Monday, January 21, 2008

- A família Bonaccorso é uma das mais tradicionais famílias bruxas da Grécia. Sua trisavó, Leda, foi quem teve a primeira idéia de escrever e organizar um Grimoire, a partir dos feitiços e maldições herdados pelas gerações milenares da família. Ela era muito amiga de Phoebe Damulakis, que se ofereceu para ajudar no projeto. Quando o Grimoire estava pronto, no entanto, Phoebe alterou a memória de Leda e se apossou do livro, registrando suas prenuncias e manuscritos como pertencentes da família Damulakis.

Uma senhora de idade bastante avançada falava com a voz fraca para um jovem. Os olhos dele eram de um verde penetrante e determinado, como os dela. O jovem escutava cada palavra com muita atenção.

- Vovó – ele a interrompeu com a testa franzida. – Como sabe que Phoebe alterou a memória de Leda? Como sabe que o Grimoire é mesmo da nossa família?

Helena analisou o neto cuidadosamente e por uns segundos não disse nada. Então, com poucos movimentos, estendeu a mão para a gaveta de sua mesa de cabeceira e de dentro puxou um caderno gasto. As páginas de pergaminho lutavam contra o desgaste natural.

- Sei disso tudo, pois esse é o diário de Leda. Phoebe nunca soube da existência dele, por isso o plano tem falha. Leda confessa nessas páginas, alguns meses antes de começar a escrever o Grimoire, seu desejo de preservar as heranças de nossa família em um livro, que seria passado de geração por geração. Conta da proposta de ajuda que Phoebe ofereceu, e relata todos os passos do livro durante a produção. Dois dias antes de morrer, no entanto, o feitiço de memória termina, e Leda confessou à minha mãe que foi traída por Phoebe. Desde então, a promessa de recuperar o Grimoire para nossa família persiste.

O menino se calou, assim como sua avó. Ele via várias imagens passando por sua cabeça como em um flash.

- Então isso quer dizer que... – ele começou pesando cada palavra. Suspirou.
- Isso quer dizer que você vai para Beauxbatons. As duas trisnetas gêmeas de Phoebe Damulakis estudam lá, mas para o seu alívio você só terá que se preocupar com uma delas: Anabel. Não me pergunte como eu sei de tudo isso. Não interessa. Anabel está com o Grimoire agora, e admito que tenha uma boa base de leitura rúnica... O suficiente para desvendar a maior parte dos segredos. Ela ainda não percebeu, porém, que em algumas páginas a escrita rúnica se torna arcaica, e, portanto, difícil de ser traduzida. Enquanto ela não descobrir isso, estamos bem. O que você deve fazer é se aproximar dela, como amigo, e tomar o Grimoire de volta. Então, lance um feitiço da memória e apague o livro da cabeça dela e da irmã gêmea, Isabel. Essa não oferece nenhum tipo de resistência.
- Como a senhora pode saber se... – Ele começou um pouco inquieto e desconfiado da segurança que sua avó transmitia sobre duas garotas que nem conhecera. Ela o interrompeu com um olhar.
- Confie em mim. O que você já sabe, é mais do que o suficiente para cumprir sua missão. Mais do que isso se torna perigoso para todos nós. Apenas confie.

Sua voz foi serena e definitiva, e Ulisses Bonaccorso percebeu que a conversa estava encerrada, assim como seu destino, determinado.

°°°
- Está ouvindo o que estou dizendo, Bonaccorso? – Anabel Damulakis perguntou impaciente ao terminar de ler o parágrafo sobre as inscrições rúnicas e perceber que Ulisses a encarava e sorria de uma maneira tola e distante.
- Claro que estou ouvindo, Bella. – ele respondeu ainda sorrindo, e o sangue da menina ferveu.
- Já-pedi-para-me-chamar-SOMENTE-de-Anabel!!! Aliás, deveria ser somente Damulakis, mas já percebi que seu cérebro é pouco desenvolvido para tais educações. – ela disse ríspida e fechou o livro grotescamente. Alguns estudantes nas mesas ao redor se sobressaltaram com o barulho, mas a menina não os deu atenção, lançando o livro dentro da mochila. – Acho que você já recebeu aulas suficientes para acompanhar as matérias com todos os outros.
- Do que você está falando? – o sorriso sumiu do rosto de Ulisses. – Claro que ainda não estou preparado!
- Pois eu digo que você está sim. Já até me trouxe uma flor nesta aula. Quem está com o pescoço na corda da forca não se lembra de agradar os outros, ok? Estamos a seis meses do NIEM’s, e eu estou com pouquíssimo tempo para estudar. Nossas aulas já deram o que tinham de dar. – ela disse seca, jogando a mochila sobre os ombros. – Se quiser tirar uma dúvida ou outra, pode me procurar. Caso contrário, converse com os professores, psicólogos, ou... desista!

Foi saindo da biblioteca e o garoto juntou rapidamente suas coisas, correndo em seu encalço.

- Então é isso. Você determina que eu já estou bem instruído, e sai da biblioteca sem dizer nada? Nem um “boa sorte, Ulisses”, ou “foi bom te ensinar alguma coisa, Bonaccorso, mas você já me encheu a paciência”? Que espécie de professora particular é você?

A garota parou de caminhar e se virou com violência para o menino, que parou também, de frente para ela.

- Primeiro: Não sou sua professora particular. Nunca quis ser. Nem tenho didática ou paciência para isso. Segundo: Eu não determinei nada. Apenas constatei, visto que suas duas últimas aulas foram usadas para ficar me olhando e sorrindo para mim. Terceiro: Desde quando tenho que te desejar alguma coisa?

O garoto sorriu. Alguma coisa no jeito grosso e mal-educado daquela menina o atraía como nenhuma outra tinha feito, até então... O que começou como parte de um plano de vingança de sua família, agora se misturava a um sentimento novo que ele ainda não aprendera a lidar.

- Ok. Você está coberta de razão. Não é minha professora. Não me deve satisfações e explicações, muito menos desejos. Mas uma coisa é certa: não consigo parar de te olhar. Você deve ter me hipnotizado. Será que sairia comigo qualquer dia desses?
- Você está falando sério? – a menina perguntou assustada. Ele se aproximou um passo.
- É claro que estou falando sério. Quer sair comigo, Bella? – ele agora estava bem na frente dela, e abaixou seu rosto um pouco. A garota foi mais rápida. Sua mão estalou com força no rosto dele, enquanto ela se afastava vermelha de raiva.
- Eu tenho namorado, Bonaccorso. E mesmo que não tivesse, você não faz meu tipo. Portanto, fique longe de mim! Não te dei nenhuma liberdade. E DE UMA VEZ POR TODAS: PARA DE ME CHAMAR DE ‘BELLA’!

Saiu pisando forte, enquanto Ulisses alisava o rosto ardendo e sorria. Não iria desistir tão fácil.

°°°
- Como estamos indo? – o rosto da senhora estava mais fraco e pálido a cada dia, e Ulisses se assustou ao vê-lo refletido no espelho. Seus olhos, porém, ainda mantinham aquele antigo brilho.
- Não quero fazer isso, vovó. – disse quando finalmente tomou coragem. Sua avó sorriu ironicamente.
- Você se apaixonou por ela, não foi?
- Não! Não me apaixonei. Anabel é legal, só isso...
- É a honra da sua família em jogo, Ulisses. Faça a sua escolha.

°°°
Todos os alunos do sétimo ano estavam reunidos no Campo de Quadribol. Todos, menos um. O salão comunal da Sapientai estava completamente deserto, e o garoto não teve dificuldade alguma de passar despercebido por todos os corredores e chegar ao dormitório que queria. Abriu a porta com suavidade, como se cada movimento custasse um preço alto, e entrou.

‘Lumus’ – ordenou para a varinha, e um brilho ofuscante saiu da sua ponta. – ‘Accio Grimoire’ – tornou a ordenar, e não precisou esperar muito. Ali perto, debaixo de uma cama, um pesado livro saiu voando pelo ar em direção à sua mão. Ele o agarrou com força.

- Sinto muito, Bella.

Foram suas últimas palavras para o quarto vazio, antes de apagar a varinha e sair silenciosamente. A primeira parte do plano estava concluída, e ele ainda não queria pensar em como seria a segunda. Não por um tempo.

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