Das lembranças de Ian Lucas Renoir Lafayette
Do you believe in magic in a young girl's heart
How the music can free her, whenever it starts
And it's magic, if the music is groovy
It makes you feel happy like an old-time movie
I'll tell you about the magic, and it'll free your soul
But it's like trying to tell a stranger 'bout rock and roll
"Do You Believe in Magic" - The Lovin’ Spoonful
- Consegui! – Dominique vinha correndo com um envelope na mão – 7 ingressos!
- Grande Nick! Esse vai ser o melhor sábado das nossas vidas! – falei puxando os ingressos da mão dele e analisando
No próximo sábado teríamos visita a Paris e mesmo sabendo que era dia dos namorados, nos programamos para outro tipo de passeio: assistir à final da Taça Européia de Quadribol, entre o Napoleons Olympiques e o Vratsa Vultures, time da Bulgária. As respectivas namoradas teriam que ser compreensivas e todos que as tinham, estavam programando algo especial para recompensá-las. Mas o que quer que fosse, definitivamente seria depois do jogo!
Não conseguíamos falar de mais nada além desse jogo durante toda a semana. Seria a final do século, o Olympiques não chegava tão longe assim há anos e o time da Bulgária era considerado o melhor de todos os tempos, tendo chegado à final invicto. Bom, ele certamente perderia a invencibilidade na final, levando uma surra do time da casa.
Era véspera do jogo e estava na Lux com Bernard. A mãe dele estava lá, pois era aniversário de Amélia e Bernard me arrastou até lá. Não que eu não gostasse de comer bolo de graça, mas ficava extremamente desconfortável perto da irmã dele. Amélia é apaixonada por mim desde que se entende por gente e eu não aprendi a contornar isso ainda, afinal, ela tem 4 anos a menos que eu. E Bernard não ajuda em nada, debochando da situação o tempo inteiro. Elas conversavam alguma coisa sobre um baile de dia dos namorados quando percebi, tarde demais, que não deveria estar ali.
- Nem pensar mamãe, não vou levar Amélia a baile algum – Bernard protestou ao meu lado – Seria demasiado esquisito!
- Mas eu não posso ir sozinha, seria ridículo – Amélia tinha os olhos cheios de lágrima
- Que baile é esse? – cai na besteira de perguntar – E qual o problema de você acompanhar ela?
- Eu sou irmão dela, não posso acompanhá-la a um baile cheio de frescuras! Por que não vai você?
- Ah, excelente idéia meu querido! – a mãe de Bernard logo se animou com a idéia – Acho que o Ian não se importaria de acompanhar Amélia ao baile, não é mesmo?
Eu nem consegui responder. Comecei a gaguejar e engasgar com o bolo, enquanto Bernard dava tapa nas minhas costas. Eu não podia ir com ela! Por inúmeros motivos óbvios, mas o maior deles era que o baile era no mesmo dia da final! Mas como eu diria isso a Sra. Lestel? A cara de alegria de Amélia também me impediu de rejeitar o convite. Depois que as duas saíram olhei furioso para Bernard.
- Eu mato você!
- Obrigado cara, minha irmã ficou realmente feliz...
- Como você deixou isso acontecer??? – eu quase berrava – Não posso acompanhar sua irmãzinha a um baile idiota quando tem um jogo da Taça Européia acontecendo!
- E você vai ter coragem de partir o coração dela dizendo isso? – a cara que Bernard fazia só me fez ter mais vontade de socá-lo
- Você vai desfazer isso! Pode esquecer, não vou a baile algum com ela! – disse saindo irritado da Lux e largando ele pra trás
Mas Bernard não desfez nada. E honestamente, mesmo que ele tivesse tentado não teria adiantado. Então no sábado, dia da grande final, eu me encontrava em um salão de festas cheio de pirralhos me estressando com uma gravata estúpida, prestes a esperar uma menina de 13 anos para acompanhá-la a um baile idiota. E sim, com muita raiva do meu suposto melhor amigo!
Olhei no relógio aflito. Os meninos já deviam estar no estádio de quadribol, que para o meu total desespero, se localizava a menos de 500 metros de onde eu estava. A professora Emily pediu que descêssemos para esperar as meninas e vi Amélia no canto do salão, olhando ansiosa. Ela logo abriu um sorriso quando me viu, o que me deixou com a consciência pesada: estava considerando seriamente a hipótese de fugir pelo muro dos fundos e largá-la lá.
A ultima vez que participei de um bailinho desses estudava em um colégio trouxa e tinha 9 novas. Lembrava-me de ter passado mal uma semana inteira na expectativa de convidar a menina que gostava, incerto de que ela aceitaria meu convite. Também lembrava muito bem que Bernard passara pelo mesmo sufoco que eu para convidar uma menina de óculos e tranças no cabelo. Acho que ele tem tara por óculos. E o clima desses bailes não mudara nem um pouco: eram os meninos sentados de um lado e as meninas de outro, ambos os lados tentando criar coragem para convidar o outro para dançar, mesmo já tendo ido acompanhado. Alguns meninos começaram a se animar e puxar seus pares para uma dança lenta e vendo o olhar apreensivo no rosto de Amélia, decidi sair para tomar um ar. Já estava ali obrigado, ter que dançar era um pouco demais!
O casarão tinha uma enorme piscina nos fundos e afrouxei o nó da gravata enquanto deitava em uma das espreguiçadeiras. Se eu pulasse na piscina talvez não me deixassem entrar no salão e assim quem sabe poderia ir embora... Mas não, não teria coragem de fazer isso com ela. Revoltado comigo mesmo por estar com pena na hora errada, fechei os olhos, certo de que acordaria daquele pesadelo a qualquer instante. Ouvi algumas vozes vindas do outro lado do muro e sentei na espreguiçadeira. Eram as vozes de Bernard, Michel, Dominique, Viera, Samuel e Patrick. Os seis pularam o muro e pararam na minha frente, todos com chapéus e bandeiras dos Napoleons Olympiques.
- O que estão fazendo aqui?
- O jogo foi interrompido, saímos para resgatar você! – Michel falou animado
- Como está o jogo? – perguntei desanimado
- Estamos ganhando, mas por muito pouco – Samuel falou – Se o apanhador deles capturar o pomo não temos a menos chance
- Anda Ian, vamos embora – era Bernard que falava agora e me espantei – Desculpa ter colocado você nessa roubada, mas não posso deixar você aqui com um jogo daqueles acontecendo!
- Está louco? Não posso sair daqui! – nem eu mesmo acreditei no que estava dizendo
- Claro que pode, é só pular o muro! – Viera recebeu o apoio dos outros
- Anda Ian, vai ficar aqui e perder o melhor jogo de quadribol de toda a história da Taça Européia??
Meus amigos estavam parados na minha frente, prontos para pular de volta pra o outro lado do muro, esperando que eu fosse com eles. E eu estava realmente tentado a arrancar aquela gravata e pular o muro atrás deles. Estava prestes a fazer isso quando olhei para trás, a porta que levava ao salão do baile aberta. Pude ouvir a musica que tocava, era uma muito antiga que tocou no ultimo baile desses que fui, aos 9 anos. Era a mesma musica que tocava quando criei coragem e convidei a menina que gostava para dançar. Lembrei-me da expressão de desapontamento no rosto de Amélia quando me viu saindo do salão. Era torturante, talvez a coisa mais difícil que já fiz em toda a minha vida, mas não poderia ir embora.
- Vocês vão ter que me contar como foi o jogo depois
- Tem certeza? – Bernard perguntou
- Sim, podem ir, eu vou ficar...
Fiquei observando os 6 pularem o muro e os ouvi correndo pela rua escura de volta ao estádio. Não sei se fiquei muito tempo encarando o pátio vazio onde eles estavam segundos antes, mas a voz de Amélia vindo da entrada do salão me tirou do transe. Ela tinha os olhos um pouco vermelhos. Estava claro que havia chorado. Ótimo, tudo que mais odeio é ver alguém chorando, isso me deixa desconfortável. Nunca sei o que fazer ou falar, e geralmente falo alguma bobagem.
- Se quisesse poderia ter ido com eles – ela falou se aproximando – Sei que não sou uma boa companhia
- Não, não é isso – falei depressa com receio dela começar a chorar – Isso não tem nada a ver com você
- Não precisa mentir, Lucas. Sei que você não me suporta e só está aqui porque não queria desapontar minha mãe
- Amélia, eu não detesto você. O problema é que você gosta de mim e eu não. Quer dizer, gosto sim de você, mas não do jeito que você queria e... ah, você me entendeu!
- Eu sou uma idiota, eu sei – disse tapando o rosto com as mãos. Ah Merlin, permita que ela não chore – Não sei como pude pensar que...
Sua mão esbarrou em um dos brincos que usava e ele caiu, rolando pelo pátio e caindo direto dentro da piscina. Amélia fez uma cara de desespero e se ajoelhou na beira dela, olhando a pedrinha brilhante afundando perigosamente na direção do ralo.
- Ótimo, era só o que faltava! – ela estava quase às lagrimas – Esse brinco era da minha avó, mamãe me emprestou e agora eu o perco!
Não sei porque fiz isso, não sei explicar. Só sei que no instante seguinte eu já havia mergulhado na piscina sem tirar nada, nem mesmo o sapato, e voltava à superfície alguns segundos depois com o brinco na mão. Estendi a mão e lhe devolvi ele, torcendo a roupa. Ela agora estava sorrindo, o rosto corado.
- Se não se importar em se molhar um pouco... – disse estendendo o braço para que ela segurasse – Acredito que o salão já esteja quase cheio, mas acho que as pessoas vão se afastar para passarmos, com medo de estragarem os vestidos...
Amélia sorriu e segurou meu braço. Não me lembro mais qual foi o placar do jogo quando os meninos me contaram depois e eles também mal se recordam da partida, mas nunca vou esquecer a expressão no rosto de Amélia quando voltamos ao salão e passei o resto do baile ao seu lado. Ela sabia que eu nunca me envolveria com ela e sabia os motivos, mas naquela noite ela fingiu não saber. Talvez tenha sido o baile do qual ela também nunca irá se esquecer e em partes eu estava satisfeito em pensar que mesmo involuntariamente, havia contribuído para torná-lo inesquecível...
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