– É preciso que saibam que a partir de agora as coisas vão piorar muito para quem realmente está levando a sério. Por que para quem não está levando a sério, vai continuar da mesma maneira: “empurrando com a barriga”. Então, sugiro que quem ainda não começou a pensar no seu próprio futuro, abandone as minhas aulas por livre e espontânea vontade. - Professor Grangier disse seco na frente da sala, que adquiriu um ar pesado repentinamente.
Todos os estudantes se entreolharam receosos, mas ninguém ousou se levantar. As aulas de Beauxbatons haviam voltado com força total, e principalmente para os alunos do 7° ano, a formatura parecia um sonho muito distante. Tão distante que ninguém se quer estava se lembrando. O assunto principal agora eram exatamente NIEM’s, carreira, futuro, escolhas e preferências. E antigos grupos se dissolveram para darem lugar à formação de novos. Tinha o grupo dos “aurores”, o grupo dos “medibruxos”, o grupo dos “indecisos”, e até mesmo o grupo dos “não-estou-nem-aí-para-os-NIEM’s”. A tensão pairava no ar.
- Sempre quis ser medibruxa! – Anne disse com um ar sonhador ao meu lado.
- E eu sempre quis ser auror. – Bel disse séria e por um breve momento eu vi Rebecca sentada ali, da nossa idade, se preparando para formar e entrar na Academia. Sorri.
- “O orgulho da mamãe”. – disse tentando provocá-la, mas ela meramente me lançou um olhar turvo e continuou suas anotações.
- Eu já pensei em ser várias coisas. Jogadora de quadribol, escritora de livros de mitologia grega, criadora de animais fantásticos (quem sabe até dragões!). Mas agora estou invocada na idéia de ser jornalista mesmo. Acho que esse é meu destino final. – Brenda disse sacudindo os ombros e rimos.
- Eu vou ser advogada bruxa. Trabalhar no Ministério da Magia, participar da Suprema Corte, e todas essas burocracias. – Dora falou apoiando as pernas na carteira, despreocupadamente. – No começo, não pensava nessa idéia. Queria ser somente viajante. Conhecer todos os países do mundo, sem dia e hora para voltar para casa. Uma hora você percebe que a vida não é tão simples assim...
Ficamos em silêncio medindo o peso da frase dela. Enquanto éramos estudantes, tudo parecia bastante simples. Mas agora, faltando apenas 6 meses para nos formarmos, a realidade crua nos cobria como um véu e pela primeira vez me peguei preocupada. Nunca havia pensado no que queria exatamente ser depois de Beauxbatons! Quer dizer, por influência do papai, sempre gostara muito de Astronomia. Não o suficiente para ser astrônoma, ou trabalhar como professora da matéria, muito menos na NASA e coisas assim. Talvez mantivesse meu telescópio montado no quarto e observaria as estrelas e planetas todas as noites. Somente isso. Adorava jogar quadribol, mas nunca havia passado pela minha cabeça a idéia de continuar jogando profissionalmente. Minha carreira de jornalista não seria levada a sério. Não gosto de botânica, muito menos de zoologia bruxa. Não sei nada sobre mitologia. Nem falar sereiano para poder me tornar intérprete. Não suportaria ver sangue. Não mataria uma formiga, mesmo que ela tivesse 3 metros e grandes dentes afiados.
- Acho que é melhor eu abandonar transfiguração e abrir um grupo dos “eu-me-preocupo-com-o-meu-futuro-mas-não-sei-fazer-nada”. – disse de repente, quando esses pensamentos passaram pela minha cabeça como um furacão. Todos os meus amigos me olharam surpresos.
- Do que está falando, Isa? – Anne perguntou sorrindo enquanto sua doninha se transformava perfeitamente em um peixinho. Observei a metamorfose com atenção e continuei encarando a mesa enquanto respondia.
- Estou dizendo que não posso entrar para o grupo dos que não estão nem aí para os NIEM’s, por que na verdade eu estou muito preocupada com esses exames, sim. Eu realmente penso em um futuro pleno e satisfatório. O problema é que eu deveria parar de me preocupar, por que mesmo que eu saia super bem nos NIEM’s, eu não sei o que quero ser quando me formar. Nada do que eu já tenha visto ou ouvido falar me atrai ou se encaixa no meu perfil. Não há profissão bruxa para mim!
Dora, Bel, Brenda e Anne se entreolharam em silêncio, e depois senti os quatro pares de olhos me encarando. Levantei a cabeça para olhá-las.
- É isso. – Terminei me sentindo derrotada e nenhuma delas desviou o olhar. Bel foi a primeira a falar.
- Se não há profissão bruxa para você, por que não parte para os vários ramos de profissões trouxas? – ela disse com simplicidade, como se estivesse entediada de ter que me aconselhar. Realmente deveria estar. – Não é você mesma que se orgulha do seu... nosso pai? Não vive falando que ele é o trouxa mais fantástico que existe? E é bem sucedido profissionalmente, não é? Veja só os exemplos da Mad e da Manu! Elas se formaram em Beauxbatons, mas agora estão fazendo História da Arte e trabalhando no Louvre! Quebra de expectativas nem sempre significa algo negativo, Isabel.
- Concordo com a Bel. Não é só por que você é bruxa e vai se formar em uma academia bruxa que precisa necessariamente seguir uma profissão bruxa! – Anne disse empolgada e eu me animei. Elas tinham razão.
- Sempre me vi como estilista. Criando meus próprios modelos, tendo minha própria marca. Sendo reconhecida. – disse sonhadora e Dora sorriu me apoiando. Bel girou os olhos.
- Bem... pelo visto você já sabe o que quer fazer depois que se formar. Vai se dar bem nessa área. É a sua cara. – Bel disse sarcástica e eu tratei como um tremendo elogio.
- Então é isso. Vou fazer faculdade de Design de Moda, em Nova York. Se preparem, pois daqui uns anos vocês visitarão minha loja na Champs Élysées, ladies. – disse animada e elas riram.
°°°
- Alunos de sétimo ano, após a aula de Astronomia dirijam-se todos para o Campo de Quadribol. Temos um anúncio a fazer. – A voz de Madame Máxime soou na sala de Astronomia, e a julgar o horário da reunião marcada, esperava no mínimo algo inspirador. Não estava enganada.
Em poucos minutos o sinal da última aula tocou e nos dirigimos para o Campo de Quadribol, nos acomodando nas arquibancadas mais baixas, onde Madame Máxime, e os professores Sir Shaft, Emily, Françoise e Pierre nos esperavam. Quando todos finalmente se sentaram e fizeram silêncio, a diretora pigarreou.
- Não acha que está muito tarde para nos lembrar dos NIEM’s, diretora? – um aluno da Sapientai disse arrancando risadas de todos, até de Máxime e dos professores.
- Não falaria de um assunto tedioso como exames uma hora dessas, Sr. Mahy. Estou aqui, é claro, para falar da formatura de vocês. Mais especificamente, da viagem de formatura.
A agitação foi instantânea, mas antes que perdesse o controle, Máxime levantou o braço e novamente o silêncio.
- Nós, eu e esses quatro professores, nos reunimos diversas vezes para analisarmos um roteiro de viagem que agradasse à escola, ao ministério, aos seus responsáveis e claro... a vocês! Depois de vários destinos estudados, finalmente chegamos a uma conclusão.
Ela fez uma pausa proposital e todos prenderam a respiração, ansiosos. Sorriu.
- Arrumem suas malas, pois vocês serão mandados a uma incrível aventura na África do Sul!
A desordem estava armada. Empolgados, vários alunos se levantaram, soltaram gritos e começaram a fazer planos. Olhei para minhas amigas incrédula. África do Sul me lembrava safáris, e esses me lembravam... leões! Novamente o braço de Madame Máxime foi ao ar, mas dessa vez demorou um ou dois minutos até que o silêncio fosse retomado. Ela estava sorridente.
- Pela pequena demonstração, já vi que aprovaram a idéia e fico muito satisfeita. Um formulário de autorização, assim como o planejamento de viagem, já foi mandado para seus responsáveis. Vocês receberão o planejamento também, é claro. A viagem durará duas semanas, e será em março. Sairão de Beauxbatons no dia 7 e voltarão no dia 21, por chave de portal. Os professores Sir Shaft Zambene e Emily McGregor serão os responsáveis por sua segurança durante todo o tempo. A professora Françoise Defossez, muito educadamente, aceitou meu pedido para acompanhá-los e mantê-los organizados e comportados. – Alguns alunos começaram um protesto, mas um olhar gelado da diretora os fizeram calar. Recomeçou. – E foi o professor Pierre Coussot o grande responsável pela sugestão do país. Já preparou roteiros para todos os tipos de gostos: safáris, praias, esportes radicais e até mesmo compras e cultura local. Garanto que todos aproveitarão.
Novamente a algazarra, mas ninguém interrompeu logo. Me senti muito mais animada com a idéia de ter vários roteiros, e todos ao meu redor pareciam bastante contentes com a escolha. Após vários minutos, Madame Máxime pediu silêncio.
- Viagem decidida, próximo tópico é a festa de formatura. Mas quanto a isso, ainda não há nada decidido. Por isso, pedi que Françoise e Emily ficassem responsáveis para escolherem e liderarem a comissão de formatura. Os alunos que elas indicarem, poderão representar os demais na comissão, frente às professoras. Juntos decidirão tema e demais detalhes da festa. Quem tiver interesse em participar da comissão, deve se inscrever nas salas das duas professoras até a semana que vem. Alguma pergunta?
Ninguém se manifestou e a diretora nos liberou. O caminho de volta ao castelo foi eufórico. Uns falavam da viagem, dos roteiros, e dos planos para lançarem a Françoise como isca para leões e leopardos. Outros trocavam idéias de temas para a festa de formatura.
- No que está pensando, Isa? – Brendan perguntou se emparelhando comigo na caminhada e percebendo meu sorriso no rosto.
- Vou me inscrever para a Comissão.
- Não esperava nada menos de você. E com certeza você entra! Françoise te idolatra! – ele disse parecendo enjoado e ri.
- Que exagero!
- Exagero nada. Vai falar que não é verdade?
- Ela não me idolatra! Só puxa um pouco meu saco, mas por que sou a única aluna que realmente ouve o que ela diz nas aulas. E uma das poucas que continuou na matéria dela, mesmo sem precisar. – Me defendi e ele sacudiu os ombros.
- Como preferir. Já tem alguma idéia para o tema da festa? Escutei alguns interessantes no caminho...
- Já. Vários. Mas não vou falar nada agora. Não antes de estar realmente dentro da comissão.
- Você e seus mistérios. A propósito... – disse consultando o relógio. – Feliz Aniversário! – disse sorridente me puxando para um abraço e o efeito foi colateral. Não deu tempo de entender que já era meu aniversário, pois depois de Brendan, Anne, Brenda, Dora, e os outros meninos do time de quadribol me puxaram para abraços longos e animados. Procurei Bel.
- Viram a Bel? – perguntei finalmente me dando conta da ausência dela. – É aniversário dela também.
- Ela voltou correndo para o castelo. Deve estar com medo de pegarmos ela para um abraço sanduíche! – Anne disse e rimos. Típico da Bel fugir de grandes comemorações onde ela fosse o centro.
Despedi de Brenda e Anne, e acompanhei os outros para o Salão Comunal da Fidei. Mal eu e Dora entramos no dormitório e senti o bolso das vestes esquentar. Alguém estava me chamando no espelho de duas vias. Já o peguei sorrindo, e o rosto de Henrique me encarava do outro lado do vidro.
- Feliz Aniversário! – foi a primeira coisa que ele disse, sorrindo. Senti o coração saltar.
- Obrigada. Pensei que só me chamaria mais tarde...
- Não resisti. Ainda bem que estava acordada. – sorri. – Seu pai e eu mandamos um pacote para você hoje, mas estava um “pouco” grande. Acho que vai demorar uns dias a chegar.
- O que mandaram?
- Acha mesmo que vou estragar nossa surpresa? – ele perguntou levantando a sobrancelha.
- Ok. Eu espero.
Conversamos mais alguns minutos e eu contei sobre a novidade da viagem de formatura e comissão. Nos despedimos e pousei com cuidado o espelho na cabeceira, sorrindo. Dora apareceu na porta do banheiro.
- Henrique? Quer dizer... nem precisa responder. Esse seu sorriso denuncia. – ela disse e rimos.
- Realmente brilhante essa idéia de espelho de duas vias. Você e Sávio que me inspiraram.
- Pelo menos podemos ver os rostos deles, não é? Mais próximo do que cartas.
Abri a boca para responder concordando, mas a porta do quarto foi aberta abruptamente e dei um salto na cama. Bel entrou pálida, parecia nervosa.
- Dora, será que posso falar um minuto com a Isabel, a sós? – ela perguntou seca e Dora olhou de uma para a outra confusa. Sacudi os ombros e ela concordou, saindo do quarto e fechando a porta.
- O que aconteceu?
- Sumiu!
- O quê?
- O Grimoire! Sumiu!
- COMO?
- Se eu soubesse, não teria sumido, Isabel! Hoje mesmo eu estava decifrando algumas páginas. Saí atrasada para a aula de Astronomia e só o joguei embaixo da cama... Então, no campo de quadribol, eu senti uma coisa estranha. Não sei explicar, mas é como se eu estivesse sentindo que alguma coisa ia acontecer com ele, sabe? Tipo uma premonição. Então, assim que Máxime nos liberou, eu corri de volta ao castelo, e quando entrei no dormitório e procurei embaixo da cama, simplesmente havia desaparecido. Claro, eu procurei em todos os lugares (tinha esperança de ter me enganado sobre o lugar onde o havia deixado), mas sumiu! E eu sei, não foi ninguém do sétimo ano! Eu fui a primeira a voltar para o castelo.
Ela parou de falar ofegante e eu não sabia o que dizer. Nunca fora muito preocupada com o livro, mas para a Bel ele não representava somente um livro antigo e interessante, escrito em runas. Era a única herança da família Damulakis, passado por várias gerações. Escondia segredos horríveis e se caísse em mãos erradas, poderia ser usado até mesmo como arma.
- Quem mais sabia do livro?
- Só você e Bernard. Você não disse para mais alguém, disse?
- Claro que não!
Ela se sentou na cama exausta e tensa. Me sentei ao seu lado.
- Você tem que dar queixa à Máxime. Se esse livro foi roubado no seu dormitório, está em Beauxbatons. Foi alguém daqui.
- Vou dar. Só não sei como... – ela falou devagar pesando as conseqüências daquela denúncia. Ficamos em silêncio uns minutos, até ela se levantar e me encarar séria. – Se você souber de alguma coisa, me avisa. – concordei.
- Faça o mesmo. E escreva para Rebecca. Acho que ela gostaria de saber disso. - Ela balançou a cabeça e começou a sair do quarto. – Bel... Feliz aniversário.
- Espero que sim. – disse ainda de costas, com a mão na maçaneta. – Para você também.
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