Acordei tarde na manhã de sábado pela primeira vez desde que havia retornado a Beauxbatons, o que significava que havia perdido o café da manhã. Já não tinha mais ninguém no dormitório, assim como o salão comunal, que estaria totalmente deserto se não fosse por duas pessoas que conversavam no sofá.
- Bom dia, bela adormecida – Marcel brincou ao me ver descendo as escadas – Está tudo bem? Nunca vi você dormir tanto.
- Bom dia, meninos. E está tudo bem sim, só estava cansada – respondi sorrindo - O que está fazendo aqui a essa hora? Não deveria estar no campo para os testes de quadribol? – perguntei apontando para o uniforme do time que ele já usava.
- Eu não estava me sentindo bem e ele ficou pra trás – Remy respondeu com a voz fraca e sentei ao lado dele – Mas já estou melhor, pode ir, Marcel.
- É, vá. Eu fico com ele – falei quando Marcel hesitou – Hoje é um dia importante para o campeonato de quadribol de Beauxbatons, você não vai querer perder.
- Qualquer coisa me chama, por favor – ele olhou sério para Remy e ele assentiu – Obrigada, Liv.
- Sem problemas – Marcel levantou e se apressou para chegar à porta, mas o alcancei antes que pudesse sair – Marcel, será que depois podemos conversar sobre essa história toda que inventamos? Não estou me sentindo bem.
- Quer acabar com ela logo? – ele não pareceu surpreso quando confirmei com a cabeça – Tudo bem, mais tarde conversamos para decidir como vai ser.
Ele deu um sorriso que pareceu um pouco desapontado antes de sair, mas devia ser impressão minha. Conhecia Marcel há anos e sabia que ele estava sentindo falta de namorar de verdade, não apenas fingir. Devia estar desesperado para sair dessa relação de faz de conta e ficar livre para fazer o que quisesse, mas estava esperando que eu tomasse a iniciativa.
Passei o resto da manhã com Remy no salão comunal da Lux, conversando sobre bobagens para não deixá-lo se desanimar por estar doente. Tinha sido uma grande vitoria para ele conseguir a permissão de seus pais para freqüentar Beauxbatons e se tivesse alguma recaída, ninguém tinha duvidas de que eles o tirariam da escola no mesmo instante, e Remy não queria ir para casa.
Já estava perto da hora do almoço quando ele afirmou que estava se sentindo melhor e pediu para irmos assistir ao resto do teste para o time da Lux. Embora um pouco relutante, acabei o acompanhando até o campo. Os testes ainda estavam a todo vapor, uma fila de alunos ainda sem terem sido testados aguardavam sua vez e o deixei na arquibancada com Anabela e os outros meninos para ir ao banheiro. Ia sair para lavar as mãos quando ouvi duas vozes entrando e meu nome ser pronunciado pela dona da mais insuportável. Recuei e fiquei imóvel, ouvindo o que diziam
- Olívia? Irmã do Andreas? – Isabella perguntou quando entrou com Estelle no banheiro.
- Existe outra Olívia nessa escola “namorando” o príncipe? – Estelle falou e notei o sarcasmo ao pronunciar a palavra namorando.
- Mas porque você está cismada com o namoro deles?
- Porque eu não acredito que seja real – Estelle falou confiante e senti minhas pernas tremerem – Ela não é pro bico dele, Marcel é popular demais para namorar uma mosca-morta como aquela garota. Eles não combinam e acho que estão de teatrinho. Aliás, acho não. Tenho certeza.
- E por que eles estariam mentindo sobre isso? – Isabella não parecia convencida – Não faz o menor sentido.
- Ah não sei, talvez ela esteja chantageando ele. Não se preocupe, vou descobrir isso.
- Posso saber como pretende fazer isso?
- Vou atingi-los no pronto fraco. Marcel é mulherengo, se esse namoro for mesmo de mentira, não vai resistir a uma garota se atirando para cima dele.
- Então você vai dar em cima dele descaradamente?
- E dizem que você não é esperta... – Estelle debochou da amiga – Vamos, quero estar no campo de quadribol quando os testes da Lux terminarem.
Ouvi a porta do banheiro fechar e abri a da cabine, sentindo que minhas pernas iam ceder a qualquer momento. Sim, ela estava certa sobre o nosso namoro, mas não podia deixar aquela garota insuportável conseguir o que queria. Voltei correndo para o campo e Remy e Anabela já estavam na parte baixa da arquibancada, praticamente no banco de reservas, onde uma pequena confusão movimentava o campo.
- O que aconteceu? – perguntei esbaforida por ter corrido até lá.
- O artilheiro cortado está criando caso porque perdeu a vaga para a Bia – Remy respondeu sem desviar a atenção do campo.
- Cassel, Bianca foi melhor que você hoje, em todos os sentidos – Philipe tentava apaziguar a confusão – Não posso dar a vaga a você diante disso.
- Seja homem e fale a verdade, só está dando a vaga a ela porque é sua namorada! – Tiago Cassel respondeu irritado – E qual é? Uma garota como apanhadora também? Esse time vai pro buraco esse ano!
- Nosso time só tem a ganhar com a entrada das meninas, elas deram um show hoje – Marcel respondeu sem paciência.
- Alexis e eu merecemos as vagas, seu otário – Bianca rebateu nervosa.
- Cale a boca, garota! Só está toda valente porque tem um monte de homem pra te proteger!
- Não preciso da proteção de ninguém pra quebrar a sua cara! Vem pra cima, vem!
- Bia, segura a onda! – Philipe bateu com a mão no peito de Tiago quando ele avançou para cima dela e Marcel rebocou Bianca para longe da confusão – Já tomei minha decisão, os nomes que anunciar, por favor, dirijam-se ao vestiário, vocês estão no time: Bianca Latour, Kwon Perrineau, Marcel Grimaldi, Alphonse Bacellar, Levy Boniface e Alexis Martín. Os que não conseguiram, não desanimem. Ano que vem todos terão outra chance.
Os seis selecionados por Philipe o acompanharam até o vestiário e os que restaram foram aos poucos deixando o campo. Procurei Estelle na multidão e vi que ainda estava no alto da arquibancada com a amiga, então pedi a Remy que ficasse no banco de reservas esperando até eu voltar e corri até a porta do vestiário para esperar Marcel sair. Ele saiu por último com Bianca e quando pedi para falar com ele a sós, ela piscou e deu a risada irônica que me cercava ultimamente, apertando o passo para alcançar Philipe e Kwon.
- Que cara é essa? – ele perguntou rindo e eu devia estar parecendo afobada.
- Você não pode me trair com a Estelle! – falei atropelando as palavras e ele arregalou os olhos.
- O que?
- Estelle está vindo até aqui e vai fazer tudo que estiver ao alcance para seduzir você, porque ela tem certeza que estamos mentindo e quer provar. Por favor, não me faça passar pela vergonha de terminar como a garota traída.
- É isso que está preocupando você? – Marcel riu e não entendi onde estava a graça – Liv, esse perigo você não corre. Não pode existir uma pessoa que eu mais deteste na face da terra do que Estelle Renoir. Não há a menor possibilidade dela conseguir me seduzir – ele piscou para mim sorrindo – Mas por que ela tem tanta certeza que é mentira?
- Porque ela disse que você é popular demais para dar atenção a uma mosca-morta como eu, que não tem como ser verdade porque somos o oposto um do outro.
- E você acreditou nela? – ele segurou meu queixo quando assenti com a cabeça e me fez olhar para ele – Liv, você não é mosca-morta. É uma garota linda, adorável e qualquer garoto dessa escola seria sortudo por estar com você. Não dê ouvidos a garotas invejosas como Estelle, você é muito melhor que ela.
- Sei que não tenho o direito de pedir isso, mas será que podemos manter a mentira mais um pouco?
- Claro, sem problemas. – ele sorriu gentil e olhou para o lado, onde Estelle entrava no nosso campo de visão – E lá vem a encrenca... Apenas relaxe, ok?
Antes que eu pudesse perguntar o porquê, já não podia mais ver Estelle, pois Marcel me tomou nos braços e me beijou. Apesar de não estar esperando por isso, não consegui lutar para me afastar. Quando senti a força das pernas começar a desaparecer, envolvi meus braços em volta de seu pescoço e, pela primeira vez na vida, me deixei levar por uma coisa sem antes pensar nas conseqüências. E quaisquer que fossem elas, teria valido a pena.
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