- O que é aquilo? – Eu falei com asco, enquanto encarava um ser putrefato e imenso que urrava para a noite. Ele parecia feito de vários corpos, com três braços, um rosto desfigurado e cheio de dentes, olhos costurados e malignos. Seu corpo era imenso e de cor cinza, cheio de costuras e pedaços de corpos diferentes. Em certos trechos não havia carne cobrindo seu corpo, e os ossos e tripas ficavam à mostra, assim como alguns órgãos internos, de forma que eu era capaz de ver parte de seu intestino grosso. Eu não conseguia entender como ele andava e mantinha-se inteiro. Apesar da distância que estávamos, eu podia sentir o cheiro que saia de seu corpo, e era extremamente nojento, misturando cheiro de podridão com carne estragada. Aquilo era uma abominação.
- É um Legion. Legions são criaturas formados por pura magia negra. Ele é uma mistura de dezenas, pelo tamanho talvez centenas, de Inferi. – Mamãe falou, enquanto mantinha a varinha com força em sua mão. A criatura ainda não havia nos notado, pois escolhemos um lugar onde o vento estava a nosso favor, para que nosso cheiro não chegasse até ele. Estávamos em pé no muro do cemitério, olhando-o de longe. Havíamos chegado até ali seguindo os relatórios do Ministro Alemão. Ao chegar perto da divisa com a Áustria, ouvimos notícias de arrombamento de túmulos, com o posterior sumiço dos corpos, além de rumores de uma criatura maligna e estranha que matara pelo menos dois camponeses.
- Quem teria coragem de fazer algo assim com pessoas mortas? – Eu falei chocado, enquanto pensava que os corpos de centenas de pessoas formaram aquele monstro. Fiquei enjoado quando a criatura abriu um tumulo com um único golpe de mão e pegou um corpo, começando a mastiga-lo. Era uma cena asquerosa, pois seus dentes comiam a carne morta com rapidez, espalhando pedaços de carne e órgãos pelo chão, enquanto ele emitia um horrível som de osso esmagado.
- Bruxos das trevas, da pior espécie, Necromancers. Devemos tomar cuidado filho, um Legion é muito mais forte e inteligente que um Inferi comum. E o mais importante, deve haver algum Necromancer nessa região, é raro um Legion se formar sozinho. Precisaremos investigar melhor o lugar. – Mamãe falou, me fazendo ter certeza de que algum bruxo maligno estava na região.
- Concordo, precisamos achar o responsável por isso e saber porque criou um monstro como este. – Falei enquanto mantinha a varinha segura. Nesse momento senti o vento mudar e imediatamente fiquei mais alerta. - Ele ainda sente medo de fogo? – Perguntei, enquanto apontava a varinha para o monstro, que sentiu o nosso cheiro de carne fresca com a mudança da direção do vento, olhando em nossa direção com o corpo ainda entre os dentes, rosnando com ferocidade.
- Sim, mas seus instintos também são mais fortes. Ele pulará no fogo para comer nossa carne, então não conte somente com o fogo. Vamos acabar com ele juntos.
A criatura urrou para nós e correu na nossa direção. Para meu espanto ele era mais rápido do que eu imaginava e destruía lápides enquanto corria. Eu e mamãe saltamos de lado em direções opostos e começamos a lançar feitiços. Um de seus braços parecia feito de algum material diferente de apenas carne humana, pois ele o usava como escudo e os feitiços não faziam efeito. Porém, mamãe conseguiu atingir um poderoso feitiço de chamas na lateral da sua cabeça, arrancando um urro de dor do monstro, que cambaleou e apoiou-se em um dos túmulos. Eu aproveitei para lançar feitiços em suas costas, causando explosões vermelhas, fazendo-o urrar também. Ele gritou para mim e agarrou uma das lápides, jogando-a contra mim. Eu apontei minha varinha para ela e a destruí no ar, notando que aquilo fora apenas uma distração e ele já estava muito próximo de mim, socando o ar com seu braço poderoso. O soco me atingiu, seu punho acertando toda a área da minha barriga e do meu peito, jogando-me com violência contra um jazido, me fazendo cuspir sangue e levantar com dificuldade, atraindo ainda mais o monstro.
Mamãe conseguiu faze-lo afastar-se de mim ao conjurar uma gigantesca bola de fogo e lançando-a contra ele, me dando tempo de escapar de seu alcance, enquanto ele se debatia. Eu e mamãe, os olhos agora brilhando em prateado, lançamos poderosas e longas labaredas contra o monstro, queimando-o com raiva. Ele urrou de dor e debatia-se, atingindo os túmulos, tentando em vão apagar o fogo. Ele, porém, realmente era inteligente, e usando seus três braços jogou uma enorme quantidade de terra para o alto e sobre seu corpo, criando uma espessa nuvem escura.
Eu e mamãe tossíamos, e tínhamos dificuldade de enxergar, por isso guiávamo-nos pela audição e pelo olfato, porém nada sentíamos. A nuvem baixou rapidamente e pudemos olhar em volta e para o nosso espanto, não havia sinal dele.
- Droga, ele escapou! – Falei, enquanto apontava em todas as direções.
- Vamos continuar procurando-o. - Mamãe falou, fazendo sua varinha brilhar intensamente, criando um forte clarão.
- Não, ele ainda está por aqui, posso sentir. – Eu falei, aguçando ainda mais meus sentidos. Eu sentia algo se movimentando, mas não sabia onde.
- Cuidado! – Mamãe gritou.
Então notei com terror. Dois dos braços do Legion surgiram da terra, agarrando-me e puxando-me para baixo com força. Eu fiquei preso por seus braços e semi-enterrado pela terra fofa do cemitério, enquanto seu terceiro braço apertava minha garganta, tentando me matar. Um grito de dor ficou sufocado em minha garganta, enquanto a falta de oxigênio dificultava meu raciocínio e meus reflexos. Mamãe correu em me ajudar e com um forte floreio da varinha fez a terra sob mim desaparecer, revelando o monstro semi-enterrado. Ele grunhiu para mamãe e eu consegui reunir um pouco de força, chutando seu rosto desfigurado. Mamãe pulou no ombro do monstro, enquanto eu mantinha seus braços ocupados, e apontou a varinha entre os olhos do monstro, disparando um feitiço vermelho a queima-roupa.
O Legion sequer soltou algum tipo de grito de dor e no instante seguinte seus braços penderam sem forças, enquanto ele morria. Eu consegui me desvencilhar e massageava o pescoço, onde havia um hematoma em forma de mãos grotescas. Mamãe me ajudou a me levantar, apontando a varinha para meu pescoço e curando meu machucado. Nós respiramos com dificuldade, enquanto saíamos do buraco onde o Legion estava enterrado. Nos viramos para apontar a varinha para ele e queima-lo de vez, quando para nossa surpresa e horror, ele pulou urrando de raiva contra nós, ainda vivo. Ele acertou um forte soco em mamãe, jogando-a longe e virava-se para me morder, porém fui mais rápido que ele.
Meus olhos brilhavam em um forte tom de prata e enfiei minha varinha no meio de seu intestino, causando uma explosão dentro dele. A explosão foi tamanha que senti todo o seu corpo tremer. Em seguida eu lancei um feitiço incendiário no mesmo lugar e ouvi o monstro gritando de dor. Ele começou a debater-se e em seu desespero me acertou com um dos braços, jogando-me longe. Mamãe já estava de volta e me aparou no ar com a varinha. Nós dois apontamos nossas varinhas para ele, e, ela com os olhos em prateado também, lançamos uma imensa chama vermelha apontando no intestino do monstro. Ele queimou de dentro para fora, pedaços de seu corpo soltando-se enquanto a energia que os mantinham unidos era destruída, exalando um cheiro ainda mais forte de podridão, enquanto o Legion caia ao chão completamente destruído, uma imensa chama negra subindo para o ar, enquanto um odioso som de carne fritando era ouvido.
Nós respirávamos com dificuldade, e mamãe me ajudava a me manter em pé, enquanto curava nossos ferimentos. O Legion ainda queimava em uma chama negra, e podíamos ouvir o som asqueroso que fazia. Definitivamente haveria um Necromancer na região e precisávamos acha-lo.
Na noite seguinte, eu e mamãe seguimos novas pistas. Aldeões nos falaram que viram um homem suspeito andando na noite anterior perto de outro cemitério e na mesma noite, podiam jurar que viram corpos saindo de dentro do cemitério. Só poderia ser um Necromancer, conseguindo novos servos. Porém, não conseguimos maiores informações, principalmente sobre Procyon, mas decidimos investigar.
Nós não falávamos uma palavra e devido a nosso treinamento, emitíamos pouquíssimos sons ao andarmos pelo campo. Usamos a Linguagem de Batalha dos Chronos, que consistia em assovios rápidos e gestos de mãos. Essa precaução era porque havíamos encontrado um grupo de Inferi, além de uns seres estranhos que lembravam fantasmas, mas eram mais nítidos.
- São Banshees, almas retiradas de humanos vivos. Eles devem estar funcionando como vigias, e aqueles Inferi devem estar patrulhando a área. Devemos estar perto do local onde o Necromancer está. – Mamãe falou em minha mente, usando a Leglimência. Com dificuldade eu respondi, pois era pouco hábil nesse tipo de conversa.
- Vamos com cuidado então, elas podem alertar o Necromancer. Eu sinto algo mais no ar.
- Eu também. Há mais seres malignos aqui. Sente os Dementadores?
- Sinto, eles estão perto. E eu estou sentindo uma presença estranha, não sei definir se está morta ou viva.
- Grave bem essa sensação filho, é um vampiro. São as criaturas mais perigosas e letais que você irá enfrentar.
- Isso é um vampiro? – Falei assustado, sentindo a aura maligna e sedenta de sangue.
- Sim. A sede de sangue deles é quase palpável. Vamos com cuidado a partir de agora.
- Está bem, eu vou na frente.
Mamãe concordou com a cabeça, pois ela sabia que ela era melhor para proteger nossa retaguarda. Nós andávamos lentamente, misturando-se a noite, mas com todo cuidado, pois sabíamos que aqueles seres tinham sentidos mais aguçados que os nossos.
O local onde estávamos era muito afastado de qualquer cidade ou vila, e os aldeões não iam ali com freqüência, pois temiam haver algo de maligno ali, e comprovávamos esse medo. Era perto de uma montanha e podíamos ver que ela possuía uma entrada para uma caverna e os Inferi e Banshees se concentravam ali. Eram em torno de vinte banshees e pelo menos 20 Inferi, sendo que mais próximo da entrada da caverna, podíamos ver ao menos 15 dementadores. Aquele local era o covil do Necromancer com toda certeza, pois de que outra forma haveriam tantos servos no local?
Estávamos a algumas centenas de metros, quando todos os seres pararam e abriram caminho, e ouvimos vozes exaltadas vindo de dentro da caverna. Nós paramos imediatamente, escondendo-nos nas sombras. Eu podia ouvir três vozes distintas, duas delas masculinas e uma feminina, sendo a feminina extremamente fria. E eu reconhecia uma das vozes.
- Melegrant, O Lord das Trevas está irritado! Você está demorando demais para construir o exército que ele ordenou! – Alguém falou, friamente, mas com força na voz, e eu tive que me segurar enquanto cerrava os punhos. Meus olhos ficaram prateados no mesmo instante, mas mamãe segurou minha mão, fazendo que não com a cabeça. “Não use Leglimência, um vampiro irá lê-la de uma distância tão curta”, eu ouvi o eco de sua voz, lembrando-me do que ela falara mais cedo. Porém, seus olhos também estavam prateados, pulsando de raiva daquele traidor. Era Procyon.
Continua....
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