O dia da final da Copa Mundial de Quadribol amanheceu ensolarado, sem uma única nuvem no céu, o que era algo bom. Não para as seleções da Inglaterra e Alemanha, que disputariam a taça, mas para os times formados apenas por garotas que disputariam uma partida simultaneamente aqui em Beauxbatons. A partida seria narrada para todo o mundo bruxo no intervalo da final da Copa pelo irmão de Bianca e o diretor, apesar de ser contra a liberação de times mistos, teria que ceder a pressão.
A escola inteira já sabia o que ia acontecer e todos apenas aguardavam a hora combinada para começarem a migrar até o campo de quadribol. Eu sabia que o diretor suspeitava que algum tipo de movimento estava sendo organizado, mas ninguém planejava nenhuma mudança e logo depois do jantar segui com Nani para a radio como combinado. Nós transmitiríamos a partida de lá para todo o castelo, que seria narrada por Danielle do campo de quadribol, e fazer a ponte entre a radio de Beauxbatons e a radio onde Pierre estava, na Grã-Bretanha. Nosso trabalho era não deixar que nada interferisse na transmissão, principalmente a parte onde Pierre entrava.
- Está tudo no lugar? – perguntei pela 5ª vez, checando os aparelhos.
- Você já conferiu isso inúmeras vezes, Kwon – Nani riu – Não tem nada fora do lugar, nossa transmissão não vai ser interrompida.
- Ei, o jogo já vai começar – Marcel bateu na porta da rádio com AJ do lado – Vamos ficar por aqui, caso alguém tente entrar.
Assentimos com a cabeça e ele fechou a porta outra vez. Nani ligou o aparelho e imediatamente ouvimos a voz empolgada de Danielle no campo de quadribol, anunciando as jogadoras dos times. Bianca era a capitã do time roxo e Flora a capitã do time laranja. A arquibancada lotada fazia muito barulho e o som dos gritos dos alunos se misturava ao som das cornetas distribuídas por Andreas e Derek para agitar ainda mais a partida.
- Kwon na escuta? Câmbio – a voz de Pierre surgiu através do radio amador que tinha na sala e peguei o aparelho.
- Pode falar, PJ. Câmbio – respondi.
- Falta meia hora pra começar a partida aqui, vou colocar vocês no ar, ok? Câmbio.
- Avise a Danielle que ela vai entrar ao vivo pro mundo inteiro – falei para Nani e ela correu até a porta para falar com os meninos – Certo PJ, pode nos colocar no ar, a partida aqui já começou. Câmbio.
- Ok, e depois de 10 minutos, coloque a minha transmissão nos auto-falantes do castelo, vou falar um pouco do jogo também. Câmbio e desligo.
- Marcel mandou o aviso pelo espelho, ela já sabe que está ao vivo na final da Copa – Nani voltou ao lugar dela animada – Nós não vamos ser expulsos por isso, não é? Porque é tão empolgante!
- Espero que não – respondi rindo e aumentei o volume do radio, recostando-me na cadeira.
Com a transmissão do jogo sendo ouvida pelo mundo bruxo inteiro, a narração de Danielle se tornou ainda mais empolgante e precisa, ela não deixava passar nenhum detalhe. Era como se estivéssemos assistindo a partida do campo, e não apenas ouvindo. Seguindo a orientação de Pierre, tirei Danielle dos auto-falantes da escola e coloquei a transmissão dele, direto da Grã-Bretanha, e levei um susto quando o ouvi anunciar para todos os ouvintes que o diretor de Hogwarts, Alvo Dumbledore, junto com os diretores das escolas de magia da Itália, Alemanha, Japão e Espanha, eram a favor dos times mistos e apoiavam a iniciativa das meninas de Beauxbatons. A algazarra no campo aumentou depois da declaração.
- Isso é sério? – Marcel entrou na sala animado – O que PJ falou?
- Espero que sim, porque já causou uma comoção enorme – Nani respondeu apontando para o radio – Está ouvindo a gritaria?
- Entrem, entrem, entrem! – Derek e Tristan surgiram correndo na sala e empurraram Marcel e AJ para dentro, fechando a porta – Charleston está vindo e está soltando fumaça pelas orelhas!
Não foi nem preciso comunicação pra sabermos o que fazer. Derek passou a chave na porta e começamos a empurrar cadeiras e uma mesa vazia contra ela, para depois nos posicionarmos prontos para usar o peso do nossos corpos contra ela também. Nani continuou na mesa de controle para manter o jogo no ar.
- Abram essa porta! – ouvimos a voz furiosa do diretor enquanto socava a madeira.
- Desculpe senhor, mas isso não vai acontecer – Marcel respondeu e Derek sufocou uma risada.
- Eu não estou brincando, abram já essa porta ou vou mandá-la pelos ares. Basta um único feitiço!
- Acho que o senhor não vai querer fazer isso, senhor – Tristan respondeu – Marcel está encostado nela. Vai querer mandar um príncipe pelos ares? – agora todo mundo abafou a risada e ele virou para trás e baixou a voz - Se fosse o orfãozinho aqui, ele estourava a porta, mas com sua alteza...
- Eu posso ouvi-lo, Sr. Thorn! – ele esbravejou do lado de fora e AJ deixou uma gargalhada escapar – E estou ouvindo-os rir, isso não vai ajudar a limpar as fichas!
- Com todo o respeito senhor, mas as nossas fichas já estão bastante cagadas. Uma advertência a mais, uma advertência a menos, que diferença faz? – Derek falou despreocupado e até Nani riu alto. Estávamos brincando com fogo, mas era impossível não rir.
- Tirem essa partida do ar imediatamente, essa brincadeira já passou dos limites!
- Não é nenhuma brincadeira, senhor – agora quem falou foi eu – As meninas só estão tentando conquistar o direito de jogar na escola, o que é normal em outras escolas.
- Sr. Perrineau, se não abrirem esta porta imediatamente, vou mandar fechar a rádio! E eu não estou blefando!
Hesitei ao ouvi-lo ameaçar fechar a radio e Marcel percebeu. Ele se colocou de pé na mesma hora e me encarou sério.
- Ele não pode fechar a rádio, trabalhei muito para que ela fosse reaberta.
- Se você tocar nessa maçaneta, juro que lhe acerto um soco no mesmo instante – ele me ameaçou – Nossa amizade vai acabar aqui.
- Talvez a gente possa conversar com ele – tentei argumentar, mas os outros já estavam parados na minha frente de braços cruzados, formando uma barreira.
- Estou falando sério, Kwon. Se afaste dessa porta.
- Meninos, não vamos brigar entre si! – Nani falou assustada – Estamos aqui para brigar com ele, e não com nós mesmos!
- Segurem ele – Marcel falou e Derek e Tristan agarraram meus braços.
- O que está fazendo? Marcel, não mexa nisso! – falei me debatendo, quando ele se aproximou dos aparelhos e Nani não fez nada para impedir.
- Vamos bater um papo com o diretor agora – ele riu malicioso e os outros o acompanharam. Marcel tinha acabado de tirar a partida do ar e colocar os microfones de dentro da rádio no ar somente no campo de quadribol e na rádio de PJ – Senhor, será que podemos negociar? Por que não deixa que as meninas joguem? Qual é o problema?
- Sr. Grimaldi, não vai haver nenhum tipo de negociação. Vou manter minha decisão. Se as garotas querem jogar quadribol, faremos uma liga separada.
- Mas por quê? – AJ perguntou – Isso não faz o menor sentido.
- Se faz sentido ou não para vocês não me importa. Essa é a minha escola e as coisas funcionam do meu jeito. Não do jeito dos alunos, do meu jeito.
- Tem certeza, senhor? – Tristan falou.
- Não gosto desse tom de ameaça, Sr. Thorn!
- Desculpe senhor, não é tom de ameaça – Tristan sorriu maroto – Mas é que estamos todos no ar e as pessoas que estão esperando o jogo da Inglaterra e Alemanha voltar querem saber se o diretor de Beauxbatons é tão inflexível assim.
Silêncio. Não ouvíamos nada do lado de fora da rádio e ninguém emitia som algum do lado de dentro tampouco. Tínhamos duas hipóteses: ou o diretor havia sofrido um infarto fulminante e estava morto no chão ou estava pensando em como entrar na rádio, matar seis alunos e fazer parecer obra do destino. Depois do que pareceu uma eternidade, Derek resolveu quebrar o silêncio.
- E sabe, como o mundo está evoluindo, nenhum pai quer colocar os filhos em uma escola onde o diretor é uma pessoa inflexível, isso não é bom para a educação – ele falou em um tom sério que fez Marcel engasgar com uma risada.
- Marcel, se formos expulsos por isso, seu pai vai ter que nos colocar no mínimo em Hogwarts – Tristan falou baixo e todo mundo concordou, rindo.
- Ninguém vai ser expulso, relaxem – ele respondeu confiante – Senhor, ainda está ai?
- Sr. Grimaldi, se desligar a rádio, poderemos conversar – o diretor finalmente respondeu.
- Desligue a rádio, Marcel – falei tapando o microfone com a mão – Ele já está se sentindo ameaçado, não vai se manter tão radical.
- Ok, vamos abrir a porta e vou desligar a rádio, mas fiquem perto dos aparelhos. Se a coisa ficar feia, liguem outra vez. E alguém chame a Bia, por favor.
Desligue rapidamente os aparelhos que nos conectavam com Pierre e Danielle e os garotos removeram as cadeiras que bloqueavam a porta, deixando o diretor entrar e Tristan sair para chamar Bianca. O diretor entrou na sala já disparando um olhar ameaçador para o aparelho de rádio em cima da mesa, mas AJ, Derek e até mesmo Nani estavam de pé em frente a ele, bloqueando sua passagem. Marcel puxou uma cadeira para o diretor, mas ele recusou e cruzou os braços.
- Então, vocês me colocaram no ar para o mundo bruxo inteiro ouvir, muito inteligente.
- Não leve para o lado pessoal, senhor – AJ falou também de braços cruzados –Todos achamos o senhor um excelente diretor, mas estávamos de mãos atadas.
- Não, tudo bem, entendo a posição de vocês.
- Tudo que aconteceu aqui hoje só tem um intuito, que é fazer com que Beauxbatons também seja uma escola de times mistos – Marcel abandonou o ar brincalhão e encarnou seu lado diplomático que só víamos em festas de sua família – Não é nenhuma coisa absurda de se pedir. Até em Hogwarts os times são mistos, por que as meninas daqui também não podem ter esse privilegio?
- Não é tão simples assim.
- Então porque não nos explica? – Bianca chegou com Tristan na sala, o uniforme roxo todo sujo.
- Eu entendo que vocês também tenham o direito de jogar, mas quadribol é um esporte violento e a única vez que permiti que uma garota jogasse, ela quebrou uma costela e isso me custou uma aluna a menos, porque seus pais pediram sua transferência. Recebi uma tonelada de reclamações de pais dizendo o quanto fui irresponsável por deixar uma menina jogar com um time só de garotos e não estou disposto a correr o risco de passar por isso outra vez. Posso liberar um time separado, mas misto não.
- Bianca jogou conosco uma vez e não se machucou – Marcel argumentou – O que aconteceu com essa menina foi um acidente isolado, não significa que todas vão sair de campo com partes do corpo quebradas.
- Se me lembro bem, foi o batedor da Sapientai que saiu machucado de campo, quando o derrubei com uma goles desviada – Bianca falou orgulhosa de ter machucado um garoto em campo.
- Todo mundo já ouviu o apelo e temos o apoio de outros diretores, ninguém acha que vai ser um problema – AJ acrescentou.
- O máximo que posso fazer é liberar que vocês façam os testes e joguem a primeira partida da temporada, mas se houver um único acidente em campo, esse privilégio termina. Fui claro?
- Não haverá acidentes, senhor – Marcel estendeu a mão e ele apertou um pouco relutante – Tem a minha palavra.
- Vou ficar de olho. Não façam com que eu me arrependa disso.
Ele deu meia volta e saiu sala e no mesmo instante começamos a pular e berrar. Nani religou a rádio e peguei o microfone, anunciando que havíamos conquistado o direito de times mistos e pudemos ouvir a gritaria que tomou conta do campo de quadribol. Mas havíamos vencido apenas a batalha, não a guerra. Para vencer aquela guerra, teríamos que nos certificar de que nenhuma garota saia machucada do primeiro jogo da temporada. E se fossemos ter Bianca em campo nesse jogo, essa guerra já era nossa.
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