Wednesday, August 02, 2006

Acontece nas melhores famílias...

Do diário de Isa McCallister

IM: Você está me pregando uma piada né? – sorri tensa.
AM: Acredite você ou não Isabel, eu tenho coisas mais interessantes pra fazer da minha vida do que pregar peças nas pessoas, ainda mais com uma coisa tão séria.

É claro que eu não estava achando realmente que aquilo era mentira, mas não conseguia pensar em nada pra dizer. Levantei nervosa ainda incrédula. As coisas passavam na minha mente com tanta rapidez que estava me sentindo tonta.

IM: Você quer dizer que...
AM: Que a minha família, quer dizer, nossa família é uma droga! Olha, lê isso...

Bel me parecia desconsolada quando me entregou um pergaminho. Pelo aspecto, era velho...

“Querida Anabel,

Um dia você lerá essa carta, é inevitável, mas espero francamente não estar mais viva para ver isso acontecer. Por anos eu me sinto embaixo de uma grande nuvem negra que circula nossos princípios, e juro que se te escondi tudo foi pra te proteger.
O Grimoire, como você bem sabe, é o livro da família Damulakis desde o surgimento. No tempo em que foi criado, muito pouco se conhecia da magia, dos feitiços. Nossos antepassados escreveram nele por décadas, séculos, milênios talvez... Foi passando de geração em geração, e então, chegou até mim, como uma carga a ser passada eternamente, e o peso dela é mais do que eu poderia suportar.
Sinto que envergonhei e degradei a tradição quando resolvi deixar de escrever nessas páginas amaldiçoadas, e mais ainda, quando resolvi escondê-lo, ignorá-lo, por medo de te passar algo tão horrível.
Diz a tradição que o livro deve ser passado aos herdeiros imediatos assim que se tornassem maiores de idade. O ganhei no dia do meu aniversário de 17 anos. Estava empolgada, me sentia grandiosa e satisfeita em fazer parte daquele mundo novo. Li essas páginas com tanta empolgação, que quando descobri o que estava por trás, levei o maior tombo que alguém poderia imaginar um dia.
Não conseguia acreditar, eu estava hipnotizada por um mundo mágico, e descobrir que tudo não passava de um beco imundo, me fez saltar da integridade para a solidão. Acho que você deve estar se sentindo assim...
Como você deve ter lido, relido e confirmado, a família Damulakis não é tão confiável assim como imaginávamos não é mesmo? Somos responsáveis pela criação e aprendizado de todas as piores maldições que os bruxos até hoje viram. Fomos aliados das trevas, e pelo jeito, está em nosso sangue continuar desse lado. As maldições imperdoáveis nada passam de uma brincadeira com varinhas que alguém à muito tempo atrás descobriu, achou graça e quis compartilhar.
As maldições imperdoáveis foram feitas no nosso passado, vivem no presente de todos, e acabam com o futuro de muitos.
Diante dessa terrível realidade, como eu poderia continuar? Como eu iria te contar que a família a qual você pertence é lendária? Eu não tive coragem. Acho que um dos principais motivos de ter me tornado auror foi constatar que precisava combater os fantasmas do meu passado pra ajudar a melhorar a realidade. Quis te isolar de tudo, te dar uma visão boa de uma família. Me casei com um trouxa, o melhor que já conheci. Compartilhei com ele todas as melhores e piores coisas que eu vivi, e ele me deu apoio em tudo que precisei. Então, fiquei sabendo que estava grávida de gêmeas. Seria maravilhoso ter gêmeas, em outras circunstâncias...
Quando sua avó soube que havia voltado formada na academia de aurores, casada com um trouxa, e grávida de gêmeas mestiças, fui expulsa de casa. Seu pai e eu agüentamos a barra juntos, e quando vocês nasceram, bem, estávamos tão felizes... Me sentia completa novamente.
Então, de repente, as coisas começaram a mudar. Por causa da sua avó e da minha carga, eu e seu pai tivemos alguns problemas, e eles foram aumentando. Eu sabia que era algum tipo de maldição desse livro, algo por eu não ter completado a tradição de ter filhos “puros” para repassar. Acabei me separando dele, mesmo o amando com toda a intensidade de antes. Tive medo de algo ruim acontecer e ele pagar por meus erros. Sua irmã foi morar com ele, e eu voltei, para a minha casa. Logo sua avó morreu, e você começou a crescer.
Bel, me desculpa te esconder tudo sobre o seu passado, e tudo sobre o passado de todos nós. Eu me sinto fraca, incompetente. A única coisa que consegui escrever nessas páginas, foi a minha história. A história de como finalizei uma tradição milenar por não conseguir ser cruel, por ter tido a capacidade de amar.
Só tenho uns pedidos a fazer... Antes de escolher o que ser da vida, escolha algo que vá te deixar feliz por completo! Você não faz mais parte desse livro, e não terá de escrever nada nele. Sua irmã e seu pai moram em Nova York com o sobrenome dele, McCallister. Imagino que ela deve ser tão linda e inteligente como você, porque seu pai é a pessoa a quem confiei a criação dela, e confiaria minha vida, mesmo hoje. Escondi vocês, pra me esconder também, e tudo que eu fiz foi por amor e covardia. Acima de tudo, eu te amo com todas as minhas forças e peço hoje e sempre, onde quer que esteja, que seja muito feliz! Siga seus pés, eles nunca te levarão ao caminho errado...

Rebecca Damulakis”

IM: Então... Sua... Nossa mãe não quis continuar o Grimoire?
AM: É...
IM: Bem, não vou mentir que estou perplexa de saber que até hoje os comensais da morte usam-se das maldições que um dos nossos antepassados criou, mas admito que agora me sinto mais tranqüila em saber que pelo menos meu pai não se engana quando me diz que nossa mãe é a melhor bruxa que ele um dia conheceu...

Ficamos em silêncio muito tempo, o clima estava pesado. Anabel guardou a carta e o livro no quarto, e desceu novamente.

AM: Me desculpa?!
IM: Desculpas por quê?
AM: Por ter julgado você, por ter deixado claro que me achava superior só por ter sido criada dentro do mundo bruxo. Por ter julgado nosso pai, e negado o sobrenome. Me sinto perdida. Não estou com raiva da minha mãe, muito pelo contrário! Ao descobrir que ela não quis fazer parte desse passado sujo, eu a admirei ainda mais, mas fico triste em saber que poderíamos ter sido uma família feliz...

Nenhum choque foi maior do que aquele. Ta, estava abismada em descobrir que tinha uma família com um passado negro, mas ouvir a Anabel se redimindo por ter se sentido superior, por ter desvalorizado o papai? Aquilo me atingiu direto, e não consegui fazer nada além de abraçar minha irmã e deixar que algumas lágrimas caíssem naturalmente.

IM: Bem, ainda podemos ser uma família muito feliz! Vamos começar a nos unirmos, certo? Eu sei que às vezes você sentiu vontade de realizar essas coisas que ensinam nesse livro pra me matar, mas precisamos pelo menos começar uma reconciliação!

Ela sorriu um pouco mais confortada e se afastou enxugando o rosto.

AM: Em outras circunstâncias, eu não aceitaria, por pensar que você estaria querendo me arrastar pra algum cabeleireiro, mas agora, acho que temos coisas mais urgentes a fazer. Eu vou voltar pra Grécia! Preciso conversar com mamãe e... Richard não vai se importar né? Mamãe mandou uma carta dizendo que tinha chegado ontem...
IM: Vai, eu converso com meu pai... Conto tudo que aconteceu.
AM: Ok então, vou de flú!

Ela fez menção de subir as escadas quando eu disse...

IM: Você acha que eles ainda se amam?

Ela ficou de costas um tempo, em silêncio, e depois me olhou um pouco confusa.

AM: Acho que quando se ama de verdade, é eterno. Não precisa me olhar assim, não estou lendo muitos romances, mas não é isso que todos dizem? Acho que se amam sim!
IM: Será que eles voltariam a ficar juntos?
AM: Como?
IM: Bem, agora que ela não tem que esconder mais nada pra proteger ninguém aqui... Não foi esse o motivo?
AM: Não sei... Você quer que façamos eles ficarem juntos de novo?
IM: Por enquanto eu só quero que tudo fique bem, mas se eles se amam e nada impede eles de ficarem juntos, não seria tão má idéia.

Bel encarou os sapatos como se considerasse a idéia, e então subiu e pegou a mala, sumindo pela lareira momentos depois. As coisas acontecem de repente, mas uma lição eu aprendi: não importa o quão diferente se é de uma pessoa, se é de família, as diferenças nunca serão fortes o suficiente!

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