"O homem pode suportar as desgraças, elas são acidentais e vêm de fora. O que realmente dói na vida é sofrer pelas próprias culpas."
Oscar Wilde
- Bianca, mais atenção! Desçam as vassouras!
A voz enérgica de PJ me fez voltar à realidade e empinei a vassoura para baixo, vendo a goles cair lentamente bem longe do aro por onde deveria ter passado. Philipe e Kwon já haviam desmontado de suas vassouras e esperavam ao lado de PJ. Desde que havia retornado de Saint-Tropez e agora com Philipe e Kwon de volta a Mônaco para ajudar, PJ marcava treinos diários e duradouros. Era cansativo, a noite mal conseguia terminar o jantar e já estava desmaiada na cama, mas não havia reclamado uma única vez. Manter-me ocupada com os treinos durante boa parte do dia, e na companhia de Philipe, me mantinham longe de Kalani e sem tempo para pensar no que havia acontecido.
Kalani e eu havíamos chegado a um acordo de poucas palavras de nunca mais tocar naquele assunto e esquecer o que aconteceu, agir como se nossa viagem a Saint-Tropez tivesse terminado com a minha rápida aula de surf, o que viesse depois dela não tinha acontecido. Era um acordo excelente pra mim, pois não tinha a menor pretensão de contar a Philipe sobre aquilo. Havia sido um momento de fraqueza, do qual eu ainda não consigo explicar meu comportamento, e que agora fazia parte do passado.
- Onde está com a cabeça hoje, Bia? – PJ começou a esbravejar assim que cheguei até eles – O aro estava bem na sua frente e atirou pro lado!
- Desculpe, me desconcentrei por um instante – tentei me justificar.
- Um erro desses pode lhe custar uma vaga em qualquer time.
- Dê um tempo a ela, PJ – Philipe me defendeu – Estamos treinando há horas e amanhã voltamos a Beauxbatons, estamos todos meio desconcentrados hoje.
- Isso não é desculpa, mas vou deixar passar porque prometi ao pai de vocês de estaria no campo uma hora antes do treino da liga infantil e isso me dá 5 minutos para chegar lá – PJ consultou o relógio e largou o cronometro na mão de Kwon – Até o jantar.
PJ desaparatou no mesmo instante e Kwon guardou o cronometro no bolso, se despedindo dizendo que ia para casa tomar banho e depois acompanhar o treino da liga infantil pelo resto da tarde. Philipe me abraçou animado pelo treino ter terminado e voltamos para a minha casa. Ele agora passava o tempo inteiro aqui, e eu não reclamava pelo fato de também não passarmos um pouco do tempo livre na sua casa, ficar aqui evitaria situações constrangedoras. Minha mãe havia preparado uma enorme mesa para o lanche da tarde e Eugene já estava ocupado com os diferentes tipos de doces espalhados na mesa. Agora que já tinha 11 anos e ia para Beauxbatons, não fazia mais parte da liga infantil de quadribol de Mônaco, o que pra ele significava apenas uma coisa: estava livre da dieta equilibrada imposta pelo nosso pai.
Nosso embarque de volta para a escola era na manhã do dia seguinte e Eugene não poderia estar mais animado. Já tinha feito e desfeito a mala várias vezes para se certificar de que não estava esquecendo nada e passava o dia inteiro nos enchendo de perguntas sobre o castelo, embora já não existisse mais nada que ainda não tivéssemos contado a ele desde que começamos a estudar lá.
Eu também estava empolgada por voltar, mas não tanto quanto meu irmão mais novo. Voltar a Beauxbatons no dia seguinte significava começar o nosso último ano de escola. Estava louca para voltar à rotina de aulas, aprender feitiços novos e rever os amigos que não moram em Mônaco, mas dizer adeus no fim do ano letivo seria muito doloroso. Se despedir da nossa casa não seria fácil.
- Percebeu que essa é a primeira vez que conseguimos ficar sozinhos desde que voltei da África? – Philipe falou me puxando para perto dele no sofá, depois que acabamos de comer.
- É porque estão todos arrumando as malas pra voltar, senão duvido que não estivessem aqui, falando alto e com os pés em cima da mesinha.
- Como foram as férias por aqui? Fizeram algo de interessante?
- Não, nada demais – dei de ombros, tentando parecer indiferente – Você sabe, a programação de verão de Mônaco nunca muda.
- Mas você não foi pra Saint-Tropez com o Kalani? Devem ter feito algo de bom por lá!
- Não gostei muito de Saint-Tropez – ele me olhou espantado – Kalani tenho certeza que gostou, mas eu senti sua falta.
- É, ele sem duvida gostou, estava querendo tirar a poeira da prancha desde que chegou aqui.
- Não quero falar das minhas férias chatas, conte como foi a sua – desviei o alvo da conversa para ele – Como foi na África?
- Ah meu amor, foi incrível! Conheci tantos lugares interessantes, não consigo nem descrevê-los!
- Você chegou a encontrar a comunidade onde nasceu?
- Encontrei sim, e conheci minha mãe biológica – seu tom de voz mudou um pouco. Passou da euforia para a preocupação.
- O que aconteceu? Ela está bem?
- Sim, está, ou ao menos aparenta estar. O lugar onde ela vive é realmente pobre, tudo simples demais. Tentei convencê-la a morar na cidade, eu poderia pagar uma casa para ela morar, mas ela não quis. Disse que estava feliz em me ver e ver como eu estava bem, que soube que havia tomado a decisão certa ao me dar para adoção e que era feliz daquele jeito. Disse que agora que tinha certeza de que eu estava bem, não precisava de mais nada.
- Isso é bom, meu amor. Ela viveu bem até hoje e agora que pode rever você, aposto que vai ficar melhor ainda.
- Espero que sim. Quero voltar lá, revê-la mais vezes. Quero levar você até lá, quero que ela conheça você.
- E eu vou adorar conhecê-la – sorri para ele e ele me beijou, mais relaxado – Fez algum safári?
- Vários. A África é fascinante, tenho muito orgulho de ter nascido lá.
- Estou feliz que tenha aproveitado a viagem, era seu sonho.
- Sonho realizado. Agora só falta casar com você.
Ele sorriu e me puxou para cima dele, derrubando algumas almofadas pelo chão. Ficamos deitados abraçados no sofá por muito tempo, sem conversar sobre nada. Nunca havíamos ficado tanto tempo longe um do outro e agora que tinha Philipe de volta, percebi a falta que ele me fez. Ele não era só meu namorado, era também meu melhor amigo. Kalani era um ótimo garoto e talvez um namorado perfeito, mas não existia ninguém no mundo mais perfeito pra mim do que Philipe e ele teria que conviver com isso. Minha escolha já havia sido feita há três anos atrás.
- Não me abandone outra vez – falei com a voz abafada por estar com a cabeça em seu peito.
- Não se preocupe, não vou mais viajar por dois meses inteiros. E se for, levo você comigo.
- Não estou falando de viagens – me ajeitou no sofá e o encarei – Promete que nunca vai me abandonar? Que vai ficar comigo pra sempre?
- Por que essa conversa agora? – ele também se sentou e me encarou preocupado – Aconteceu alguma coisa?
- Não aconteceu nada, só quero que me prometa que nunca vai me abandonar – mesmo sem ter a intenção, comecei a chorar.
- Bia, eu te amo, você é a pessoa mais importante da minha vida – ele me puxou para junto de seu corpo outra vez e secou minhas lagrimas, me abraçando – Você vai ter que se empenhar muito pra se livrar de mim, porque eu nunca vou sair do seu lado.
Meu sorriso saiu parecido como uma careta e ele riu, me beijando suavemente. Nunca havia me sentido tão culpada em toda a minha vida como me sentia naquele momento, mas não podia contar a verdade ou ia acabar o magoando. E se eu magoasse Philipe, nunca iria me perdoar.
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