Era meu primeiro dia do 6º ano na Escola de Magia da Califórnia. Meus pais haviam acabado de desaparatar e olhei para os corredores já movimentados às 8h da manhã. A primeira aula começaria em 1h e ainda precisava localizar meu armário, e descobrir com quem dividiria o quarto esse ano.
Os corredores da escola eram todos brancos com detalhes em vinho, nas cores do nosso time, com armários cobrindo as paredes por todos os cantos. Olhei no horário amassado na minha mão e vi que meu número ficava perto do Laboratório de Poções. Guardei meus livros e puxei meu exemplar de A Exatidão das Poções, entrando no laboratório. Logo de cara avistei Sean, Evan e Shannon sentados na bancada do fundo da classe e sentei com eles, mas não havia sinal do Micah.
- Fala Gabe – Evan me cumprimentou – Como foram as férias?
- Bem melhores que as de 4 de Julho – respondi cumprimentando os outros dois sentando ao lado de Shannon – Cadê o Micah?
- Foi transferido – Shannon respondeu desanimada – Pro Instituto Durmstrang
- O QUE? – falei alto e abaixei o tom de voz quando a turma toda olhou – Mas por quê? Não é por causa da história do Ryan, é?
- Ele disse que não, mas acho que sim – Sean falou baixo também. Ninguém mais parecia saber os detalhes, além de nós quatro e Josh – Micah não conseguiu lidar com o fato de que Josh saiu ileso na história e ele teve que fazer trabalho comunitário por um mês. Cheguei a vê-lo aqui sábado à tarde, e ele já tinha acertado a transferência, já estava de saída.
- Isso não é justo – larguei o livro na bancada, revoltado – Quem tinha que sair era o outro, não o Micah! Aliás, cadê ele? Não vi pelos corredores. Para falar a verdade, quem são essas pessoas que não reconheço ninguém?
- Ele não vai mais fazer poções – Evan respondeu – E são todos alunos novos, somos os únicos veteranos aqui, cara. O time está quase todo novo, boa parte dos jogadores foram transferidos pra outras escolas como Texas, Iowa, Colorado, Kansas… Restaram poucos, mas do 6º ano somos os únicos.
- Essa temporada vai ser promissora! – falei desanimado
- Silêncio capetas, o demônio chegou – a porta abriu e uma voz monótona chamou a atenção da turma
Um homem de cabelos grisalhos e óculos arredondado entrou. Ele largou uma pasta velha em cima da mesa e com um aceno da varinha, seu nome apareceu no quadro. Professor Harold Collins, Aplicação de Cálculos em Poções. Olhei pra eles três com cara de espanto e percebi que assim como eu, eles também nunca tinham ouvido falar nessa matéria. Ele começou a rabiscar uma variedade absurda de fórmulas no quadro e quando já tinha preenchido mais da metade dele, encarou a turma.
- Por que não estão copiando? – disse sem demonstrar alteração na voz – Vou apagar o inicio quando completar o quadro. Matéria de prova!
O único som que era possível ouvir no laboratório depois do aviso era o de cadernos sendo arrancados às pressas das mochilas e as canelas arranhando as folhas. Vez ou outra uma folha era arrancada e amassada, mas ele avisou em um tom de voz ameaçador que possuía tímpanos sensíveis e o barulho de folhas sendo arrancadas o incomoda, e ninguém mais repetiu o gesto. Minhas mãos doíam no desespero de copiar metade dos cálculos antes que ele apagasse. Ele já completava o quadro pela segunda vez quando o sinal tocou, uma hora depois.
- No último período termino de escrever as fórmulas que usaremos esse ano – falou apagando o quadro antes que terminássemos
- Como assim “no último período”?? – Sean puxou o horário da mochila quando saímos da sala – Ah não, temos aula com ele de novo hoje. Duas aulas com esse cara, e logo na segunda-feira?? Vou pra minha aula de Feitiços, quem sabe isso me anima um pouco…
- Eu tenho Herbologia agora – falei consultando meu horário – Vejo vocês no almoço
Sean e Evan foram para a sala de Feitiços, Shannon seguiu para a aula de Literatura Mágica e eu parei no armário para trocar meus livros. Procurava meu exemplar de Manual de Herbologia Avançado quando senti que estava sendo observado. Puxei o livro e fechei a porta do armário, para dar de cara com um garoto de cabelos pretos e lisos até o ombro me olhando. Ele sorria e parecia me conhecer.
- Gabriel? – falou de repente – Gabriel Storm?
- Sim… – disse sem saber quem era ele
- Stuart! – falou como se fosse obvio – Stuart Carpizian! Estudamos juntos em Hogwarts!
- Ah claro, Stuart! – ainda não me lembrava dele, mas decidi levar adiante, já que já sabia o nome e de onde ele me conhecia – O que está fazendo aqui?
- Meus pais se mudaram para cá no há três meses. E com toda aquela confusão acontecendo em Londres, eles acharam mais seguro não me manter mais em Hogwarts.
- Mas Hogwarts já está segura, Voldemort morreu.
- Eu sei, mas achei interessante a mudança. Vou sentir saudades da Corvinal, no entanto… - Então ele era também da minha casa. Por que não me lembrava dele? – Já viu que eles tem um campo de quadribol super moderno aqui? – mudou de assunto de repente
- Sim, já vi. Estou no time, apanhador.
- Que demais! Mais um motivo para assistir aos jogos! Sabe, é muito bom ter um amigo aqui, não conheço as pessoas ainda e parecem todos ocupados demais para conversar com um novato.
- É, eles são assim – olhei no relógio – Escuta Stuart, queria conversar mais, mas não posso, já estou atrasado para a aula de Herbologia.
- Também tenho Herbologia agora! Que coincidência, não?
- Demais…
Stuart, coincidentemente, tinha o horário idêntico ao meu, o que resultou nele andando atrás de mim de um lado para o outro o dia inteiro. Fui forçado a apresentá-lo a Shannon, Evan e Sean e durante o resto do dia, ninguém mais além de Stuart falou. Foram horas intermináveis de histórias das quais eu não me recordava da época em que estudamos juntos. Ele parecia um catálogo! Queria que houvesse um terremoto ou um ataque nuclear surpresa que interrompesse aquilo, mas a vida nunca é tão misericordiosa assim. No fim do penúltimo período eu já começava a perder a paciência com a insistência dele em querer que me lembrasse de histórias de 6 anos atrás.
- Lembra daquela vez que o professor Snape mandou que colocássemos rabo de salamandra e você entendeu samambaia? – disse rindo – Foi muito engraçado
- Não Stuart, eu não lembro! – falei me estressando – Não me lembro de nada disso, será que você pode parar??
Todos olharam para minha cara espantados, acho que era a primeira vez que me viam gritar com alguém. Saímos da sala de História da Magia em silêncio e sentamos na mesma bancada para a aula de Aplicação de Cálculos em Poções. Stuart sentou na bancada ao lado, e parecia magoado. Senti-me um idiota por ter gritado, ele só queria se enturmar, mas cheguei ao meu limite de paciência para um dia só. O professor Collins recomeçou a escrever as fórmulas e agora já precavidos, copiamos depressa junto com ele. Um garoto na primeira bancada arrancou a folha com violência do caderno e o professor fez um risco imenso no quadro, se contorcendo.
- O que eu disse sobre arrancar folhas de caderno? – falou furioso encarando o garoto, que se encolheu e pediu desculpas – Vai fazer uma redação de 100 palavras sobre o uso preciso de cálculos em poções – Deixei escapar uma risada e ele me encarou – Algum problema, senhor…?
- Storm. E não, nenhum problema, professor.
- Achou engraçado seu colega ter que fazer uma redação de 100 palavras? – continuou – Vamos ver se ri disso também… Quero uma do senhor do mesmo tema, mas de 300 palavras. Que tal?
Abri a boca para responder que não tinha feito nada, mas Shannon segurou meu braço me olhando séria e não falei nada. A turma inteira agora estava calada, copiando a matéria. Vez ou outra ele me perguntava alguma coisa sobre o que estava escrevendo no quadro, sabendo que eu não fazia idéia da resposta. E a cada vez que não respondia, ele acrescentava 10 palavras à minha redação. Pela segunda vez no dia, cheguei ao meu limite.
Eu não sei bem o que me motivou. Talvez tenha sido toda aquela palhaçada de redação. Mas naquele momento eu havia tomado uma decisão. Estava na hora de declarar minha independência, mesmo que ninguém me apoiasse. Abri o caderno em uma página em branco e lentamente, fui destacando a folha. A turma inteira acompanhava com tensão a mão do professor tremer no quadro, riscando torto até quase atingir a parede. Ele se virou e me encarou espumando de raiva e sabia que levaria uma suspensão, mas não me importava mais se estava só. Tudo bem, eu suportaria tudo sozinho.
Só que de repente, eu não estava só. Stuart ficou de pé e erguendo o caderno, também arrancou uma folha. Olhei para ele agradecido, e mesmo sem ter dito nada, sabia que ele tinha entendido o que eu queria dizer. Sean levantou depois dele e repetiu o gesto, seguido por Evan e depois Shannon. Um a um, todos foram ficando de pé e arrancando uma folha do caderno.
Talvez tenha sido o desejo de todos de se rebelar, talvez não. Mas o que importa é que naquele momento encontramos uma única voz, uma ação única contra um inimigo em comum. E naquele momento era doce o sabor da vitória.
No fim das aulas do dia nos reunimos no campo de quadribol, e munidos de rolos de papel higiênico e bosta de dragão importada das estufas da professora McPhee, marchamos rumo à vila onde os professores moraram. A frente da casa do professor Collins ganharia uma nova decoração.
- Ei Gabriel, pega! – Stuart atirou um rolo de papel higiênico pra mim, segurando a ponta dele para enrolarmos na varanda
Corremos pelo jardim da frente esticando dúzias de rolos até que o verde da grama estivesse completamente branco, e atirando bosta de dragão nas janelas e paredes da casa. De vez em quando esbarrava em alguém cruzando o gramado, mas estávamos ocupados demais rindo para perceber qualquer coisa.
- Ele acendeu a luz, corram, corram! – ouvi Sean gritar em meio às gargalhadas e larguei o rolo que segurava, correndo rua abaixo com eles, todos rindo
Naquela 1ª semana no colegial, na medida em que eu olhava a classe junta, descobria coisas sobre aqueles estranhos que acabava de conhecer. Estranhos exatamente iguais a mim. Todos nós compartilhávamos as mesmas sensações, os mesmos temores, a mesma solidão. Estávamos apenas começando, e só havia um caminho para seguir. E foi assim que caminhamos: Juntos. E Juntos, caminhamos para muitas detenções naquela semana. Mas valeu a pena.
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