Lisandro: Porém, Hérmia, escuta-me: a sete léguas, só, de Atenas mora minha tia, uma viúva muito rica que, por filhos não ter, me considera seu herdeiro exclusivo. Em casa dela, minha Hérmia encantadora, poderemos casar-nos, por ficarmos, então, fora das rigorosas leis dos atenienses. Se me amas, foge da mansão paterna na noite de amanhã... – Ah não professor, mansão paterna???
Parei de ler o texto na hora, indignado. Era a coisa mais ridícula que eu já tinha lido na vida, e só de pensar em fazer uma interpretação medieval com aquelas falas, o arrependimento de ter concordado com essas aulas de teatro se apossavam de mim. A turma inteira começou a rir, inclusive Anne, que estava na minha frente.
- Monsieur Stardust, gostaria que fostes um pouco mais educado. Essa linguagem rica em sentidos líricos pertence exclusivamente ao perfil de Willian Shakespeare, o maior dramaturgo da história da humanidade!!! – ele disse isso em voz reprovadora. – Agora, será que dá pra continuarmos o ensaio???
Olhei para Anne, que ainda mantinha um sorriso cômico no rosto, e ela levantou os ombros como se dissesse “e temos outra opção?”. Pigarreei e continuei a ler, me forçando para não mandar Shakespeare e sua linguagem lírica para os infernos. Anne abaixou o texto na hora de falar, já o tinha de cor. Abriu um sorriso meigo, encarnando a personagem, e disse cada palavra me encarando.
Hérmia: Meu bondoso Lisandro, eu juro pelo mais potente arco do deus Cupido, por sua seta melhor de penas de ouro, pelas meigas pombas de Vênus, pelo que une as almas e confere ao amor virentes palmas, pelas chamas em que se abrasou Dido após abandoná-la o Teucro infido, pelas juras que a todos os instantes violado têm os homens inconstantes, mais do que nume-rosas, infinitas, do que as que foram por mulheres ditas: amanhã, sem faltar, no grato abrigo de que falamos, estarei contigo.
Ela deu uma pausa, e a primeira reação depois disso partiu do professor Armand, que começou a bater palmas entusiasticamente.
- MA-RA-VI-LHO-SO! Senhorita Renault, parabéns! Olhe, estou arrepiado. – mostrando o braço.
Abaixei a cabeça para não rir, e pela cara que Anne fez, ela também estava se segurando.
- Excelente! Acho que por hoje está bom, pessoal. Monsieur Stardust, quero o texto decorado aula que vem. Boa noite!
A turma começou a sair em bandos da sala, comentando sobre o ensaio e a peça, cada dia mais próxima. Fui até o fundo pegar minha mochila, Anne me seguiu, recolhendo a dela.
SB: Então... Como vai sua cabeça? – perguntei em um tom de quem ainda se sente culpado, e ela sorriu.
AR: Está bem. Não foi suficiente para arrancá-la do pescoço!
SB: AH, fica para a próxima vez, então... Tento um balaço!
Nos encaramos em um breve segundo e ela riu. Saímos andando juntos da sala.
AR: Agora que estamos longe... Shakespeare era um tolo! Só uma pessoa muito desacreditada do amor, escreve coisas tão estendidas. Olha a fala da Hérmia, por exemplo... Ela se sente na necessidade de jurar por Deus e o mundo que ama Lisandro, para não deixar dúvidas de que o ama. Quer dizer, era só ela dizer: “Lisandro, eu te amo, e eu vou fugir com você”! Certo? Não precisava jurar “pelo mais potente arco do Deus Cupido” e por aí vai... – olhei para a cara dela, e caímos na gargalhada.
SB: Eu tenho uma outra visão sobre Shakespeare, O apaixonado... Não acho que ele era “desacreditado” do amor. Acho que ele amava quem não devia amar!
AR: Ih, mulher casada? – Anne perguntou com interesse, como se eu fosse o dono da história de amor que Shakespeare podia possuir.
SB: Não, outro homem!!!
Ela parou de andar me encarando, e então começou a rir incontrolavelmente. Quando conseguiu parar, enxugou os olhos respirando fundo.
AR: Acho que preciso comer alguma coisa... Não jantei, e gastei todo o estoque de energias extras rindo. Vou até a cozinha.
SB: Se não se importar, minha adorável Hérmia, poderia eu lhe acompanhar até soberbo recinto? – perguntei, fazendo uma breve referência. Anne sorriu, e segurou os dois lados da saia, dobrando os joelhos um pouco e retribuindo o cumprimento.
AR: Amado Lisandro, juro pelas meigas pombas de Vênus, que nada me daria mais prazer do que ter vossa companhia para um “boca livre” noturno!
SB: Sem juramentos, por favor! Vamos logo antes que nos denunciem como loucos em potencial...
Saímos rindo e fomos até a cozinha. Anne não era do tipo devastadora de jantares, então, alguns minutos depois, empurrou o prato, tomando um gole de suco.
SB: Já acabou??? – falei terminando de engolir o último pedaço de torta de limão. – Você não precisa de dietas, sabia?
AR: Ah, todas as mulheres sempre acham que uma dieta a mais cai bem... – rindo. – Mas não, não estou fazendo dietas... É que fico sem jeito de comer na frente dos outros.
SB: Ta brincando né???
AR: É claro que sim! Você acha mesmo que se eu fosse do tipo gulosa, teria vergonha de comer na sua frente? Comer é a melhor coisa que existe!!!
SB: Verdade! – disse empurrando meu prato.
Ficamos em silêncio uns minutos, sentindo o peso da comida, quando o relógio bateu onze horas da noite, e instantaneamente, nós dois nos viramos assustados.
SB: Já??? Temos que ir! Não podemos mais andar pelo castelo hora dessas... Eu te acompanho até a Sapientai. – disse quando já estávamos quase alcançando a escadaria para as casas.
AR: Não precisa. Eu grito se ver qualquer coisa...
SB: Ah não... Soube que tem um lobo mau indo atrás das mocinhas inocentes. Eu te acompanho!
Fomos andando depressa pelos corredores até alcançarmos a porta da Sapientai. Parei ofegando, e Anne me olhou sorrindo.
AR: Obrigada, pela companhia e tudo o mais...
SB: Não há o que agradecer.
AR: Então... Até mais?
SB: Até mais.
Ela se aproximou e me deu um beijo no rosto, sorrindo. Fiquei vendo ela entrar, e depois sem tanta pressa, voltei para a Nox.
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