Das lembranças de Ian Lucas Renoir Lafayette
- Compraram as coisas?
- Sim, está tudo aqui. Pra que tanta uva?
- Dizem que dá sorte comer uvas na virada do ano!
- E tem que pular 7 ondas também!
- Chega dessas superstições idiotas. Vamos embora antes que não sobre mais lugar bom.
Estávamos todos reunidos no píer onde o barco dos pais de Bernard estava ancorado e eu e Samuel havíamos acabado de voltar do mercado da cidade, com duas sacolas cheias de garrafas de champanhe e uma infinidade de uvas, a pedido das meninas. Estávamos todos de branco, regra imposta pela Isa, e prontos para embarcar no Poseidon II para assistir a queima de fogos da cidade de Berlim pelo mar. Quando já estávamos todos a bordo, Bernard assumiu o leme e deixamos o porto.
Muita coisa havia acontecido nessa ultima semana que separou o Natal do Ano Novo. Depois do ocorrido no pub, onde descobrimos o maior segredo de Dominique, ele desapareceu por dois dias inteiros. Acionamos toda a policia alemã para localizá-lo, até que ele apareceu como se tivesse saído para comprar pão, acompanhado de uma camponesa daquelas de embalagem de leite condensado trouxa, de chapéu e tudo, e que não falava uma única palavra em francês. A menina parecia encantada com Dominique e não desgrudava dele. E ao que parecia, ele já havia resolvido a situação sobre seu ‘segredo’; Terri havia ido embora para Saint-Tropez. Sua avó havia adoecido e com receio de não ter chance de vê-la outra vez, ela preferiu voltar e combinamos de nos encontrarmos no próximo final de semana em Paris; Bel tinha relaxado um pouco e parecia mais confortável na nossa presença, parando de fugir do Bernard o tempo todo. Se ela não estava mais confortável conosco, ao menos estava nos ignorando perfeitamente bem e aproveitando o passeio; Michel, depois de um porre, ficou com a Marie. Quando ele recuperou a consciência veio me pedir desculpas com remorso, mas descobri que não fiquei chateado como achei que ficaria. Agora os dois estavam com vergonha um do outro e Marie mal me olhava, sem graça.
- Ah ótimo! – ouvimos Bernard exclamar de dentro da cabine – Está tudo tomado já, não temos onde ficar!
O barco havia alcançado a área reservada para eles e não tinha mais espaço para ancorar, a não ser que estivéssemos em um barquinho de pesca. Viera, que estava dentro da cabine ajudando Bernard, apontou para uma área vazia mais à frente dos barcos. Estava fora da área demarcada pela Guarda Costeira, mas não havia outro lugar para ancorar. Era ela ou voltar para o porto, e isso estava fora de cogitação. Bernard virou o leme para a esquerda e parou o barco onde apontávamos, ancorando.
Faltava pouco para a meia noite e quase toda a tripulação do Poseidon II estava bêbada e super animada, dançando e cantando para se despedir de 1997. E claro, fazendo planos para 1998. Viera havia convencido a todos que assistir uma partida de futebol trouxa era tão emocionante quanto assistir a uma partida de quadribol e que não poderíamos perder a chance de assistir a uma Copa do Mundo quando ela é sediada na nossa casa. Portanto, com o incentivo do Samuel que também estava familiarizado com o esporte, nas férias de Junho iríamos todos para a casa de Viera para acompanhar a tal Copa do Mundo de futebol trouxa que seria na França. E como também não podia faltar, já começávamos a planejar a viagem de formatura. Essa, com a presença de toda a turma do 7º ano em algum lugar pago pela escola. Talvez Grécia, seria uma boa pedida...
- Atenção, falta 5! – Dominique gritou olhando pro relógio
- Peguem as taças, rápido! – Marie saiu correndo pelo deque do barco – Não quero perder os fogos!
- Faltam 3! – Agora era Michel que gritava animado
- Onde estão as uvas? – Isa correu atrás de Marie desesperada
- Elas funcionam sem pular as ondas? – Samuel perguntou rindo – Porque não tem como você pular onda Isa... Estamos no meio do mar!
- Só come as uvas e guarda o caroço! – Isa empurrou um cacho de uvas na mão de Samuel e correu para se posicionar na proa do barco.
- 10, 9, 8 – Bernard começou a puxar a contagem regressiva
- 7, 6, 5, 4, 3 – todo mundo entrou no coro
- 2, 1, Feliz Ano Novoooo!
BUM!
As embarcações que comportavam os fogos de artifício explodiram ao mesmo tempo, lançando toneladas de morteiros e rojões para o céu estrelado. Toda a área marítima ficou iluminada conforme eles iam explodindo no alto. Estávamos tão perto dos fogos que podíamos sentir o calor e a fumaça que cobria tudo ao redor das balsas. Viera, Samuel e eu estouramos cada um uma garrafa de champanhe e enchíamos as taças para brindar quando um dos morteiros explodiu no baixo, lançando fagulhas para os lados. Em seguida outra bomba explodiu baixo, derrubando os rojões que estavam na fila para serem lançados e desencadeando uma serie de explosões desordenadas, todos explodindo para os lados e para a água, causando tumulto. Uma das bombas derrubadas atingiu em cheio o casco do barco, fazendo tudo tremer. Mais de 5 rojões explodiram dentro da água, causando uma onda enorme e somando com o já danificado barco, sentimos tudo começar a afundar.
- Pulem na água, pulem na água! – Bernard passou correndo puxando Bel – O barco vai afundar!
- Vai afundar como a lancha do seu tio ou afundar como o Poseidon I? – perguntei correndo atrás dele
- Como o Poseidon I!
- Todos pra fora do barco, todos pra fora do barco! – comecei a berrar desesperado, lembrando do Poseidon I
Em questão de segundos todos já havíamos saltado no mar, largando tudo pra trás, a tempo de ver o barco do pai de Bernard afundar lentamente. Assim como o Poseidon I, ele submergiu por completo e desapareceu de vista depois de um tempo. Olhei para o lado e vi as expressões de choque estampadas no rosto de cada um. Bernard e eu éramos os únicos que não esboçavam reação alguma. Aquilo tudo tinha uma sensação de dejà vu. Samuel ainda segurava o cacho de uvas e nadou até a Isa.
- Bom, agora já temos ondas. Posso comer as uvas?
Todo mundo começou a rir e com a garrafa de champanhe sobrevivente fizemos nossa comemoração dentro d’água mesmo, respingando champanhe nos outros e repartindo as uvas do Samuel. Quando o resgate chegou para nos tirar do mar os fogos já haviam sido controlados e tinha até uma rede de TV trouxa filmando os náufragos do Poseidon II. Será que o pai do Bernard um dia vai nos deixar chegar perto do Poseidon III??
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