Thursday, June 28, 2007

Even if...

Voltamos do enterro do Michel com olhos inchados e gargantas secas. Ninguém conseguia falar nada e nem conseguíamos digerir o fato de que ele não estava mais entre nós, rindo e brincando. Contando os dias para a formatura e fazendo planos para o futuro. Ian não falava nada, não escutava nada. Nem mesmo Marie estava conseguindo fazer com que ele se distraísse um pouco, e tínhamos receio de lhe perguntar alguma coisa.

De repente, a lembrança de alegria que tive quando estávamos comemorando um boato de que “Os Duendeiros” iriam tocar na nossa festa me pareceu muito distante. Estava tão desligado de tudo que nem me dei conta de que faltava apenas dois dias para o fim do ano, para a apresentação da peça de teatro, para nossa formatura...

Ensaio Geral – Sonho de uma noite de verão
Sexta-feira às 18:00. Todos os atores devem estar caracterizados de acordo com seus personagens.

O aviso grudado nos murais era curto e direto, mas senti uma pontada no estômago ao lê-lo. Como diríamos ao professor Armand que não haveria mais peça? Que o ensaio geral seria um fracasso? Que ninguém compareceria? Será que ele ainda acreditava que essa peça ia sair?

Não conseguia ver como poderia, se metade do elenco estava profundamente abalado pela morte do Michel e a outra metade estava assustada com os acontecimentos em Beauxbatons.

E não estava enganado quando pensei que o ensaio seria um fracasso. Quando cheguei à sala do professor Armand para dizer que não participaria mais da peça e que duvidava que algum dos meus amigos o fizesse, o encontrei sentado à sua mesa, a cabeça apoiada nas mãos olhando os baús de roupas e o cenário. Não foi preciso dizer nada. Quando me viu entrar ele suspirou decepcionado.

- Tanto trabalho! Tantos ensaios! E só agora me dei conta de que tudo foi pelo ralo...

Fiquei sem saber o que dizer. Apenas enfiei as mãos no bolso e encarei os baús. Ele continuou falando.

- Se veio pedir desculpas e anunciar que também não vai participar, não se dê ao trabalho. A peça já foi pelos ares mesmo! Só queria que vocês se divertissem, sabe?
SB: E estávamos nos divertindo, professor! Sinceramente! Shakespeare era um pouco cansativo, mas era legal ensaiar aquilo tudo. Mas você tem que entender que não podemos...
- Está tudo bem. Eu sei que não e nem exigiria isso de vocês... –pela primeira vez ele olhou para mim. Me senti mal, mas não havia nada a fazer. Pedindo desculpas mais uma vez, sai da sala.

Fui até o jardim e me sentei perto do lago, que possuía uma camada de gelo fino cobrindo sua superfície. Apertei o cachecol no pescoço. Fiquei repassando tudo o que tinha acontecido... Não só a morte do Michel. Tudo. Tudo o que tinha vivido em Beauxbatons foi passando como um filme diante dos meus olhos. O dia que cheguei. O dia que conheci os melhores amigos que tinha. O dia que me apaixonei, o dia que me desapaixonei. O dia que me apaixonei novamente... Senti um nó na garganta em pensar que tudo estava acabando. Que estávamos no fim.

Fiquei ali não sei responder quanto tempo, quando senti as costas de alguém contra as minhas. Anne estava sentada de costas para mim. Não disse nada e não perguntei.

AR: Então... Resolveu pensar na vida sentado aqui fora no dia mais frio do ano? – perguntou com a voz fraca depois de um minuto de completo silêncio. Sorri.
SB: É. Gosto do frio. Mas pelo visto não sou o único né? Você também está aqui...
AR: Precisava esfriar a cabeça. Estou fazendo isso, literalmente. Você está bem?
SB: Relativa essa pergunta. Externamente, sim. Internamente... Não tem como estar.

Novamente caímos em profundo silêncio. Anne começou a esfregar uma mão na outra tentando se esquentar.

AR: Meus pais acabaram de me deixar aqui... Thierry já foi julgado. – ela completou, mas não tinha interesse na voz dela. Senti raiva ao me lembrar dele e me lembrar que eles eram irmãos. – Nunca nos demos muito bem. Sempre fomos muito diferentes. Ele é muito mimado e sempre acha ser o certo em tudo. Fica obcecado quando quer alguma coisa. – ela soltou um sorriso sem ânimo algum. Continuei calado. – Vai para Rikers. Uns bons anos. Não sei quantos, mas se sair um dia, não vai ter muita vida mais para aproveitar!
SB: Ele mereceu isso! – falei sem pensar. Estava sentindo raiva, como se ele estivesse na minha frente.
AR: Eu sei, eu sei! Não estou dizendo que não mereceu. Só achei que você quisesse saber... Só quero que você saiba que somos muito diferentes, Samuel. Nunca fiz questão de ser associada a ele, e ele também não. Sinto muito pelo o que aconteceu ao amigo de vocês...

Ela se levantou e me dei conta de que não tinha visto o rosto dela nem uma vez. Me virei para olhá-la quando ela já estava caminhando de volta ao castelo.

SB: Anne!

Ela parou e se virou. Corri e quando estávamos bem próximos foi como se uma fogueira tivesse sido acesa dentro de mim. Todo o frio passou. Toda a raiva. Sorri e ela me encarava sem entender.

SB: Por que faz tanta questão de se diferenciar do seu irmão para mim?
AR: Por que... Por que quero. Sei lá, Samuel. Gosto de me explicar para as pessoas.
SB: Para as pessoas ou para mim? – ela corou um pouco, mas continuou séria.
AR: Por que sentiria vontade de me explicar só para você? Só vim por que achei que seria legal você saber...
SB: Já entendi. Aquele lance de só encenação está valendo então? Não tenho chances com você?
AR: O quê... Er...
SB: Tudo bem. De qualquer maneira... Você é muito especial Anne. Não vou me esquecer de você.

Sai caminhando e ela continuou para olhando a neve. 1...2...3...4...5.

AR: Samuel!

Foi a vez de ela me chamar, minha vez de parar, e ela correr até se aproximar de mim. Parou na minha frente e ficou me olhando. Ia perguntar o que ela queria dizer, mas ela me deu um beijo.

SB: Isso quer dizer que tenho chance com você? – sorri passando a mão pelo cabelo dela.
AR: Isso quer dizer que estou te dando uma chance de me conquistar. E não é fácil hein? Sou muito exigente. Se está achando que sou igual Doras, Malus e afins... – ela fez uma careta e eu ri.
SB: Não vai se arrepender. Se até o tapado do Lisandro conquista a doce Hérmia... Acho que consigo te conquistar!
AR: Você tem um par de dias! Boa sorte!

Ela sorriu mais uma vez para mim e voltou para o castelo. Fiquei observando-a entrar e por uns momentos, todos os meus problemas se tornaram soluções.

Now we’re alone gonna show
How much I need you
Kiss you so won’t ever wanna leave me

‘Cause even if the sun came tumbling down
You light the ground I walk on
Even if the moon fell out the sky
You light the ground I walk on

Música: Even If – The Corrs