Das lembranças de Ian Lucas Renoir Lafayette
É difícil imaginar um cara de 16 anos sem certas coisas, como por exemplo, 2 meses de férias de verão ou uma coleção de alguma coisa. Mas mais difícil ainda é imaginar um cara de 16 anos sem um grande amigo como Bernard Lestel. Bernard é o cara mais legal que eu conheço. Ele faria qualquer coisa por mim e eu faria qualquer coisa por ele. Pelo menos foi o que sempre pensei.
Desde que me entendo por gente, Bernard e eu somos melhores amigos. Temos inúmeras diferenças, mas se tem uma coisa em que sempre concordamos é que eu sou bom nos esportes e ele não. Não que eu esteja querendo me gabar, mas sempre ganhei do meu amigo nas disputas no nosso quintal, seja no quadribol ou em algum esporte trouxa. Isso não parecia incomodar Bernard, ele perdia para mim e não se importava com isso, pois sabia que ao menos se esforçava. Mas agora, parecia que eu era o incomodado com isso... Por alguma razão idiota, a mania de Bernard de narrar a partida enquanto jogávamos começava a me irritar.
- Será que dá pra parar com isso?
- Ele passa pela defesa, faz um giro inacreditável e arremessa!
- Para de falar e joga direito!
- Não enche Ian! Qual é o seu problema?
- Você ta tirando minha concentração.
- Você ta muito chato, vou pra casa. Nos vemos amanha no campo...
Bernard foi embora e me devolveu a bola. Estávamos jogando basquete no meu quintal. Desde que soube que estava doente, resolvi aproveitar ao máximo essas férias e por conta disso, o convenci a se inscrever em um time de quadribol que tinha no bairro. Reuníamos-nos com outros bruxos da nossa idade e passávamos quatro tardes por semana ouvindo o treinador Cutlip gritar conosco. Ate agora os treinos estavam sendo individuais, ainda não havia tido uma partida com times definidos e eu estava ansioso para chegarmos logo a essa fase. Bom, ao menos eu pensava que ela seria divertida. Formar um time era um ritual cruel...
- Acabou a moleza rapazes! Vou eleger 4 capitães, esses virão para a frente e montarão seus times! Annaud, Godard, Clément e Besson!
Os quarto garotos se adiantaram e ficaram enfileirados de frente para a gente. Um a um eles iam escolhendo o time e eu observava os que iam restando. O medo de ser escolhido por ultimo era evidente. Besson falou meu nome e me posicionei atrás dele esperando a seleção terminar. Enquanto eles estudavam as opções restantes, eu percebia que Bernard ia sobrando. Restavam agora apenas 2 pessoas e instiguei Besson a escolhe-lo.
Começamos a jogar e percebi que Bernard parecia um homem possuído. Mas infelizmente não era possuído de aptidão atlética. Logo meu time me olhava torto, por ter induzido o capitão a escolher Bernard. Meu amigo parecia não se importar em jogar mal. Tudo bem, eu sei que o jogo não estava valendo nenhum campeonato, mas ainda assim ninguém queria perder! Quando o treino acabou, esperei todos saírem do vestiário para falar com ele.
- O que aconteceu lá fora??
- Como assim?
- Por que não seguiu as instruções de Besson? Podíamos ter vencido!
- Por que está tão preocupado? É só um treino idiota!
- Não é idiota! Todos nos esforçamos e você não fez nada!
- Eles jogam muito melhor que a gente, não havia nada a fazer.
- Ninguém é melhor do que ninguém aqui... Anda, vamos para casa praticar um pouco!
- Não estou com vontade...
- Vamos Bê, com um pouco de treino você pode melhorar seus arremessos!
- Já falei que não quero Ian, estou cansado!
Como se consola um amigo sem feriar seu ego? Há certas coisas que não devem ser ditas...
- Só porque você é ruim não é razão para não jogarmos.
Como essa, por exemplo... Bernard apanhou sua mochila e voltou para casa sozinho, sem me esperar. Não ouvi noticias dele pelo dia seguinte e só voltamos a nos encontrar no treino, dois dias depois. Antes de começar, cai na besteira de ir falar com o treinador sobre achar seu método de divisão de times injusto e ele, irritado por ter sido criticado, me fez um dos quatro capitães. Agora eu me via na difícil tarefa de montar um time e ser justo. Queria consertar as coisas com Bernard e o escolhi primeiro, mas isso só piorou. Os outros garotos começaram a rir e meu amigo parou atrás de mim irritado. Os outros três capitães iam selecionando os seus jogadores e quando chegou a minha vez de novo, ficou claro o que eu deveria fazer... Um a um, fui escolhendo os piores jogadores do grupo. Quando acabei, olhei para eles, olhei para meu time e pensei: Merlin, o que foi que eu fiz?
- Bom... Tentem mirar os aros...
Ouvi o apito do treinador e logo as vassouras estavam no ar. Foi desastroso. Eu voava atrás da goles e gritava com os outros meninos para que marcassem os adversários. Eu podia ver que por mais que eles fossem ruins, estavam se esforçando. Exceto Bernard. Meu amigo parecia fazer questão de não fazer nada, fazer questão de jogar pior do que todos, como se quisesse me punir. Já perdíamos de 200 x 40 quando pedi tempo.
- O que está havendo pessoal?? Berri, você precisa marcar mais o Clément, ele está voando livre! E Gance, preste atenção no Vigo, ele não é tão rápido assim, você que está indo devagar demais! Venham aqui, tenho uma idéia...
Formamos um circulo fechado para que eu tentasse mostrar uma jogada diferente para tentarmos desenvolver e quando acabei de explicar, eles saíram animados. Menos Bernard, é claro. Talvez desse certo. Não éramos os melhores e nem os mais rápidos, mas tínhamos miolos. Se trabalhássemos duro, nos esforçássemos um pouco mais, poderíamos derrotar aqueles caras. Mas infelizmente não éramos só muito pouco atléticos. Éramos também muito burros. E nós nos comportamos muito mal. Bernard agora só voava em campo, sem marcar ninguém ou tentar ao menos participar do jogo. Quando Berri passou a goles para ele e Vigo a tomou de sua mão sem o menor esforço, perdi a paciência.
- Qual é o seu problema??
- Nenhum.
- Ao menos estou tentando ganhar o jogo, ao contrario de você que não faz nada!
- Me de a goles.
- Pra que?
- Me passa a goles!
Atirei a goles na mão dele. Bernard a mantinha presa nos braços e voava a toda velocidade para o aro. O goleiro do outro time olhava para ele sem piscar, pronto para agarrar. Foi então que aconteceu. Um milagre, o impossível, o sonho que se tornou real... Bernard acertou a goles em cheio na cabeça do treinador Cutlip. Naquele instante, no momento do encontro da borracha com a cabeça, o quadribol voltou a ser divertido. Todos caíram na gargalhada vendo o treinador sargentão sair de campo desnorteado e todo sujo de molho, alisando a cabeça. A cara que Bernard fez de ‘foi sem querer’ foi tão engraçada que de repente esqueci por completo que estávamos brigados há dois dias, esqueci de continuar sendo competitivo e retomamos a partida dando prioridade à diversão. A verdade é que fomos massacrados, mas pela 1ª vez em muito tempo não teve a menor importância. Bernard e eu voltamos a ser como éramos. E assim sei que vamos ficar por muitos anos...
You just call out my name and you know where ever I am
I'll come running to see you again.
Winter, spring, summer or fall
all you got to do is call
and I'll be there, yeah, yeah, yeah.
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N.A.: ‘You’ve got a friend’, James Taylor
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