Friday, November 03, 2006

Doce Halloween

Do diário de Isa McCallister

IM: Então, todos prontos?
- Sim, senhorita McCallister!
IM: Todos com cestas, certo? Certo! Ok, podem abaixar, já vi que todos estão com cestas! Então vamos, porque Paris é grande e a noite é curta... Por favor, não se separem, e fiquem aos nossos pés!

Saí à frente com Samuel, guiando uma turma de aproximadamente 40 primeiranistas fantasiados e empolgadíssimos com a coleta de doces que iríamos começar naquele momento. Ian e Terri vinham atrás, para se certificarem de que nenhum deles ia se desviar da trajetória. Saímos da Champs Elysée e tomamos um vilarejo mais afastado e deserto, onde as ruas estavam bastante iluminadas e a maioria das casas contava com uma decoração especial de Halloween.

SB: Vamos nos dividir, Isa? Se cada um tomar conta de um grupo de 10, vamos recolher mais doces...
IM: Hum, é, tudo bem.

Separamos todos em quatro grupos e Samuel foi guiando os seus para a direita, Ian e Terri foram para uma única direção, uma praça em frente, e eu tomei a esquerda.

- Senhorita McCallister?

Parei de chofre. Ainda não estava acostumada a ser chamada tão formalmente por uma criança de 10 anos. A menininha estava com o dedo levantado no ar, e vestida de vampira.

IM: Sim? Er, qual o seu nome?
- Violet. É que eu pensei ter visto alguém correr ali. – apontando para a viela que cruzava, logo em diante.
IM: Hum... Bom, é uma rua, certo? Pessoas podem passar correndo! Não precisa ter medo, ok? Se quiser, pode segurar meu braço.
- Não, não estou com medo. É que achei bizarro!

Arregalei meus olhos. A voz da menina tinha se tornado firme, decidida, e ela carregava um olhar medonho. Decidi seguir adiante só pensando que ela se amarrava em histórias de terror. Parei no meio da rua, e eles atrás, me encarando.

IM: Cinco para a direita, cinco para a esquerda. Podem ir os cinco de uma vez em cada casa ok? Vou me sentar aqui e ficar observando todos. Vocês têm 10 minutos!

Eles começaram a correr e chamar as campainhas. As pessoas que abriam as portas já vinham carregadas de doces e colocavam um punhado em cada cesta. Estava me sentindo uma verdadeira líder! Quando eles terminaram, se juntaram a mim no banco, mascando chicletes e tagarelando. Samuel veio ao nosso encontro, também com um pirulito na boca, sorrindo. E logo, Ian e Terri chegaram também, conversando animados.

Saímos novamente em grupo e íamos nos dividimos a cada quadra, nos reencontrando em seguida. As cestas já estavam pesadas, então, decidimos pedir em uma última vila. Sentei com Samuel, Ian e Terri e ficamos vendo eles bater de porta em porta. Tudo estava tranqüilo até aquele momento...

- AHH, você é doida?

Um grito, uma batida de porta, e uma risada ecoou pela rua. Levantei e corri até onde vinha o barulho, e achei Violet e um outro menino chorando de rir.

IM: Violet! O que aconteceu??? Que barulho foi esse?
- Ele não tinha doces para nos oferecer, então...
IM: Então o que? O que você fez?
- Espirrei spray de pimenta nos olhos, ué... Não encontrei nenhuma “travessura” melhor!
IM: O QUE? Violet! Merlin! Você é doida? Não era esse tipo de travessura, e nem qualquer outro que exigisse violência e dor! No máximo, rabiscar o rosto da pessoa, jogar açúcar no tapete, e coisas inofensivas!
- Eu... eu não sabia! Me desculpa? – prendendo o riso.
IM: Agora já foi né? Vamos, acabou a coleta por hoje, já tem doces demais pra estragar os dentes!

Ian, Terri e Samuel me ajudaram a chamar todos de volta, e começamos a voltar para a festa do castelo quando uma chuva forte começou a cair.

SB: Corram, vamos, vamos ficar ali embaixo até passar!

Samuel tomou a frente e fomos atrás dele até chegarmos na quadra de esportes que tinha na praça. Como era coberta, estava escura e silenciosa. O único barulho eram os pingos grossos de chuva batendo nas telhas. Sentei no chão, e muitos fizeram o mesmo, formando um círculo.

IL: Então, arrecadaram muitos doces?
- Nossa, e como não? As cestas estão transbordando! – Terri disse tirando o pirulito da boca pra falar.
SB: É, foi uma verdadeira maratona, não?
- Vamos fazer o que até a chuva passar? Vamos... – Terri começou.
- Contar histórias de terror! – Violet completou.

Ouve um murmúrio de aprovação, e alguns se encolheram temerosos. Não sei se seria bom começar com histórias de terror naquele lugar escuro e silencioso, mas a maioria estava empolgada, não tive chance de tentar impedir.

IM: Ok, tudo bem! Eu começo contando uma... Aconteceu há muitos anos atrás, na Estônia. Uma jovem, linda, caminhava por uma rua deserta, quando foi atingida por algo forte nas costas e caiu morta no chão. No outro dia, as pessoas de sua cidade encontraram seu corpo, cujo qual, carregava uma machadinha fincada na costela. O desespero tomou conta de todos...
- Ah não, a história do maníaco da machadinha de novo não, por favor?! Posso contar uma melhor?

Olhei aborrecida para Violet, por ter me interrompido. Novamente, senti um arrepio ao olhar a expressão demoníaca que ela estava. Os primeiranistas pediram para Violet contar sua história, e ela levantou as mãos fazendo todos se calarem instantaneamente. E eu me sentindo a líder...

- Hem hem... É a história de Samuel...
SB: Pô, Samuel? Não, mudemos o nome ok? História de David! Todos são nomes bíblicos mesmo... *Não quero ser conhecido como vilão das crianças depois dessa história* - Samuel sussurrou para nós, e Ian e Terri riram.
- Ok, história de David...
A mulher, nua, estava deitada na sua cama dormindo. David encarava o teto. Tinha nojo dela, queria matá-la. Mas eles se conheciam somente há um dia, ele não conseguia entender o porquê de tanto ódio. Seu desejo estava incontrolável, então, sem pensar de novo, cravou suas unhas entre as cartilagens tireóidea e cricóide da mulher. Ela acordou, mas já não havia tempo. Seus olhos se saltavam para fora da órbita quando seu rosto pendeu ao lado sem vida, e o sangue escorria pelo travesseiro. David sentiu um prazer inigualável, uma fonte de energia oriunda daquele sangue quente e já sem vida...
IM: Para, chega!

Ao redor, exclamações de desaprovação pela minha interrupção.

SB: É... Sabem... Essa história nem estava tão legal! Preferi a da machadinha! Termina de contar ela, Isa?
IL: É Isa, eu ainda não escutei...
- Bom, vocês vão ter que terminar depois, porque a chuva parou, ouviram? – Terri falou parecendo aliviada. Sorri agradecida e me levantei de um salto.
IM: Depois eu conto! Vamos voltar para a festa? Deve estar muito animada ainda!!!

Eles pareciam terem se esquecido das duas histórias interrompidas abruptamente e se animaram para voltarem à festa exibindo seus doces. Refizemos o caminho, um pouco mais calados. Violet era a última da fila. Arrancou os dentes agudos da fantasia, jogando-os na cesta, e enfiou uma bola de chiclete preta de uma vez na boca. Samuel conversava com Ian e Terri sobre as coletas, e eu apenas andava calada. Quando chegamos à porta, Ian e Terri se despediram, pois Terri não podia entrar lá. Saíram de mãos dadas caminhando pela rua. Samuel entrou primeiro, e a fila de alunos foram entrando atrás. Quando Violet passou por mim, segurei o braço dela e me agachei para olhá-la.

IM: Violet, me desculpa por não ter deixado terminar sua história... É que quando eu tinha a sua idade, morria de medo de histórias de terror, até das mais fracas, e percebi que alguns estavam tremendo...
- Tudo bem! Eu entendo... Não são todos que gostam de histórias de terror não é mesmo? – ela sorriu e a língua dela estava preta.
IM: É, imagino que sim... Você gosta?
- Leio desde quando era criança! Já li todos os livros de terror dos trouxas, e dos bruxos, até os de feitiçaria antiga. Não tenho medo. A história de Samuel, ops, David, foi a mais leve que consegui me lembrar, mas a da machadinha era mais apropriada...
IM: E eu que pensava que tomaria conta de crianças inocentes! Você me surpreendeu!
- Minha mãe sempre me diz que causo esse efeito nas pessoas! – rindo- Me desculpa pelo spray de pimentas ok? Eu não achei que fosse necessariamente pesado demais!
IM: Tudo bem! Não foi no meu olho mesmo... – ela fez uma cara surpresa.- Brincadeirinha! Então, não quer me oferecer um chocolate?
- Seria um prazer, senhorita McCallister!
IM: Isabel! Pode me chamar só de Isabel!
- Ok... “Seria um prazer, Isabel!” – estendendo o chocolate.
IM: Vamos entrar? Quem sabe ainda conseguimos algumas bebidas flamejantes hein?

Ela sorriu concordando e entrou na minha frente. Como a gente se surpreende com a infância atual!!!

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