Monday, March 31, 2008

África do Sul

Alguns dias antes da viagem de formatura...

“Isa,

Estou enviando o que você pediu, embora ainda não saiba seus motivos. Espero que seja útil na busca.
Fique de olho na Bel por mim.

Beijos,
Rebecca Damulakis”

Um pequeno livro com capa de couro parda caiu em minhas mãos. As escrituras estavam gastas, mas ainda lia-se nitidamente “Phoebe Damulakis”. Alguma coisa me dizia que aquele diário traria respostas para o roubo do Grimoire, mas por enquanto, eu não falaria nada para a Bel.

°°°°°

- Uma girafa pode limpar suas próprias orelhas com a língua. – O guia disse enquanto caminhávamos por uma trilha onde podíamos ver, não muito longe, um grupo de girafas.
- Grande coisa. – Bel bufou próxima a mim. – Girafas são... inúteis. Grandes, pescoçudas, nojentas e inúteis. Prefiro vacas.
- Nossa. Que bela comparação! Girafas e vacas são quase iguais mesmo. – eu disse provocando em voz alta e algumas pessoas riram. Bel levantou a sobrancelha.
- Ao menos vacas nos dão leite.
- Assim como podem fazer as cabras. – Brenda disse com simplicidade.
- E não têm pescoço gigante. – Bel insistiu.
- Mas têm peito caído. – Dora disse arrancando gargalhadas gerais.
- E não enfiam a própria língua dentro do ouvido! – Bel começava a ficar vermelha, mas não encontrou nenhum apoio.
- Pelo menos elas se limpam. Vacas são imundas e fedidas, de natureza. – respondi e Bel já preparava um contra-ataque quando Professor Pierre nos interrompeu.
- Meninas, será que podemos discutir isso outra hora? Vamos andar mais um pouco. Ali na frente estão os leopardos...

Bel engoliu o que ia dizer e fechou a cara. Durante todo o restante do safári no Kruger National Park, ela não disse mais nada. Bel andava muito esquisita, desde o dia dos namorados. Fora as investigações do Grimoire que não tinham chegado a nenhuma conclusão de fato.

- Anne, você sabe o que aconteceu com a Bel? – perguntei em voz baixa para que somente Anne pudesse escutar. Ela deu uma olhada para Bel, já distante de nós.
- Ela e o Bernard estão um pouco... frios, um com o outro. – Anne respondeu sacudindo os ombros.
- Frios? Frios como?
- Frios... frios. Entende? Ela não me contou muita coisa, mas disse que ele tentou avançar o sinal no dia dos namorados e ela entrou em pânico. Depois ele se declarou pra ela, e ela não conseguiu dizer nada. Desde então estão assim.
- Entendo.

Observei Bel caminhar silenciosa trocando meia dúzia de palavras com Ulisses Bonaccorso vez ou outra. Não sabia exatamente o porquê, mas sentia uma antipatia enorme por aquele garoto.

°°°°°

O som da batucada de tambores explodia para os quatro ventos de uma das praias de Sun City. Agora, só tínhamos mais uma semana para aproveitarmos na África do Sul, e a festa estava animada.

Além do batuque, vários homens jogavam Capoeira no meio de uma roda e cantavam bem alto músicas que não conseguíamos entender, mas que de certa maneira, fez com que várias pessoas se soltassem e arriscassem um gingado diferente.
Nos serviram várias bebidas de frutas e as comidas tradicionais. Anne passou oferecendo algo que mais parecia cebola empanada, mas era bem crocante e tinha um gosto exótico.

- Gostoso. O que é isso?
- Não sei. Me deram um para provar e gostei, aí trouxe para vocês.
- Ahhh, grilos! – Professor Pierre saiu com a respiração arquejante do meio da roda. Tinha acabado de protagonizar uma verdadeira cena cômica ao “jogar” capoeira com um africano nato. Avançou para a bandeja que Anne segurava e sem cerimônias, engoliu um dos petiscos quase sem mastigar.
- Desculpa, professor. Mas o que o senhor disse que são? – Dora perguntou já com uma careta apontando para a bandeja, e o professor apanhou mais dois ou três, enfiando-os na boca.
- Grilos. Aqui é comum comerem. São deliciosos, ham?

Sorrindo, ele se afastou já batendo palmas no ritmo das batucadas. Eu, Dora, Brenda e Anne nos entreolhamos e senti meu estômago dar uma volta completa. Bel riu.

- O que vocês esperavam? Caviar? – perguntou sarcástica. – Bom, mas se não gostaram dos grilos, acho que vão gostar de... – ela pensou um segundo e sem dizer mais nada, foi até a mesa de comidas. Voltou um segundo depois com algo que parecia ser uma coxa na mão. - Coxa de Ginu. Pena que escolhi ser vegetariana, mas essa coxa deve estar deliciosa, não acham? – rindo, se aproximou de mim apontando a coxa para o meu peito, como uma arma. – Prova, Isa. Você vai adorar.
- Não quero, Bel. Obrigada. – mas ela continuou caminhando em minha direção com um sorriso maníaco. Dei alguns passos para trás, assustada, e ela aumentou a velocidade. Corri.
- O que foi, Isa? Também não gosta de Ginu? – ela perguntou gritando enquanto eu corria, e antes que eu pudesse me afastar demais a ouvi dar uma gargalhada solitária e bastante exagerada.

Alcancei os meninos do time que conversavam sobre os jogos de semifinal e a boa classificação da Fidei. Era a primeira vez, em seis anos, que a Fidei tinha concretas chances de vencer o campeonato de quadribol. Procurei por Brendan, mas ele estava conversando muito intimamente com Raina Casale (uma das batedoras da Sapientai) então decidi não atrapalhar.

Sentei-me um pouco afastada de todos, sozinha. Um minuto depois, Dora se aproximou e sentou-se ao meu lado.

- A Bel está bêbada ou surtou? Ficou rindo sozinha um tempão, e nem foi tão engraçado ela te “atacar” com aquela coxa.
- Não sei. Alguma coisa muito estranha está acontecendo com a Anabel...

°°°°°

- BEL! Você perdeu completamente o juízo? – eu perguntei exasperada enquanto ela se preparava para saltar da ponte Blaauwkrans, o mais alto bungee-jumping do mundo.

Agora, faltavam apenas dois dias para voltarmos para Beauxbatons e fazíamos os passeios finais. Já havíamos conhecido vários museus, parques, praias e vinícolas. Centros comerciais e culturais e vários safáris.

- Não, Isabel. Nunca estive tão lúcida.
- Então pode me dizer por que está se preparando para saltar desse troço? Eu sei que você tem medo de altura! Rebecca me contou como você ficou exasperada na primeira aula de vôo! Voc... OUCH! – ela pisou com força no meu pé e senti meu olho se encher de lágrimas.
- Escuta aqui... Você não tem nada a ver com a minha vida. Se não quiser me ver saltar, some. – ela disse seca dando uma olhadela por cima do ombro. Acompanhei. Ulisses Bonaccorso sorria vitorioso.
- Já entendi. Você foi desafiada.

Ela não respondeu. Se amarrou em todos os ganchos e o instrutor começou a passar diversas orientações. Decidida, tracei uma reta até Ulisses.

- Foi você?! – eu o acusei já com a voz alterada, mas ele não desfez o sorriso.
- Eu o que?
- Você quem encheu a cabeça da Anabel para ela saltar desse negócio!
- Você está louca.
- Se alguma coisa acontecer com ela, eu juro que... – apontei o dedo para o nariz dele, mas não completei a frase. Bel pulou da ponte e ouvi seu grito. Corri até a beirada, me espremendo entre os alunos para observar.

A coisa foi toda muito rápida. Ela saltou, depois de 2 minutos a puxaram de volta, estava em transe e completamente descabelada.

- Bel. Você está bem?

Ela me encarou fundo nos olhos e sem dizer nada, se afastou da aglomeração e ficou estática no meio da ponte.
Ia até ela, mas Ulisses foi mais rápido. Antes que eu pudesse intervir, ele a puxou com força e a beijou. Ao contrário do que eu imaginara, porém, ela não se afastou. Deixou-se levar por ele e correspondeu ao beijo.

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