And it’s not a cry you can hear at night
It’s not somebody who’s seen the light
It’s a cold and it’s a broken hallelujah
Hallelujah – John Cale
- Lucas, vamos sair em 5 minutos. Está pronto?
Assenti com a cabeça e meu avô fechou a porta do meu quarto. Ouvi seus passos enquanto descia a escada e encarei o espelho para terminar de dar o nó da gravata. Meus olhos não estavam mais vermelhos ou inchados, sobraram apenas alguns arranhões daquela noite. As coisas de Michel ainda estavam espalhadas pelo quarto e chutei uma goles no meio do tapete janela afora, com raiva. Quando ouvi me chamarem mais uma vez, resolvi descer.
Segui com meus pais e Sophie para o cemitério, enquanto vovô foi com meus tios em outro carro. Desde que cheguei em casa, na noite em que Michel morreu, minha cabeça parecia que ia explodir. Passei o dia seguinte inteiro trancado no meu quarto, me recusando a falar com quem quer que fosse. Nem mesmo Marie, que me chamou diversas vezes pelo espelho de duas vias. Decidi pular o velório, mas minha ultima chance de me despedir do meu primo seria no seu enterro, e resolvi ir.
Toda minha turma de Beauxbatons estava parada em fileira perto da capela quando chegamos, madame Maxime de pé à frente deles confortando a namorada de Michel. Tinham também alunos de outras séries, pessoas com quem Michel fez amizade durante o ano, ele sempre teve facilidade em se aproximar das pessoas. Vi Dominique com uma expressão séria no rosto, fazendo um enorme esforço para não chorar, enquanto Marie, Samuel e Bernard não escondiam as lágrimas. Vi também Manu e Viera tentando parecerem fortes, mas, no entanto Mad, que sempre foi conhecida como insensível, não ter vergonha de chorar abraçada a Gabriel. Todos eles me cumprimentaram quando passei com a minha família, mas sem trocarmos uma única palavra sequer. Acho que todos sabíamos que elas não eram necessárias.
Não sei ao certo quanto tempo durou o enterro, pois para mim foi uma eternidade. Parecia que estava ali, diante do caixão de Michel, há horas. Tia Eva chorava descontroladamente e tio Edmond, mesmo que chorando, se mantinha firme para dar algum tipo de apoio a ela. Mamãe também não saiu do lado dela em momento algum, assim como meu pai permaneceu durante todo o enterro ao lado de meu tio, mas eu me sentia tão enjoado com aquilo tudo que não serviria para dizer algo reconfortante nem mesmo a um bebe de um ano. Tinha vontade de gritar, sacudir Michel até que ele acordasse, chorar e me vingar por isso, tudo ao mesmo tempo. Sentia-me frustrado por não ter chegado a tempo, sentia culpa por Michel estar morto. Eu mandei ele pegar a arma e correr, se tivesse ficado com ela, ele ainda estaria vivo.
Um a um, meus amigos foram deixando algo pessoal sobre o caixão e saindo. Quando tia Eva colocou um porta-retrato com uma foto de família em cima de tudo, o caixão começou a descer. Era a ultima vez que veria o rosto de Michel...
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- Não foi culpa sua...Eu estava sentado no gramado do cemitério e ainda era dia, o céu estava claro, mas quase todos já haviam ido embora para casa. Eu não quis sair, e encarava a lápide de Michel enquanto chorava, tinha os olhos vermelhos. Senti alguém colocar a mão no meu ombro ao falar e me virei. Era Dave. Ele ainda estava muito machucado e seus olhos estavam tão vermelhos quanto os meus. - Não foi culpa sua...- Sim, foi! Eu vi e não fiz nada, podia ter impedido!- Não havia nada que você pudesse fazer Ian... Michel já estava morto quando você alcançou a clareira
- Não consigo acreditar que isso seja verdade – deixei mais lagrimas caírem e olhei para Dave – Desculpa...
- Pelo que?
- Por tudo que fiz a você desde que começamos a estudar. Sempre impliquei com você em tudo, eu sei que eu sou chato, e você sempre foi minha vitima favorita por nunca se defender...
- Pode parecer patético, mas eu já estava tão acostumado que não me importava mais
- Então por que ficou tão nervoso e partiu pra cima de mim quando me acusou de roubar seu caderno, no dia que Michel morreu?
Dave me encarou sério por um instante, e então puxou algumas folhas um pouco amassadas de dentro do bolso, sentando ao meu lado no chão. Ele parecia um pouco relutante, mas estendeu a mão para que eu pegasse as folhas. Dei uma olhada rápida e na capa estava escrito ‘Le Loup’. Olhei para ele sem entender.
- O que é isso?
- Um livro inacabado – quando não falei nada, ele continuou – Minha maior ambição, para o desgosto de meu pai, sempre foi escrever um livro. Mas nunca, ninguém em minha vida me incentivou. Até o dia em que Michel veio transferido de Hogwarts e passou a dividir o dormitório comigo. Diferente do resto das pessoas da minha turma, ele nunca me discriminou por ser diferente, ser calado e tímido. Acho que ele nunca contou a você ou a ninguém que era amigo do Dave, o esquisito, mas isso não me incomodava. Um dia contei a ele sobre essa minha ambição, e coincidentemente, ele me disse que tinha uma historia para que eu pudesse começar.
- A história do lobo – falei olhando para a capa que segurava
- Exato. O dia em que contei isso a ele, foi no dia que vocês criaram o personagem. Michel me contou tudo, pude ler tudo que vocês escreveram para ser publicado no jornal da escola, e passei a ter uma historia de suspense. Mudei os nomes, mas mantive todo o resto. Ele sempre me contava o que vocês estavam armando, as reuniões para decidir quem atacar, a brincadeira que deu errado com Mathilde, as desconfianças que começaram a surgir...
- Então desde o começo você sabia de tudo?
- Só não sabia a identidade do lobo... Enfim, isso aí é o primeiro rascunho do livro, o original. Quero que fique com ele, pois é a pessoa mais próxima de Michel que conheço. Ele foi o único amigo que tive em toda vida e vou terminar o livro por ele.
Dave levantou do gramado e deu uma ultima olhada na lápide de Michel antes de caminhar para a saída do cemitério. Comecei a passar as folhas que ele me entregou e no final delas, tinha uma dedicatória para Michel, assinada por toda nossa turma. Arranquei-a do meio das folhas e deixei em frente à lápide, antes de descer até a capela e me juntar a meus amigos, para voltar à escola. Mesmo que triste, precisava me formar...
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