Wednesday, March 28, 2007

A semana do saco cheio

Por Ian Lucas Renoir Lafayette

When you’re on a holiday
You can’t find the words to say
All the things that come to you
And I wanna feel it too

Island in the sun - Weezer


As coisas em Beauxbatons andavam tranqüilas. Depois que a morte de Pierre Chirac foi divulgada na escola o pânico foi instalado, mas madame Maxime conseguiu controlar os alunos e parecia que todos estavam se sentindo um pouco mais seguros. E também pudera: agora tínhamos nada mais nada menos que todo o time de aurores da França circulando pela escola. Maxime esvaziou o escritório deles no Ministério da Magia e levou todos para a escola. Sendo assim, em todos os intervalos das aulas eu esbarrava com meus pais e meus tios pelos corredores.

- Não agüento mais isso, estou me sentindo vigiado – reclamei depois que minha mãe me parou no corredor para ajeitar minha gravata
- Não reclame Ian – Marie revirou os olhos quando viu que eu entortava a gravata outra vez – Quer a gente goste ou não dos aurores, estou me sentindo mais protegida com a presença deles
- É, é, que seja. Mas queria que meus pais tivessem outra profissão nessas horas
- Pense assim: em alguns dias estaremos fora daqui, aproveitando as praias das Ilhas Gregas – os olhos de Marie chegaram a brilhar pensando na nossa viagem
- Ah, Merlin é bondoso e sabe como merecemos alguns dias de descanso – meu pensamento logo foi para as águas cristalinas daquelas praias e sorri – Estou a ponto de enlouquecer com a quantidade de dever que estão passando para a gente
- Essa viagem promete...

ººº

- 37, 38, 39, 40, 41... – Gerard fechou a prancheta que tinha na mão e sorriu para madame Maxime – Estão todos aqui, diretora!

O professor de Zoologia entrou no barco selando a porta e madame Maxime acenou para Gerard, que ficaria na escola. Todos os alunos do 7º ano estavam a bordo do barco da escola. Íamos para a Grécia, para nossa tão esperada viagem de formatura. Desde o 1º dia de aula contamos os dias para o feriado de primavera, ou como gostamos de chamar, a semana do saco cheio. Essa semana era reservada para as viagens em turma, geralmente para algum lugar com praia onde pudéssemos aproveitar bastante, esquecendo os estresses das aulas.

A viagem de barco até Santorini durou pouco mais de duas horas e logo que chegamos fomos conduzidos pelos professores que vieram para o hotel que havia sido reservado para nossa turma. Teríamos o hotel inteiro para os alunos e professores, por uma semana. Estávamos muito animados e naquele momento, toda a perturbação de lobo e intrigas no nosso grupo foi esquecida. Tudo que queríamos era curtir a ultima vez em que teríamos toda nossa turma de Beauxbatons reunida, antes que cada um seguisse o seu caminho após a formatura.

Deixei meus amigos no hotel começando a incomodar os outros hóspedes se atirando na piscina e virando as pessoas das bóias e fui dar uma volta a pé pela ilha com Marie.
Já fazia algum tempo que não passávamos um tempo juntos, sem mais ninguém por perto, conversando sobre bobagens. Havia esquecido como gostava da companhia dela, mesmo que apenas caminhássemos sem conversar. E foi assim que ficamos por um longo tempo, até que de repente Marie quebrou o silencio.

- Se eu te fizer uma pergunta, você me responde com sinceridade?
- Claro... – ...que ia depender do que ela ia perguntar
- Você acha que eu sou careta?
- Careta? Como assim?
- Careta, chata, certinha, que não sabe aproveitar a vida!
- Claro que não Marie! De onde tirou essa idéia?
- Ah os meninos no barco vieram implicando comigo, dizendo que eu não sei curtir a vida
- Que meninos falaram isso?
- O Thierry, o Antoine e o Jean
- E você vai dar ouvidos aos três patetas? Por favor, não presta atenção ao que eles dizem. Você sabe curtir a vida sim, mas do seu jeito. Eles não têm nada com isso.
- Ainda assim acho que eles têm um pouco de razão... Olha você, por exemplo. Conheceu a Terri nas férias e decidiram namorar, mesmo a distancia. Eu nunca conseguiria isso, pois ia logo achar que namoro a distancia não dá certo!
- Talvez você tenha razão em pensar assim... Terri e eu não estamos mais juntos
- Não? Quando vocês terminaram? – ela parecia espantada – O que aconteceu?
- Não sei o que aconteceu, ela que terminou comigo por carta. Ela disse que não estava dando certo por estarmos muito longe
- Sinto muito Ian
- A distancia estava atrapalhando um pouco, mas acho que não era um problema tão grande assim. Mas tudo bem, não estou chateado, tem outras garotas por ai – disse olhando para ela – Olha só aquilo...

Apontei na direção do mar e Marie seguiu meu dedo. Sem que percebêssemos caminhamos até a costa e do alto da cidade dava para ver o pôr-do-sol, de um ponto privilegiado. O céu ia ficando alaranjado e cobrindo todo o mar e cidade, até que todas as casinhas brancas ao nosso redor também assumiram um tom laranja. Marie olhava encantada aquele cenário e naquele momento, não senti qualquer tipo de magoa por Terri ter terminado comigo. Quem eu realmente gostava estava ali, do meu lado, e tudo que eu precisava fazer era dizer isso a ela.

Friday, March 23, 2007

Pais e Filhos

Desde o dia em que haviam descoberto um punhal na minha mochila, meus momentos de tranqüilidade se esgotaram. Não só o clima do castelo inteiro estava carregado de medo e ansiedade, como agora eu estava sentindo meus amigos cada vez mais distantes. Não que eles pensem que eu seja mesmo o lobo, mas as circunstâncias estavam ali, tão estampadas, que se eu estivesse com eles do outro lado do abismo, seria difícil não cogitar por um segundo a idéia de uma brincadeira de mau gosto.

Para completar a onda de maus presságios dessas últimas semanas, a Nox andava a um passo de ser desclassificada do campeonato, o que andava gerando uma terrível onda de desconforto e agressividade nos treinos e partidas. No último treino, Jardel começou a lançar desaforos para Bridget, e se nós não tivéssemos separado a tempo, talvez eles realmente tivessem avançado um contra o outro. Desde então, os treinos que deveriam estar com a taxa de aproveitamento bem maior para garantirmos a vaga, estavam cada vez pior e mais desgastantes.

A minha fuga nesses dias estava sendo nas aulas de teatro. Não que eu tenha mudado minha opinião sobre o quanto Shakespeare conseguira ser patético, mas lá eu podia ao menos dar umas risadas das interpretações desajeitadas de todos nós, e dos comentários cada vez mais “exuberantes” de Armand. O professor batia palmas tão euforicamente a cada cena, que por mais que nos sentíssemos ridículos falando aqueles textos, acabávamos acreditando que realmente deveria estar um pouco bom...

Como era sábado, aproveitei para acordar um pouco mais cedo e adiantar alguns deveres e trabalhos. Queria estar livre o resto do dia para dar uma caminhada pelos jardins ou talvez ir ao campo de quadribol. Quando cheguei ao Salão Principal porém, vi que todos os meus planos para aquele dia seriam cancelados. Meu pai e alguns outros membros do Ministério estavam com Madame Máxime conversando.

Sem saber se ia lá dizer um “oi pai, beleza?” ou se dava meia volta direto para o dormitório, fiquei parado uns segundos o encarando. Um dos bruxos que o acompanhava o cutucou de lado, e apontou a cabeça em minha direção. Se um segundo atrás eu tinha decidido ir embora, agora já não dava mais tempo. Meu pai interrompeu o assunto com Máxime e me encarou longamente, sua expressão cada vez mais funda e cansada. Senti o sangue gelar quando ele fez um aceno com o braço, mandando que fosse até lá...

IS: Será que posso usar o seu escritório por alguns momentos, Olímpia?
OM: Fique a vontade, monsieur.

Meu pai foi andando na frente, e permanecemos em silêncio até alcançarmos a sala de Madame Máxime. Ele esperou que eu passasse por ele, antes de fechar a porta. Permaneci em pé o encarando, até ele dar a volta à mesa e se sentar.

IS: Então... Vai permanecer em pé ou prefere se sentar? – disse fazendo um gesto para a cadeira atrás de mim, e me sentei. Ele me encarava rígido e sério como sempre. Depois de um ou dois minutos em completo silêncio, suspirou e começou a falar. – Não vou te perguntar se foi você ou não quem começou com essa brincadeira imbecil de assustar as pessoas com um assassino... Não sei como aquele punhal foi parar na sua mochila, e nem me interessa saber. Por mais que você seja irresponsável, continua sendo meu filho, e eu como seu pai realmente não acredito que você seja capaz de matar tão cruelmente duas pessoas só para pregar uma peça. Mas...
SB: Todas as evidências apontam contra mim, certo? Nós começamos a brincadeira sim, pai. Nós espalhamos sobre o lobo, só para causar medo... Mas as coisas saíram do controle e agora realmente existe um assassino, e ele realmente anda por aí matando as pessoas. É um aluno, temos certeza. Ninguém poderia ter colocado um punhal na minha mochila sem passar despercebido.
IS: Não poderiam ter sido os seus amigos? Que ainda não entenderam a gravidade da situação e continuam querendo brincar?
SB: Eu até pensei que sim no começo, mas agora eu tenho certeza que não foram eles. Eles estão sendo atacados. Esse lobo está indo atrás de nós, um por um. Acho que nós já conhecemos o limite de nossas brincadeiras...

Meu pai sorriu. Não um sorriso irônico como se estivesse dizendo “limite? Ah sim, é claro que vocês o conhecem...”, mas um sorriso diferente. Algo mais simplório, como um daqueles que damos de vez em quando ao lembrarmos uma cena do passado que nos fez feliz. Fiquei confuso, mas não disse nada. Deixei rir sossegado, imaginando no que ele estaria pensando naquele momento.

IS: Sabe Samuel... Quando eu tinha a sua idade, e estava prestes a me formar aqui, nesse mesmo castelo, eu já sabia exatamente como seria o meu futuro. Meu pai era muito mais rigoroso comigo, do que eu posso ser hoje em dia com você. Sempre me cobrou as melhores notas, o melhor comportamento, escolheu para mim o que ele julgava ser a melhor carreira. Mesmo que eu insistisse e insistisse que não queria ser Ministro da Magia, e sim um profissional em animais e criaturas mágicas, ele dizia: Não. Filho meu não nasceu pra morrer sozinho e pobre em uma cabana cheia de animais estranhos... Filho meu nasceu pra morrer em trono, deixando herdeiros!

Ele novamente sorriu daquele jeito anormal, e eu o encarava assustado. Nunca, desde que me entendo como gente, havia tido uma conversa mais ou menos civilizada com meu pai. Podíamos até começar civilizados, como começamos essa, mas no final sempre sobravam alfinetadas e gritos para os dois lados. E ouvir meu pai falando de sua adolescência, como se essa fosse a coisa mais apaixonante do mundo, era uma coisa insana demais para eu entender naquelas circunstâncias.

IS: Então eu me formei e me vi seguindo um sonho que nem de longe era meu... Estágios no Ministério, de departamento para departamento. Candidatura a Ministro que eu perdi feio. Trabalhos cansativos, quase 20 horas por dia, até a outra votação que eu finalmente me vi ganhando. Mas aí meu pai já não estava vivo para comemorar comigo o Ministério. E até hoje sua mãe me pergunta se valeu à pena ter dado tão pouca atenção a ela e a você, para cuidar de um sonho que nem meu era, que deveria ter sido enterrado com meu pai...
SB: Valeu? – a pergunta saiu sem que eu soubesse o porquê de ter saído. Estava tão assustado com aquelas revelações todas, que me vi perguntar bem depois de já ter perguntado.
IS: Não. Não valeu. Só hoje, depois de quase 15 anos no Ministério, que eu consigo entender o quanto desperdicei meu tempo. Poderia estar administrando um criadouro de hipógrifos. Adestrando testrálios, domesticando pelúcios. E no entanto, eu tenho que cumprir oito horas diárias no meu gabinete de Ministro da Magia, fazendo coisas totalmente monótonas, vendo a única mulher que eu amei na vida sendo feliz com alguém que soube dar o amor que ela precisava, e vendo meu filho ser acusado de assassinato, prestes a se formar! Sabe o que é engraçado, Samuel? É saber que por mais que eu tenha pensamentos tão primórdios como os do meu pai, de querer te ver tomando o meu lugar, eu sei que nunca vou ver isso. Porque você aprendeu a se virar tão bem sozinho, sem mim, que já sabe muito bem o que quer e o que não quer para a sua vida, e não vai deixar ninguém atrapalhar esses planos.

Ele se calou. Os olhos fundos me encaravam de uma maneira tão doce, tão paternal, como eu nunca os tinha visto. Não sorria, mas sua boca tinha uma curva exata de admiração. Sustentei o olhar dele, acho que estava em transe. Ele se levantou e foi até a janela olhar os jardins e os alunos que caminhavam por ali.

IS: O que você quer ser quando sair daqui Samuel?

Aquela pergunta me surpreendeu mais do que qualquer outra coisa. Eu não sabia o que responder. Senti minha boca seca, em pó.

SB: Bem eu... Não sei.
IS: Sabe sim. É claro que você sabe. Seus olhos me contam que você sabe disso há muito tempo.
SB: Se eu disser o que eu não quero ser, você aceita a resposta? – mesmo estando de costas para mim, o vi rir e concordar com a cabeça. – Ministro da Magia, em primeiro lugar.
IS: Ótima escolha! – soltando uma risada alta.
SB: Medibruxo, sócio do Gringotes, professor... E me desculpa, pai, mas nem me passa pela cabeça ter uns dragões no quintal. – outra risada alta.
IS: Você acabou de excluir todas as profissões que um dia eu teria pensado para você...
SB: Desculpa.
IS: Por? Por ter sua própria personalidade? Desculpado. Então... O que te sobra? Vendedor de livros? De penas? De artefatos de quadribol? Ou quem sabe, jogador de quadribol? – ele fez a última pergunta muito pausadamente, e senti alguém prendendo meu estômago. – É, a última opção parece te agradar mais, não é? – virando-se novamente para me olhar. Ao ver que eu não sabia o que responder, ele sorriu. – Acho ótimo! Ótimo! Excelente! Um filho na Copa do Mundo de Quadribol!!! Uau! Que pai nunca sonhou em levar o filho em todos os jogos de quadribol do time que ambos torcem? E se quer saber de uma coisa, você vai ser um ótimo jogador! Te vi jogando esses dias...
SB: Quando?
IS: Eu estava aqui a negócios com Máxime e ocasionalmente fiquei sabendo de um jogo de quadribol com olheiros de times espalhados na arquibancada. Resolvi ficar para assistir, quando soube que era da Nox. Eles elogiaram muito você! Falaram até de uma vaga no Caerphilly Catapults...

Me levantei de um salto. Não conseguia acreditar no que estava ouvindo. Estava tentando me decidir o que era mais estranho: meu pai estar me contando aquilo em tom de quase orgulho, ou o fato de parecer extremamente real.

SB: Você está falando sério?
IS: É, acho que sim... Eles iam te comunicar em breve, mas pedi que deixassem essa tarefa para mim. Então... Vai ou não vai para o país de Gales? – ele abriu os braços, e me deu um abraço longo, feliz. – Acho que devo te dar os parabéns, não?

Saímos do escritório algum tempo depois. Estava tentando me decidir o que fazia primeiro... Pular, cantar, dançar? É claro que depois de tudo meu pai teve que se mostrar mais firme para falar sobre a minha situação. Disse que depois da viagem de formatura, nós seríamos convocados para uma assembléia no Ministério, e que enquanto isso era para eu ficar totalmente fora de confusões. Principalmente relacionadas ao lobo. Ele nem precisaria pedir isso. Tudo o que eu mais queria no momento era terminar meu ano letivo o melhor que pudesse, aproveitar cada último momento de Beauxbatons, tentar salvar o campeonato para a Nox, apresentar logo a peça de teatro e ir embora para o País de Gales, começar vida nova bem do jeito como eu sempre quis...

É preciso amar as pessoas como se não houvesse o amanhã
Porque se você parar para pensar, na verdade não há...

Sou uma gota d’água, sou um grão de areia
Você me diz que seus pais não lhe entendem
Mas você não entende seus pais.
Você culpa seus pais por tudo, isso é absurdo...
São crianças como você!
O que você vai ser quando você crescer?

°°°
N.A: Música- Legião Urbana, Pais e Filhos.

Thursday, March 15, 2007

Amigos, amigos, brincadeiras à parte

Por Ian Lucas Renoir Lafayette

Estava cumprindo detenção por brigar com Antoine no meio da aula de Poções e limpava a sala de troféus da escola, já tarde da noite. A verdade era que eu poderia ter terminado isso há horas atrás, mas estava levando mais tempo do que o necessário para polir cada troféu e esfregar o chão. Não estava com sono, não tinha dever para fazer e não sentia a menor vontade de voltar para o dormitório. Só preferia passar o tempo fora dele vagando a toa pelos corredores do que com um esfregão na mão.

Olhei no relógio e já era quase meia noite. Acho que podia parar de enrolar e ir dormir, em alguns minutos Gerard apareceria na porta querendo saber se havia sido engolido pelo balde de água suja. Peguei minhas coisas no fundo da sala e quando virei, deixei a mochila cair com o susto que levei. Parado bem na minha frente, bloqueando a passagem, estava ele. O lobo. Era um aluno, tinha certeza disso. Ele era da minha altura, tínhamos o mesmo porte físico. Ameacei correr e ele se mexeu, indicando que não me deixaria passar. Só então que percebi que ele segurava em uma das mãos o mesmo punhal apreendido pela diretora.

Eu não tinha muita escolha. Se ficasse parado ele me matava e se corresse, ele também poderia me matar. Mas correndo ao menos teria uma chance de escapar. Fiz como quem não ia resistir e quando ele se aproximou, joguei meu corpo contra o dele e corri para fora da sala, aproveitando que o baque fez ele cair. Mas ele logo se levantou e veio atrás de mim pelos corredores. Eu ia derrubando tudo que tinha no meu caminho na esperança dele tropeçar ou se machucar, e assim o retardar um pouco para que eu tivesse chance de chegar até a Sapientai. Mas nada o atingia e ninguém parecia ouvir o barulho nos corredores, pois nem sequer um professor apareceu para me socorrer.

Já estávamos no 5ª andar quando ele me alcançou e nos embolamos no chão. Tentei tirar sua máscara, mas ele devia ter pensado nesse detalhe antes e a selou no rosto com um feitiço, de maneira que eu não consegui arrancá-la. Consegui chutar o punhal para longe e com isso acertei seus dedos. Sabia que havia o machucado, pois ele saiu de cima de mim quando o punhal voou e apertou a mão que recebeu o chute com a outra livre, gritando de dor. Aproveitei o momento para correr e dessa vez ele não conseguiu me alcançar. Em poucos segundos já estava na entrada da Sapientai e entrei disparado até o dormitório, fechando a porta com violência quando passei por ela. Bernard não estava no quarto, mas como ele havia dito que ia encontrar a Bel essa noite não dei importância e afundei na cama, não pregando os olhos por um longo tempo.

ººº

Levantei cedo na manha seguinte, mal consegui dormir a noite. O lobo era um aluno, agora estava obvio, e ele podia ser de qualquer casa, até mesmo da Sapientai. Logo, dormir não era mais seguro. Ainda estava muito cedo, pois pouquíssimos alunos circulavam pelos corredores. Entre eles meu primo Michel. Ele estava sentado sozinho na mesa da Fidei e fui até ele. Sua cara não era das melhores.

- Que cara é essa?
- Não tive uma noite muito agradável – Michel respondeu irritado
- Junte-se ao clube! A minha também não foi muito boa... O que aconteceu na sua?
- O lobo, ele me atacou!
- O QUE?? - Michel saltou do banco com meu grito e me olhou assustado – Que horas foi isso??
- Não lembro, mas já estava tarde, acho que meia noite. O que foi, Luke?

Levantei depressa e comecei a andar de um lado para o outro. Como o lobo pode ter atacado ele, se ele também me atacou? Ou ele pode estar em dois lugares ao mesmo tempo, ou são duas pessoas...

- LUKE! O que aconteceu? – Michel gritou e sentei outra vez, falando baixo
- Ontem eu também fui atacado pelo lobo... Por volta de meia noite!
- Mas como pode isso? Ele não pode estar em dois lugares ao mesmo tempo
- Exatamente... Onde você estava quando foi atacado?
- Na biblioteca
- A biblioteca fecha às 22hs
- Bom, eu não estava exatamente lendo um livro. Estava com a Isabella quando ele apareceu. Senti falta da minha mochila quando ia sair e voltamos para pegar, foi quando o encontramos. Ele nos perseguiu pelo meio das estantes, fizemos a maior bagunça atirando livros nele, mas nenhum o atingiu. Mas tinham tantos no chão que conseguimos correr antes que ele os pulasse. E você, onde estava?
- Na sala de troféus, 4 andares acima de você... Ou ele pode aparatar aqui dentro, ou não temos um maníaco só...
- Está dizendo que são dois assassinos?? Ah ótimo, como se já não estivesse difícil capturar um só!
- Não, não acho que temos dois assassinos, mas sim dois amigos bem sacanas...
- O que quer dizer com isso?

Mas já não estava mais ouvindo Michel falar. Os alunos começavam a entrar no salão principal para o café da manhã e minha atenção se prendeu em Samuel. Ele vinha carregando a mochila em um ombro só e na outra mão seus livros. Mas ele fazia careta segurando eles, como se estivessem muito pesados ou algo estivesse dificultando carregá-los, como, por exemplo, uma mão machucada.

- Não posso afirmar que os dois lobos eram falsos, mas um deles era, com toda certeza
- E como pode afirmar isso com tanta convicção?
- Porque ontem eu chutei a mão do que me atacou, e hoje o Samuca aparece com ela inchada. Coincidência? Eu acho que não!
- Er... Luke? Não quero quebrar a sua teoria, mas olha para trás...

Olhei na direção onde Michel apontava e não acreditei no que vi. Vários alunos, muitos mesmo, estavam com as mãos enfaixadas. Foi então que me lembrei que na aula de Botânica do dia anterior, quase toda a turma do 7º ano teve que ir para a enfermaria por causa de um pus venenoso de uma das plantas, todos com as mãos inchadas e cheias de bolinhas. Senti-me frustrado, mas a sensação passou assim que uma idéia passou pela minha cabeça.

- Ok, não posso dizer quem foi, mas sei que um deles era falso!
- Sim, nisso concordo com você. Mas como descobrimos quem é?
- Simples. Como não podemos saber qual dos nossos amigos é um amigo da onça...

Michel levantou a sobrancelha intrigado, mas logo abriu um sorriso diabólico igual ao meu, entendendo aonde queria chegar. Se não se sabe em quem atirar, mande as flechas para todos os lados...

Wednesday, March 14, 2007

Corra que o bicho vem aí!

Anotações de Ty McGregor

Deixei Rory na sala da Emily para cumprir sua detenção e fui à direção sala de estudos no quinto andar para encontrar meus amigos. A ordem era que andássemos em grupos e como eu tinha que terminar um trabalho de Botânica com Gabriel e Miyako combinamos de nos encontrar lá. Cheguei e já havia vários livros espalhados na nossa mesa e Gabriel, Miyako já folheavam alguns, enquanto Griff resmungava:
- O Seth devia estar aqui, e não em casa aproveitando a vida mansa...
- O tio Lu deve estar transformando seu irmão num gladiador. Você sabe como são estes treinos. – respondi sentando-me.
- Cara você demorou, da próxima te dou uma bússola, para não perder o caminho. – reclamou Griffon.
- Considerando com quem ele estava ele foi rápido rsrsrs. - Miyako ajudou.
- Ah qual é? Só atrasei 5 minutos. A Rory foi cumprir detenção com a Emily. E tinha um auror lá conversando com a minha irmã, tivemos que esperar. Griff você ta precisando de uma namorada para melhorar o seu humor. – comentei e Griff ficou vermelho. - Miyako enfiou a cara no livro para rir.
- Por mim não tem problemas seu atraso, acabei de chegar também. - disse Gabriel e ele completou: A Mad está numa reunião de garotas, dá pra imaginar isso?
- Apavorante! E você Mi? Onde está o Sávio?
- Nem imagino... – como continuássemos olhando pra ela sem acreditar ela respondeu:
- Está fazendo um trabalho para a Milena. Quase disse a ele para não se dar ao trabalho, porque ela sempre dá nota baixa, mas se não entregar é pior. E eu queria ficar um tempo com vocês. - Olhei para Gabriel e ele tinha um sorriso maroto no rosto, enquanto dizia:
- O pato está afundando....Glub, glub, glub....- depois de nos provocarmos um pouco, abrimos os livros e nos concentramos.
Após o que me pareceram horas, consegui terminar meu pergaminho, e suspirei de alívio.
- O que vamos fazer agora? Ainda tá cedo par dormir. - Griffon perguntou.
- Podemos dar uma volta pelo castelo. - disse Mi.
- Está perigoso fazer isso, depois da morte do Pierre. Os monitores que rondam hoje têm ordens de distribuir detenções e nem vão ter que passar ao Vieira. - respondeu Gabriel.
- E desde quando isso nos impediu de andar pelo castelo á noite? Estamos em quatro. O máximo que pode acontecer é o tal lobo ter que tirar no cara e coroa para decidir qual nós ele vai levar.
- Ty não brinca com isso. Esta história me amedronta. Coitado do menino que morreu.
- Eu também tenho medo, Mi. Mas não vai ser um cara revoltado porque ta encalhado que vai me intimidar.
- Você e sua mania de simplificar as coisas... Já são duas mortes e não há pistas do assassino. - disse Gabriel.
- Recuso-me a deixar que este cara tenha o controle sobre minha vida. Pelo menos isso eu tenho que controlar e no fundo você pensa como eu. Além de que precisamos terminar aquele mapa para nossa segurança.
Ele assentiu e começamos a verificar algumas anotações sobre passagens pelo castelo. Volta e meia tínhamos que nos esconder dos aurores ou dos monitores, e numa destas vezes ouvimos passos vindo ao nosso encontro e corremos para trás de uma estátua enorme de um unicórnio no terceiro andar. Nos amontoamos tanto que pés ou braços de alguém seria visto.
- Ai meu Mérlin, vai ser detenção das grandes. - cochichou Miyako e o impensável aconteceu: a estátua se moveu mostrando uma escada. Não tivemos tempo de pensar: descemos por ela rápido. Griif foi o último a entrar e ela se fechou sobre nossas cabeças. Ficamos ouvindo e logo os passos sumiram. Respiramos aliviados.
- Acho que já podemos iluminar isto aqui. – disse Gabriel e antes que pegássemos nossas varinhas tochas nas paredes se acenderam, iluminando a escadaria. Trocamos olhares e o consenso foi geral: estávamos em mais uma das passagens do castelo. Gabriel puxou o bloco de anotações do bolso e ia anotando tudo que falávamos enquanto descíamos as escadas e entravamos num corredor que dava para duas pessoas passarem lado a lado. Começamos a andar e comentei:
- Estamos indo para o Sul.
- Já anotei aqui. – Caminhamos por um bom tempo até que chegamos a uma porta entalhada com folhas e uma arvore estranha. Já a havia visto em algum lugar, mas não me lembrava de onde.
- Deixa ver se é seguro sair. – me projetei e atravessei a porta e logo voltava a entrar no meu corpo:
- Estamos perto dos jardins, naquela parte cheia de rosas, e não há ninguém por ali. Saímos pela porta e ficamos ali pelos jardins enquanto Gabriel fazia as anotações para o mapa. Tudo ia bem, até que ouvimos algo...
Miau...
E havia um gato gordo e com um laço de fita nos encarando:
- Este bichano é quem estou pensando?- disse Miyako.
- Não. Este é jovem, Napoleão era bem velho. Não faça isso Ty... - respondeu Gabriel apavorado enquanto eu me abaixava e o gato vinha ao meu encontro.
- É uma gata. E o nome dela é Maria Antonieta. Pela originalidade do nome sabemos a quem pertence, não? – comentei enquanto coçava atrás das orelhas dela e ela começou a ronronar contente.
- Você tem alergia a gatos Gabriel?- perguntou Griff e ele respondeu:
- Não, mas toda vez que o Ty encontra um dos gatos de madame Máxime, alguma coisa ruim acontece. Já fizemos um funeral egípcio com Napoleão. Só espero não ter que encenar a queda da Bastilha aqui. - e começamos a rir enquanto andávamos pelos jardins nos afastando do castelo e a gata nos seguia. Ficamos por ali mais de meia hora e arrancamos muitas risadas do Griff ao contar sobre o funeral do gato. E as nuvens cobriram a Lua, quando nos sentamos para ler as anotações do Gabriel. De repente a lua iluminou tudo e a gata ficou estranha e fez um barulho com os pelos eriçados e ostrando as garras:
Sssssssssss.
- O que ela tem? O que você fez Ty?- perguntou Miyako alarmada.
- Não fiz nada. Tô do seu lado esqueceu?
- Ela viu alguma coisa... - e antes que Griff saísse do lugar todos vimos o que deixou a gata nervosa. E ela vinha andando para trás e se aproximou de mim. Abaixei-me sem desviar os olhos e a segurei no colo
Um lobisomen vinha em nossa direção caminhando bem devagar.
- Calma... Calma... - Não sei se Gabriel dizia isso para a fera ou para nós.
Começamos a andar bem devagar para trás e o lobisomem acelerou o passo para atacar, Griff gritou:
- CORRE!
E começamos a correr desesperados e a fera atrás de nós, dava pra sentir que ele nos alcançaria e gritei:
- Vou distraí-lo. - e fiz uma projeção astral ficando parado, enquanto meu corpo físico corria junto com eles. A fera pareceu ficar desnorteada e parou encarando meu corpo astral. Ficamos nos encarando por alguns segundos e comecei a ir na direção da floresta sempre o encarando nos olhos. Ele pareceu ficar em dúvida sobre me seguir ou não e gritei:
- Que foi bobão, tá com medo? – e joguei uma pedra nele acertando sua pata, e ele veio correndo pra cima de mim furioso. Senti que entrávamos no castelo pela mesma porta que saímos e disse:
- Sinto muito amigão. Nossa corrida fica para um outro dia. - e desapareci.
Voltei rápido ao meu corpo e ainda segurava o gato e eu me sentia gelado.
- Cara você tá bem?- Griff perguntou preocupado e Gabriel revirava as vestes atrás de alguma coisa. Achou e me entregou. Era um pedaço de chocolate:
- Ty, coma isto. Você ficou muito tempo longe. - mastiguei o chocolate rápido e comecei a me sentir melhor.
- Agora você pode soltar a gata Ty. Já estamos seguros.
- Acho melhor não.
- Por quê? Vai adotá-la? Coitadinha... - comentou Mi dando risada, mas logo parou ao ver minha cara.
- Eu acho que... Que matei a gata. - e levantei o corpinho imóvel do bichano.
- Como você fez isso de novo? – disse Gabriel com a voz esganiçada.
- De novo o caramba, nunca matei nenhum gato antes. - respondi bravo. - Eu acho que a apertei demais, só controlei o corpo para correr, não prestei atenção ao restante. Mas acho que ela ainda ta viva, tô sentindo uma coisa bem fraquinha.
- Me dá ela aqui. - disse Griff e pegou a gata da minha mão, deitou-a no chão e colocou as mãos sobre ela, muito concentrado. Pareceu que ele entrava em transe: seus olhos assumiram um brilho intenso e de suas mãos saiu um brilho dourado por alguns segundos, enquanto ele recitava algumas palavras numa língua desconhecida. A gata começou a se movimentar agitada e logo saiu correndo. Griff voltou ao normal e nós olhávamos para ele:
- Er... Ahnn... Coisas de família sabem como é... – e ele parecia desconfortável e eu disse a primeira coisa que me veio à mente.
- Tudo bem, não precisa explicar se não quiser. Você me livrou de ter que fazer um funeral digno de uma rainha. E acho que nem temos brioches na cozinha. - começamos a rir, enquanto caminhávamos para nossos dormitórios lembrando todos os lances de nossa pequena aventura.

Friday, March 09, 2007

Fora de rumo

Por Ian Lucas Renoir Lafayette

- Devolve, Ian, por favor
- Vai ter que implorar mais, Regalski...
- Estou pedindo com educação, devolva meu diário
- Ele escreve em um diário! – Samuel soltou uma gargalhada alta – Que coisa mais gay, Regalski!
- Vamos ver o que o Dave escreve... – Dominique tomou o diário de minha mão e o abriu – Que confidencias será que ele tem?
- Será que gosta de alguma menina da escola? Ou quem sabe de um menino? – Viera arriscou arrancando risos
- Devolve! São minhas anotações, vocês não têm o direito de ler! – Dave saltou tentando puxar o caderno verde da mão de Dominique, mas ele o atirou para Samuel, que por sua vez atirou para Michel
- Chega gente, deixem-no em paz – Michel parou de rir e estendeu o diário a Dave – Toma, guarda ele no dormitório, é mais seguro

Dave passou depressa pelas cadeiras abraçado ao diário, esbarrando em tudo pelo caminho. Quando passou pela mesa de Viera ele pôs o pé na frente e ele tropeçou, caindo por cima de uma das mesas. A mochila de Samuel caiu com o baque e um barulho de metal se chocando com o chão chamou nossa atenção. Um punhal de aspecto antigo jazia no chão, tendo caído da mochila do meu amigo. Olhamos todos para ele desconfiados, mas Samuel tinha uma expressão tão confusa quanto a nossa.

- O que está acontecendo aqui? – Sir Shaft pareceu finalmente ter a atenção na bagunça que tomava conta do fundo da sala e se aproximou – De quem é isto?

Ele havia abaixado e apanhado o punhal do chão, o analisando. Ninguém respondeu a pergunta, todos sem saber exatamente o que responder. Foi Dave, como forma de vingança, que quebrou o silencio.

- Caiu da mochila do Samuel, Sir Shaft
- Monsieur Berbenott, essa afirmação é verdadeira?
- Bom, é, mas... Eu não sei como isso foi parar na minha mochila! Não é meu!
- Monsieur Lestel?
- Sim professor – Bernard ficou de pé depressa
- Está responsável pela turma em minha ausência. Monsieur Berbenott acompanhe-me.

Samuel pegou o material e saiu de sala com o professor, não retornando pelo resto dela. Quando Sir Shaft voltou, estava sozinho e foi apenas para nos liberar. A primeira coisa que fizemos foi correr até a sala da Maxime, sabendo por certo que Samuel estaria lá. Ele estava saindo dela no instante em que chegamos e fez sinal para que fossemos para os jardins, para que não fossemos ouvidos por curiosos.

- Pierre Chirac está morto – ele disse finalmente, quando já estávamos perto do lago
- Quem morreu?? – perguntei sem entender, mas as expressões de choque de meus amigos logo me fizeram lembrar. Era o menino seqüestrado
- Tem certeza disso? – Bernard perguntou
- Absoluta. Madame Maxime disse que encontraram o corpo dele no vilarejo vizinho, do mesmo jeito em que estava o daquela trouxa que morreu – Samuel fez uma pausa antes de continuar – as marcas na roupa dele, os rasgos, são idênticos às serras do punhal que caiu da minha mochila.
- Não está dizendo que acham que foi você, não é?? – Marie tapava a boca com as mãos enquanto falava
- Não me acusaram de nada diretamente, mas queriam saber onde tinha conseguido aquilo
- E o que respondeu?
- A verdade. Que alguém o colocou lá. Sejam sinceros: qual de vocês fez isso?
- Er, Samuca, ninguém colocou ele na sua mochila – Viera falou e concordamos com ele
- Qual é gente, isso é o tipo de brincadeira que faríamos! Se não foram vocês, quem foi?

Ficamos todos em silencio, e apesar de não termos dito nada, sabia que todos estávamos pensando na mesma coisa. Foi ele, o lobo. Primeiro ele atacou o Bernard, depois destruiu o quarto do Viera e agora tentara incriminar Samuel pelo crime que ele cometeu. Ele estava indo atrás de um por um, e queria nos colocar uns contra os outros.

- Droga, e agora? – Samuel falou irritado
- Agora mais do que nunca, temos que pegá-lo. É autodefesa! – e Dominique recebeu o apoio de todos

Nos entreolhamos receosos e pensativos, todos com o mesmo medo e a mesma duvida: quem ele atacaria agora?

Tuesday, March 06, 2007

Shakespeare, apaixonado...

Lisandro: Porém, Hérmia, escuta-me: a sete léguas, só, de Atenas mora minha tia, uma viúva muito rica que, por filhos não ter, me considera seu herdeiro exclusivo. Em casa dela, minha Hérmia encantadora, poderemos casar-nos, por ficarmos, então, fora das rigorosas leis dos atenienses. Se me amas, foge da mansão paterna na noite de amanhã... – Ah não professor, mansão paterna???

Parei de ler o texto na hora, indignado. Era a coisa mais ridícula que eu já tinha lido na vida, e só de pensar em fazer uma interpretação medieval com aquelas falas, o arrependimento de ter concordado com essas aulas de teatro se apossavam de mim. A turma inteira começou a rir, inclusive Anne, que estava na minha frente.

- Monsieur Stardust, gostaria que fostes um pouco mais educado. Essa linguagem rica em sentidos líricos pertence exclusivamente ao perfil de Willian Shakespeare, o maior dramaturgo da história da humanidade!!! – ele disse isso em voz reprovadora. – Agora, será que dá pra continuarmos o ensaio???

Olhei para Anne, que ainda mantinha um sorriso cômico no rosto, e ela levantou os ombros como se dissesse “e temos outra opção?”. Pigarreei e continuei a ler, me forçando para não mandar Shakespeare e sua linguagem lírica para os infernos. Anne abaixou o texto na hora de falar, já o tinha de cor. Abriu um sorriso meigo, encarnando a personagem, e disse cada palavra me encarando.

Hérmia: Meu bondoso Lisandro, eu juro pelo mais potente arco do deus Cupido, por sua seta melhor de penas de ouro, pelas meigas pombas de Vênus, pelo que une as almas e confere ao amor virentes palmas, pelas chamas em que se abrasou Dido após abandoná-la o Teucro infido, pelas juras que a todos os instantes violado têm os homens inconstantes, mais do que nume-rosas, infinitas, do que as que foram por mulheres ditas: amanhã, sem faltar, no grato abrigo de que falamos, estarei contigo.

Ela deu uma pausa, e a primeira reação depois disso partiu do professor Armand, que começou a bater palmas entusiasticamente.

- MA-RA-VI-LHO-SO! Senhorita Renault, parabéns! Olhe, estou arrepiado. – mostrando o braço.

Abaixei a cabeça para não rir, e pela cara que Anne fez, ela também estava se segurando.

- Excelente! Acho que por hoje está bom, pessoal. Monsieur Stardust, quero o texto decorado aula que vem. Boa noite!

A turma começou a sair em bandos da sala, comentando sobre o ensaio e a peça, cada dia mais próxima. Fui até o fundo pegar minha mochila, Anne me seguiu, recolhendo a dela.

SB: Então... Como vai sua cabeça? – perguntei em um tom de quem ainda se sente culpado, e ela sorriu.
AR: Está bem. Não foi suficiente para arrancá-la do pescoço!
SB: AH, fica para a próxima vez, então... Tento um balaço!

Nos encaramos em um breve segundo e ela riu. Saímos andando juntos da sala.

AR: Agora que estamos longe... Shakespeare era um tolo! Só uma pessoa muito desacreditada do amor, escreve coisas tão estendidas. Olha a fala da Hérmia, por exemplo... Ela se sente na necessidade de jurar por Deus e o mundo que ama Lisandro, para não deixar dúvidas de que o ama. Quer dizer, era só ela dizer: “Lisandro, eu te amo, e eu vou fugir com você”! Certo? Não precisava jurar “pelo mais potente arco do Deus Cupido” e por aí vai... – olhei para a cara dela, e caímos na gargalhada.
SB: Eu tenho uma outra visão sobre Shakespeare, O apaixonado... Não acho que ele era “desacreditado” do amor. Acho que ele amava quem não devia amar!
AR: Ih, mulher casada? – Anne perguntou com interesse, como se eu fosse o dono da história de amor que Shakespeare podia possuir.
SB: Não, outro homem!!!

Ela parou de andar me encarando, e então começou a rir incontrolavelmente. Quando conseguiu parar, enxugou os olhos respirando fundo.

AR: Acho que preciso comer alguma coisa... Não jantei, e gastei todo o estoque de energias extras rindo. Vou até a cozinha.
SB: Se não se importar, minha adorável Hérmia, poderia eu lhe acompanhar até soberbo recinto? – perguntei, fazendo uma breve referência. Anne sorriu, e segurou os dois lados da saia, dobrando os joelhos um pouco e retribuindo o cumprimento.
AR: Amado Lisandro, juro pelas meigas pombas de Vênus, que nada me daria mais prazer do que ter vossa companhia para um “boca livre” noturno!
SB: Sem juramentos, por favor! Vamos logo antes que nos denunciem como loucos em potencial...

Saímos rindo e fomos até a cozinha. Anne não era do tipo devastadora de jantares, então, alguns minutos depois, empurrou o prato, tomando um gole de suco.

SB: Já acabou??? – falei terminando de engolir o último pedaço de torta de limão. – Você não precisa de dietas, sabia?
AR: Ah, todas as mulheres sempre acham que uma dieta a mais cai bem... – rindo. – Mas não, não estou fazendo dietas... É que fico sem jeito de comer na frente dos outros.
SB: Ta brincando né???
AR: É claro que sim! Você acha mesmo que se eu fosse do tipo gulosa, teria vergonha de comer na sua frente? Comer é a melhor coisa que existe!!!
SB: Verdade! – disse empurrando meu prato.

Ficamos em silêncio uns minutos, sentindo o peso da comida, quando o relógio bateu onze horas da noite, e instantaneamente, nós dois nos viramos assustados.

SB: Já??? Temos que ir! Não podemos mais andar pelo castelo hora dessas... Eu te acompanho até a Sapientai. – disse quando já estávamos quase alcançando a escadaria para as casas.
AR: Não precisa. Eu grito se ver qualquer coisa...
SB: Ah não... Soube que tem um lobo mau indo atrás das mocinhas inocentes. Eu te acompanho!

Fomos andando depressa pelos corredores até alcançarmos a porta da Sapientai. Parei ofegando, e Anne me olhou sorrindo.

AR: Obrigada, pela companhia e tudo o mais...
SB: Não há o que agradecer.
AR: Então... Até mais?
SB: Até mais.

Ela se aproximou e me deu um beijo no rosto, sorrindo. Fiquei vendo ela entrar, e depois sem tanta pressa, voltei para a Nox.

Thursday, March 01, 2007

Planos em longo prazo

Das lembranças de Ian Lucas Renoir Lafayette

- Acha mesmo que isso funciona, Luke?
- Sim, eu li em um livro que você pode compartilhar seus sonhos com outra pessoa, mas não consigo fazer!
- Talvez não seja necessário isso...
- Como assim?
- Semana passada eu acordei assustado, depois de um sonho esquisito... – Michel parecia incerto de contar – Eu ouvia as mesmas coisas que você, só que...
- O que meus netos já estão tramando?

A voz grave do vovô nos fez saltar e olhamos espantados para ele, parado no meio do gramado do castelo. Era um sábado e Michel e eu estávamos sozinhos conversando, confabulando sobre algumas coisas, e a ultima coisa no mundo que esperávamos era receber a visita de nosso avô.

- Estão com as agendas cheias hoje? – vovô falou animado
- Nada para fazer em um sábado ensolarado – respondi sem entender ainda
- Ótimo. Quero que venham comigo, vamos dar um passeio
- Ahn, vovô... – Michel me encarou confuso e depois se virou para ele – não acho que podemos sair da escola sem a autorização da diretora
- Não se preocupem quanto a isso, já falei com madame Maxime, ela me autorizou a tirá-los da escola por hoje. Estarão de volta antes do jantar. Agora vamos, estamos perdendo tempo!

Ainda não compreendíamos o que vovô tinha em mente, mas obedecemos sem questionar e o seguimos para fora do castelo. Ele era a única pessoa que conseguia esse feito de Michel e eu: obediência sem questionamento. Quando já estávamos do lado de fora dos terrenos, no vilarejo vizinho, ele nos deu um papel com um endereço e pediu que aparatássemos até lá, pois ele faria o mesmo.

A principio não reconheci o endereço, mas assim que aparatei na calçada e dei de cara com aquela construção antiga, lembrei. Estava em frente ao Ste Napoléon. Vovô aparatou logo atrás de mim e tinha um sorriso satisfeito no rosto. Ele indicou a porta principal e entramos com ele na frente.

Logo na entrada tinha um balcão com dois recepcionistas, que preenchiam fichas e encaminhavam pacientes com os mais variados problemas para os setores correspondentes. No canto tinha uma placa indicando onde cada área se encontrava e meus olhos bateram direto na ala de danos causados por feitiços desconhecidos. Será que vovô me trouxe aqui para descobrir o que afinal aconteceu comigo?

- Vamos – ele nos empurrou em direção ao elevador – O hospital é grande e não temos o dia inteiro
- O que viemos fazer aqui, vovô? – Michel resolveu perguntar de vez
- Quero que vocês conheçam o hospital, afinal, eu sou o diretor dele e quero que meus netos conheçam o que será deles

Meu primo e eu nos entreolhamos e entramos em um consenso silencioso de não questionar mais nada, apenas acompanhar o vovô. Passamos o ia inteiro com ele, percorrendo cada canto do hospital. Ele nos mostrou todas as alas, lemos fichas de pacientes, conversamos com alguns deles, fomos apresentados a quase todos os funcionários e conhecemos toda a banca que comandava a equipe, incluindo Jacque Dubois, o vice-diretor do Ste Napoléon.

- Muito cuidado com ele – vovô falou quando deixamos sua sala – Ele quer tomar o meu cargo há anos, está apenas esperando que eu morra
- E por que não o demite, vovô? – era o mais lógico a se fazer, então o questionei
- Porque ele é um dos melhores curandeiros que existem. Esperem por mim aqui, preciso conversar com uma pessoa, mas não demoro.

Vovô nos deixou dentro da sua sala e saiu apressado. Michel começou a andar de um lado para o outro na sala e aquilo estava me desconcentrando, então o deixei lá dentro e fui andar sozinho. Vovô devia estar perdendo o juízo de pensar que Michel e eu conseguiríamos dar conta de um hospital inteiro sozinhos. Desci até a ala que tratava de acidentes com criaturas mágicas e o tal Dubois estava lá, perambulando à toa. Ele vinha carregando uma bandeja cheia de vacinas e vidros com poções, o nariz em pé e aquele ar de superioridade que normalmente os aurores assumem e que tanto me irrita. Não sei porque fiz isso, mas agi por impulso. Quando ele passou por mim, estiquei o pé. O homem voou longe e as vacinas e vidros de poções se espalharam por todo o corredor. Minha gargalhada logo denunciou que eu era o culpado e meu avô surgiu do nada, me agarrando pelo cotovelo e me rebocando para longe da confusão. Ele vinha me arrastando pelos corredores do hospital sem falar nada e só parou quando já estávamos outra vez em sua sala.

- Michel, saia, por favor – e me empurrou para cima da cadeira. Michel saiu sem nem contestar
- Calma vovô, foi só brincadeira! – tentei me defender – Ele nem se machucou!
- Você precisa crescer, Lucas!
- Mas pra que vovô? O mundo já é por demais amargo e se todas as pessoas se tornarem sérias, tudo vira uma chatice!
- Você precisa crescer, para que incidentes como o do feriado de páscoa não se repitam!
- Aquilo foi uma burrice, lhe garanto que não tornara a se repetir.
- Já passou da hora de você encarar as coisas com um pouco mais de seriedade. Estou velho, não tenho muito tempo de vida e o que vai ser dos meus negócios se meu neto insiste em agir como se tivesse 13 anos?
- Que historia é essa de ter pouco tempo de vida?

Ao completar a frase, uma sensação esquisita tomou conta de mim. A péssima sensação de Deja Vu... Já ouvi aquele diálogo, já tive essa conversa com o vovô. Tenho certeza que já disse essas palavras!

- Preste atenção, Lucas – vovô tinha um ar sério e temeroso e aquilo me assustou – Seu avô não vai durar para sempre, e você e Michel são meus únicos netos. As mães de vocês escolheram seguir carreira de auror, mas vocês optaram por serem medibruxos, como toda a geração da família. Quando eu morrer, vocês vão herdar tudo isso, e quero me certificar que os pacientes e equipe estarão em boas mãos. Quero morrer em paz, sabendo que vocês irão manter a tradição da família Renoir. Quero que quando vocês morrerem, o quadro de vocês fique ao lado do meu na parede daqui, e que vocês estejam deixando tudo a seus filhos ou netos. Esse hospital não pode ficar sob os cuidados de Jacque Dubois, em hipótese alguma! Prometa que vai crescer, prometa que vai ser mais responsável.
- Sim, eu prometo – falei quase gaguejando, sem nem ter tempo de refletir sobre isso
- Vou levá-los de volta a escola, ande

levantei da cadeira ainda assustado e segui vovô sem dizer mais nenhuma palavra. De fato, não falei mais nada até que já estivéssemos de volta a Beauxbatons. Michel também vinha calado, e sabia que ele estava curioso com o que vovô tinha conversado comigo. Ele nos deixou na entrada do castelo e se despediu, desaparatando. Michel no mesmo instante se virou para mim e perguntou o que tinha acontecido. Depois de relatar com detalhes o que vovô tinha em mente para o nosso futuro, ele se lembrou do sonho que estava me contando de manha, mas novamente fomos interrompidos. Dessa vez por gritos furiosos vindos da passagem para a Nox. Corremos até lá e nos deparamos com um Viera muito irritado. Dominique estava ao seu lado e parecia assustado. Entramos devagar e olhamos em volta. O quarto estava uma bagunça, tudo revirado, coisas quebradas, mas somente o lado do Viera. Na parede, a máscara do lobo pregada e uma escrita com tinta vermelha, que brilhava e chamava nossa atenção: ‘Quem brinca com fogo, pode se queimar’