Das lembranças de Seth K. C. Chronos
Ele estava novamente no telhado da Lux, olhando o céu noturno, pensativo. Já passavam da meia noite. Ele lembrava da carta de seus pais e quanto mais pensava, mais confuso e preocupado ficava. Então seu coração pulsou, seu corpo foi percorrido por um calafrio, seus instintos se aguçaram, suas pupilas dilataram e bocejou sem saber o porquê... Caiu lentamente de lado, sem conseguir segurar o sono...
Gritos...
Medo...
Dor...
Desespero...
Por que posso sentir essas coisas?
- Onde estou? O que estou fazendo aqui? – Acordou no meio dos jardins, sem saber como chegara lá...
- Acho que o vi por aqui, venham!
- Os gritos vieram de lá.
- Tem um pedaço de capa aqui! Apressem-se!
Seth olhou em volta. Já era de madrugada. Seu sobretudo estava sujo e ele sentia dor no peito, mas também uma satisfação. Seus olhos ainda estavam dilatados e vermelhos, e, infelizmente, não sentia mais a sede. Assustado e com medo, levou a mão aos lábios, temendo tocar no líquido... Mas por Merlim, os lábios estavam limpos e secos... Ainda ouvia os gritos das pessoas se aproximando, e confuso, sumiu, voltando para o castelo...
ooooooooooooooooo
Eu estava deitado na cama do dormitório e não conseguia dormir...
- Já vai amanhecer e não preguei os olhos... O que foi que aconteceu? Já não basta o que já passo?! Droga!!
Soquei a cama e me revirei nela ainda muito confuso. Porém a palavra que sempre me vem à mente desde pequeno é: Controle-se. Eu e papai conseguimos nos controlar e eu nunca perdi o controle, sempre me controlei melhor que meu pai na minha idade. Mas sei que isso requer uma boa dose de sorte, pois papai mesmo já quase perdeu o controle diversas vezes, e em todas quase machucou pessoas importantes como à tia Alex, tio Kyle, o tio Sergei, e especialmente mamãe. Por sorte, o lado humano acabava prevalecendo.
O que me impediria de perder o controle e atacar um desconhecido?! Ou mesmo um de meus amigos?
Ouvi os primeiros bocejos do resto do dormitório que começava a acordar. Decidi sair antes deles, sem falar com ninguém, nem mesmo o Griff. Levantei-me e deixei o meu sobretudo na cama, queria ficar sozinho... Fui para o Salão Principal através das passagens secretas que eu já descobrira, sem encontrar ninguém... Quando cheguei ao salão, foi como se eu tivesse batido numa parede sólida.
A tensão no salão era intensa e palpável, cheguei a ficar tonto. Apesar de ainda estar muito cedo, já havia alunos com expressões de medo e conversas sussurradas aqui e ali. Os professores também estavam do mesmo jeito, conversando entre si preocupados. A Professora Emily quando me viu veio correndo na minha direção com um semblante cansado e preocupado.
- Você está bem? O Griffon está bem também?
- Estamos, por quê?
- O Gabriel, a Miyako e o Ty estão bem?
- Emily você está me assustando... Não os encontrei ainda, mas imagino que esteja tudo bem. O que aconteceu?
- Por Merlim ainda bem... Desculpe, mas quando te vi entrando, você estava com uma expressão triste e preocupada, pensei que tinha acontecido mais alguma coisa... Já basta essa noite... - Ela baixou os olhos visivelmente cansada e preocupada, e isso me deixou desconfortável.
- Por quê? O que houve?
- Lobo. Ele atacou a escola. Levou uma aluna da sua casa que ainda está desaparecida... – meu coração pareceu parar.
- Quan... Quando foi isso?
- Ontem, por volta da 1 da manhã. Por Merlim, ainda bem que vocês estão bem. Fiquei tão preocupada, mas não podia parar de vasculhar o castelo com os outros para ir ver como vocês estavam.
Ela continuou falando sobre o que aconteceu. Falou das investigações e sobre a preocupação de todos, desabafando pouco a pouco. Mas não conseguia ouvi-la direito. Meu coração havia parado; sentia-me tonto e fraco, e quase desmaiei, mas Emily me segurou e se sentou comigo na mesa da Lux, gritando para que alguém trouxesse algo pra mim.
- Seth, acalme-se, está tudo bem... Ai perdoe-me por deixá-lo assim...
- Não, não foi nada, não se preocupe. Só fiquei um pouco tonto, mas estou melhor...
- Eu também fiquei meio tonta quando soube... Ah! Se te deixa melhor, papai vai liderar uma equipe de aurores que virão para o colégio.
- O tio Kyle vai vir? Preciso falar com ele...
- Ele deve chegar daqui a pouco, acho que está falando com madame Maxime... Tenho que voltar para a mesa dos professores, mande um beijo para os outros.
Ela se despediu e voltou para a mesa dos professores ao mesmo tempo em que os garotos chegavam. Fiquei o tempo todo calado e olhando para o nada, ignorando o babão do Griffon. Mi, Biel e Ty perguntaram se eu estava bem, mas Griffon respondeu que não sabia e eles foram para a mesa deles, conversando sobre os acontecimentos... E isso não saía da minha cabeça... PODIA TER SIDO EU!?
A agitação parou quando madame Maxime chegou seguida pelo grupo de aurores que se espalharam pelo salão. Ela anunciou que eles ficariam na escola para nos proteger e todos respiraram aliviados. Tio Kyle veio falar conosco e ver como estavam todos e tive uma conversa rápida com ele. Ele já sabia como eu poderia estar me sentindo, e usando a Legilimência, pedi que ele me encontrasse nos jardins.
Sai na frente dos outros e o Griff me seguiu tentando me animar, pois me estressei com as indiretas dele para os garotos. Na entrada me separei deles, mas a Mi me segurou quando eu estava saindo.
- Seth, o que houve? – Ela perguntou preocupada.
- Não é nada não, não se preocupe minha querida...
- Ah agora sim estou preocupado! – Gabriel falou rindo do jeito dele – Primeiro, você desceu sem sua capa!
- Segundo: chamou a Mi de "minha querida" e está um tanto mais emotivo que o normal! – Ty completou rindo.
- Terceiro: você e o tio Kyle tiveram uma conversa meio estranha! – Mi continuou rindo.
- Quarto: você está assim desde a carta de papai! – Griff falou.
- E quinto: você não nos engana! – Os quatro falaram juntos.
- Aff eu mereço vocês... Não precisam se preocupar, está tudo bem – menti, e eles pareceram acreditar. – Vocês são importantes para mim... Perdoem-me por qualquer coisa que já possa ter feito... - Os abracei um por um forte enquanto mantinham expressões perplexas. Antes que pudessem perguntar mais algo, saltei pra trás e corri para os jardins... Gabriel ainda gritou que teríamos aulas e eu respondi que já voltava.
Tio Kyle já me esperava no jardim de primavera, longe de onde ocorreu o seqüestro, queríamos privacidade.
- Tio... Eu... - comecei de cabeça baixa, controlando a preocupação.
- Não precisa falar, já sei o que houve. Você está com medo de ter sido você não é? – Ele foi direto ao assunto, bagunçando meu cabelo, tentando me animar. Eu fiz que sim com a cabeça e fiquei calado por um tempo.
- Acalme-se Kam... Sei que não foi você.
- Como pode ter certeza? Não lembro de nada de ontem à noite! Lembro que meus sentidos se aguçaram, e eu caí no sono de repente.
- Acalme-se! Sou legilimente esqueceu? Já vi tudo o que podia de suas memórias de ontem à noite. Eu te conheço desde que era um bebê! Você é uma das pessoas mais calmas e mais controladas que conheço!
- Papai também era, mas perdia o controle...
- Você e seu pai não são assassinos! Você tem uma alma boa, não há instinto assassino...
- Todos como eu, SÃO assassinos em potencial... Por que quando acordei, estava na cena do crime? Sem a sede, com os sentidos ativados e satisfeito? – Perguntei sem conseguir segurar a emoção e a preocupação. Ele ficou calado por uns momentos me olhando calmamente.
- Sempre há uma explicação, mas o que você tem que por na cabeça é que você não é assassino! Não é o Lobo!
- Quem na escola tem força para arrastar uma garota daquele jeito? Quem teria “motivos” para atacar uma aluna? E o pior, eram 1 da manhã! Ninguém anda pelos jardins a uma hora dessas! Só se for por um motivo!
- O que quer dizer com isso? O que você sabe?
- A garota é da minha casa, e por causa do que eu sou, algumas garotas babam por mim, mesmo sem perceber, seria fácil, eu levá-la para fora do castelo e sumir com o corpo.
- Seth! Devagar! Você não fez nada disso! Eu era auror antes mesmo de você nascer, e embora não seja um gênio, sei reconhecer um assassino! Apenas você sabe disso, mas seus pais têm meios de "vigiar" você. Acha que se alguma coisa destas tivesse acontecido, Alucard não apareceria aqui para te impedir? Ou Mirian não teria dado um jeito de segurar você mesmo que te machucasse? – perante os argumentos tive que ficar calado e concordar...
- Seth, meu pequeno cabeça-dura, olhe pra você, acha mesmo que faria isso?
- Não sei... Essas trevas dentro de mim, esse monstro, essa maldição! Eu sou um perigo!
- Você fala exatamente como seu pai quando foi mordido sabia? Claro que o excesso de drama veio da convivência com o Ty. – tentou fazer graça.
- Tio, por favor, me vigie! Ninguém na escola, além do senhor, da Madame Maxime e do Griffon, sabem o que realmente sou... Por favor, me vigie... Não quero fazer mal, mas não sei o que esse monstro pode fazer... Tenho medo pelos meus amigos
- Se te deixa melhor, vou cuidar e não vigiar você ok? Pedirei que Alex faça o mesmo, e não precisa fazer esta cara, não vai ser nenhum sacrifício, ela te adora. Não fique assim, filho. Seus pais virão e você sempre se sente melhor perto deles.
- Eles virão mesmo? Estou precisando deles... Sinto falta deles... Ele me deu um abraço forte e deixei a emoção sair... Chorei como quando criança e fazia alguma besteira e corria pra papai com medo... Ele me acalmou por um tempo e ouvia meu desabafo... Falei em como estava com medo... Como tinha medo de machucar as pessoas... Como tinha medo que descobrissem tudo... Como tinha medo de me acusarem, de deixarem de ser meus amigos... Ele ralhou comigo, dizendo que até nessas idiotices eu era igual ao anta do meu pai, nas palavras dele. E isso me fez rir um pouco, e depois voltamos pro castelo, antes que pensassem que o Lobo tinha nos pegado também...