alto, pulando e comemorando o fim de sete anos de estudo. Por um momento, tudo de ruim que aconteceu no ultimo mês foi esquecido, e tudo que queríamos era apenas abraçar as pessoas ao nosso lado e aproveitar cada segundo da nossa ultima noite como uma turma de Beauxbatons.
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