Thursday, September 17, 2009

Desde o inicio das férias de verão, Danielle, Bianca e eu éramos os únicos habitantes da nossa turma a permanecer em Mônaco. Cada um dos outros havia programado alguma viagem e não vi ninguém além das meninas desde que desembarcamos em Paris, no dia 1º de Julho. A cidade não era muito grande, mas os atrativos para o verão eram intermináveis. O tempo passava depressa, mas ainda nos restavam duas semanas em casa e planejamos passar três dias em Saint-Tropez para aproveitar os últimos dias de férias antes de voltarmos para Beauxbatons.

Eu estava particularmente animado para essa viagem, não via a hora de pegar minha velha prancha de surfe e pegar algumas ondas. Passei a semana inteira que antecedeu a viagem limpando ela, passando parafina e retocando alguma falha que pudesse ter na pintura, mal me preocupei com a mala que deveria levar. Se tivesse minha prancha, não ia precisar de mais nada. No dia combinado para irmos, deixei tudo na sala, próximo à lareira, e fiquei esperando pelas meninas. Íamos através de lareira, porque embora já soubesse aparatar, ainda não nos sentíamos seguros de fazer uma aparatação para aquela distancia toda.

- Kalani, as meninas chegaram – ouvi minha mãe chamar da cozinha e depois fechar a porta.
- E ai? Prontas? – levantei do sofá agitado, mas percebi que só Bianca carregava uma mala – Dani, cadê sua bolsa?
- Ela não vai – Bianca respondeu parecendo irritada – Está nos dando cano!
- Não estou dando cano em ninguém, só mudei de idéia, ok? – Danielle se defendeu. Pelo visto as duas vinham discutindo no caminho.
- Mas por que não vai mais? Aconteceu alguma coisa? – perguntei preocupado.
- Não aconteceu nada, eu só não estou muito no clima pra viajar – ela deu de ombros – Não sei o que é, mas sinto que não é para eu acompanhar vocês até Saint-Tropez. Algo me diz que devo ficar aqui.
- Danielle está virando hippie, vai passar a seguir seus instintos – Bianca zombou e Danielle fez uma careta impaciente.
- Deixe-a em paz, Bia – tentei intervir – Se Dani acha melhor ficar, então podemos remarcar a viagem.
- Não, de jeito nenhum! Não quero que deixem de ir por minha causa, especialmente você, Kal. Está alucinando por causa das ondas da praia tem dias, temo pela sua saúde se você não for mais.
- Não vai ter a mesma graça sem você – Bianca abandonou o ar sarcástico e olhou desanimada para ela.
- Tenho certeza que vocês vão se divertir do mesmo jeito.
- Tem certeza disso? – perguntei.

Danielle nos garantiu que não ia ficar chateada por não desmarcarmos os planos, então nos despedimos dela e entramos na lareira. Caímos direto na lareira do hotel La Pinede, onde nos hospedaríamos e pertencia a uma família de bruxos. Ficava bem em frente ao oceano, eu não poderia estar me sentindo mais em casa ao largar a mala no chão e sentir o cheiro da maresia invadindo o saguão.

- A gente se encontra aqui em 10 minutos? – falei ajeitando a mochila no ombro e Bianca assentiu com a cabeça, subindo as escadas animada.

Não demorei nem 5 minutos para trocar a calça jeans e a jaqueta por uma bermuda e uma camiseta, e os tênis novos por um chinelo folgado nos pés. Tirei meu velho boné da mochila e os óculos escuros que não usava há quase um ano e desci outra vez para o saguão com a prancha debaixo do braço. Bianca demorou uma eternidade para descer, mas quando apareceu ao pé da escada, percebi o porquê da demora. Ela estava toda produzida, nem parecia que ia a praia se molhar na água salgada e pisar na areia. Mas apesar da produção nada convencional, ela estava linda. Usava um vestido de tecido fino que caia perfeito em seu corpo cheio de curvas e podia ver que usava uma roupa de banho com babados, por causa das elevações em algumas partes. Seu rosto estava maquiado, mas só pude notar isso quando se aproximou, pois a sombra que o chapéu fazia disfarçava. E ela usava perfume, o mais delicioso que já senti.

- Vamos? – ela sorriu passando por mim – PJ diz que sou azarada, então é melhor irmos logo antes que comece a chover.
- Ahn, por que está tão produzida para ir à praia? – perguntei depois que consegui fechar a boca outra vez – Seu cabelo está muito arrumado pra ser todo bagunçado na água.
- Você queria que eu saísse na rua toda desleixada só porque não estamos indo a algum lugar fechado? – ela perguntou, mas não esperava uma resposta e saiu andando na minha frente.

Peguei a prancha encostada na parede e corri atrás dela, sem tocar outra vez no assunto. Mas apesar de todo o preparo para chegar até a praia, Bianca abandonou tudo quando pisou na areia. Ainda nem tinha a alcançado e ela já havia tirado o vestido, revelando um biquíni de duas peças cheio de babados e estampa de bolinhas. Senti uma gota de suor escorrer pela minha nuca, mas forcei um sorriso quando ela me olhou animada, avisando que ia entrar na água logo.

Enterrei a prancha na areia e me larguei ao lado dela, observando Bianca entrar devagar na água, pulando por causa da temperatura gelada. Não adiantava tentar me enganar, eu havia me encantado por ela desde o momento que a conheci, mas quando descobri que ela era namorada do Philipe passei a ignorar aquele fato. E estava ignorando tão bem que achava que podia passar três dias sozinho com ela numa praia, mas estava enganado. O problema era que agora era tarde demais e teria que afastar qualquer idéia inapropriada da mente, pois ela não só tinha namorado como esse namorado era agora meu irmão e eu jamais teria coragem de magoá-lo. Eu era bom em fingir, podia sobreviver a Saint-Tropez. Bianca acenou de dentro da água sorrindo e levantei da areia, pegando a prancha e correndo até ela, decidido a aproveitar o fim das férias com a consciência limpa.

ººººº

Estava me saindo muito bem no meu papel de fingir que não carregava nenhum tipo de sentimento além de amizade por Bianca. Já estávamos na manhã do nosso terceiro e ultimo dia em Saint-Tropez e estávamos nos divertindo muito, como bons amigos. Passávamos a maior parte da manhã na praia, mas também perambulávamos pelas ruas da cidade comprando lembranças para os amigos e gastando dinheiro com sorvetes para tentar amenizar o calor que fazia. À noite sempre íamos ao mesmo quiosque na praia, onde tinha luau durante todas as noites do verão.

As malas já estavam prontas no hotel e voltamos para uma última visita a praia. Bianca havia decidido que ia aprender a surfar e passou os últimos dois dias tentando me persuadir a ensiná-la. Alugamos uma prancha para ela e depois de uma aula na areia, entramos no mar. Por sorte estava calmo, o que facilitaria bastante. Bianca era boa no quadribol, mas não era tão ágil assim no mar.

- Lembra o que ensinei na areia? – perguntei sentado na minha prancha, a ajudando a se manter sentada na sua – Quando a onda vier, faça exatamente aquilo.
- Mas como vou ficar em pé? Na areia a prancha estava firme no chão!
- É muito rápido, a prancha não vira nesse meio tempo em que você toma impulso e fica de pé nela.
- E se eu cair no meio da onda e me afogar? – ela estava começando a se desesperar e comecei a rir – Philipe vai matar você se eu morrer afogada. E se por acaso ele não matar, eu volto pra puxar seu pé!
- Você não vai morrer afogada e Philipe não vai me matar – talvez matasse, mas por outro motivo – Apenas faça o que ensinei e vai conseguir. As ondas estão fracas hoje, não tem perigo. Fica preparada, está vindo uma...

Bianca olhou para trás concentrada, o corpo rígido deitado sobre a prancha. A onda que se aproximava não era violenta e ela conseguiu executar todos os movimentos simples que havia ensinado, deslizando pela água de pé na prancha. Já estava quase no final quando olhou para trás me procurando e perdeu o equilíbrio, caindo feio dentro d’água. Nadei o mais rápido que pude até ela assim que vi sua prancha voar para um lado enquanto ela afundava do lado oposto, tentando se sobressair na onda que ainda batia um pouco agitada. Consegui alcançá-la a tempo e a agarrei pela cintura, arrastando-a até a areia segura e seca.

- Bia, você está bem? – perguntei preocupado. Embora ela respirasse, estava muito ofegante.
- Não, não estou bem! – ela respondeu irritada, tossindo e cuspindo água – Devo ter engolido 2 litros de água salgada e minha cabeça doi.
- Deve ter entrado água pelo seu nariz – falei sério, mas logo estava tentando não rir – Foi um tombo feio.
- Você disse que a onda era fraca!
- E era! Se parar pra pensar, a culpa foi sua, não da onda – ela me lançou um olhar indignado, o que só me fez rir mais – Você estava indo bem, só caiu porque olhou pra trás e acenou pra mim. Erro primário, nunca perca a concentração até que esteja na areia!
- Vou me lembrar disso da próxima vez.
- Vai ter uma próxima vez? – perguntei surpreso.
- Claro! Acha que vou desistir na primeira tentativa que deu errado? Vamos voltar aqui no próximo verão e você vai continuar a me dar aulas.
- Pensei que tinha enjoado da minha cara nesse verão, vai querer continuar me tendo por perto? – brinquei e ela riu, mas depois ficou séria.
- Não posso me cansar da pessoa que salvou o meu verão. Se você não tivesse sido minha companhia permanente, acho que teria entrado em depressão outra vez.
- Não foi nenhum sacrifício, você é uma ótima companhia. É meio maluca, mas é muito divertida – e ela riu outra vez.
- Você também não é nada mau, havaiano. Só precisa melhorar suas habilidades com a dança.
- E você com a prancha – abri um sorriso debochado outra vez e ela parou de sorrir – O tom foi realmente espetacular.
- Para de rir, não teve graça.
- É porque você não teve a visão que eu tive – agora já estava gargalhando – Bia, você voou sem uma vassoura, tem noção de que isso pode revolucionar o quadribol? Pena não ter uma câmera na mão, daria uma bela filmagem.

Bianca ainda me fuzilava com os olhos, mas em um movimento rápido, enfiou a mão na areia e atirou uma coisa que se mexia pra cima de mim. O objeto não-identificado parou em cima da minha cabeça e se embolou no meu cabelo, me fazendo saltar da areia com um grito de susto, enquanto tentava arrancá-lo de lá. Agora quem ria era ela, enquanto eu lutava contra meus cabelos embolados para livrá-los do bicho. Por fim consegui me livrar dele e atirei no chão, vendo que era um filhote de caranguejo. O bicho rapidamente sumiu pela areia da praia e Bianca rolava no chão de tanto rir.

- Ah, você é uma pessoa morta...

Quando viu minha expressão, levantou em um único salto e saiu correndo pela areia, ainda rindo. Fui atrás dela e a alcancei numa questão de segundos, a agarrando pela cintura e derrubando no chão, mas caindo junto. Ela agora lutava pra se livrar das minhas mãos, que enchiam seu cabelo de areia, mas ainda caçoava do incidente com o caranguejo.

- Que maricas, gritando daquele jeito – ela me provocou, tentando se soltar – Parecia uma menininha.
- Vou te mostrar quem é menininha.

Ela gritou por socorro, mas continuava rindo. Agora tinha suas duas mãos bem presas e prendi suas pernas com o peso das minhas, tinha total controle da situação. Ela parou de gritar quando viu que não ia conseguir se soltar e passou a me encarar. Estávamos muito próximos, meu corpo estava todo em cima do dela e não tinha dúvidas de que se ela não fosse comprometida, estaria tirando proveito daquela situação. Mas mais uma vez me forcei a lembrar que ela era namorada do meu irmão, era território proibido.

Bianca continuou me encarando sem dizer nada por quase um minuto e, num movimento que eu jamais poderia imaginar, ergueu a cabeça da areia e me beijou. Minhas mãos automaticamente soltaram as suas e procuraram por sua cintura, enquanto ela passava seus dedos em meus cabelos e nuca. Eu sabia que aquilo era errado e que no segundo que acabasse, me sentiria a pessoa mais suja e horrível do mundo, mas tudo que conseguia pensar naquele momento era que tinha a garota dos meus sonhos tomada em meus braços. E que havia sido ela a dar o primeiro passo.


Well I didn't mean for this to go as far as it did
And I didn't mean to get so close and share what we did
And I didn't mean to fall in love, but I did
And you didn't mean to love me back, but I know you did

Plain White T’s - A Lonely September

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