- Bati! – Danielle abriu as cartas na mesa e puxou toda minha pilha de fichas.
- Dê as cartas outra vez – respondi sério, devolvendo as minhas.
Já passava da meia noite e não havia uma alma viva acordada na Lux, exceto por Danielle e eu. Preocupado com Remy, que havia se sentido mal durante o dia e precisado passar um bom tempo na enfermaria, perdi o sono e ganhei a companhia de Danielle, que não conseguia dormir por estar com coisas demais na cabeça. Segundo ela, pensar muito às vezes atrapalhava.
- Tem certeza? Podemos pular toda a burocracia de ter que jogar e você podia me dar logo o dinheiro, já perdeu cinco partidas mesmo – ela zombou – O que há com você, afinal? Nunca te vi perder tantas partidas de Snap Poker seguidas.
- Estava um pouco distraído, só isso. Vamos, dê logo as cartas, não vou perder pela 6ª vez.
- E o que te distrai? Por acaso está pensando na namorada? – ela perguntou em tom de deboche, distribuindo as cartas mais uma vez.
- É, mas não do modo que está pensando – ela me olhou intrigada – Ela está tentando me tirar do sério.
- Sinto um desequilíbrio entre Fred Astaire e Ginger Rogers – ela zombou outra vez, mas continuei sério e ela parou – Ok, o que eu perdi?
- Ela não para de falar no Kwon! – explodi, atirando as cartas na mesa – O tempo todo, tudo é o Kwon! Que ele é isso e aquilo, e que não sabe como fazer para que ele a note, blá, blá, blá. Não sei se ela já notou que gosto dela e está fazendo isso para me irritar ou se não percebeu nada mesmo.
- A Olivia que conheço jamais faria isso sabendo que você gosta dela – Danielle a defendeu – Ela não deve ter percebido nada, ela nunca percebe as coisas.
- Que seja, mas está me tirando do sério de qualquer jeito. Preciso acabar com isso, antes que acabe comigo.
- E o que você pretende fazer? Quer que eu converse com ela e tente contornar isso?
- Não, obrigado, posso cuidar disso sozinho – recolhi as cartas da mesa e distribui entre nós dois – Vamos jogar outra vez, não vou deixá-la bater de novo.
Danielle ficou me encarando com ar de curiosidade e preocupação, mas não perguntou o que eu tinha em mente e continuamos a jogar Snap Poker. Não tinha um plano elaborado, mas sabia que precisava tirar Kwon do meu caminho, e a qualquer preço.
ººººº
A jogatina com Danielle no salão comunal da Lux durou toda a madrugada. Sem sono nenhum, viramos a noite jogando todos os tipos de jogos de carta que conhecíamos, tanto trouxas quanto bruxos, e colocamos a conversa em dia. A correria diária do 7º ano, os treinos de quadribol e a preocupação constante com Remy não me deixavam tempo para saber, por exemplo, que Danielle vinha sendo atormentada pela irmã gêmea de Henri, Estelle, e que tentava sobreviver à perseguição dela sem terminar o dia com uma passagem só de ida para Azkaban. Boa parte da madrugada insone foi dedicada a insultos a Estelle e demos boas risadas, o que acabou por tirar um pouco do peso de tudo que Danielle vinha enfrentando.
Mas se a noite foi de risadas e disposição, o dia seguinte foi exatamente o contrario. Graças à noite em claro, as aulas da terça-feira não renderam em nada. Danielle e eu passamos o dia inteiro nos escorando pelos cantos, cochilando enquanto os professores falavam e na hora do almoço, enquanto nossos amigos tagarelavam animados do nosso lado. Olivia até esqueceu sua obsessão por Kwon, curiosa para saber por que estávamos tão cansados. Havíamos optado pela tortura e não contamos a ele que havíamos passado a noite batendo papo, deixando todos com suas teorias furadas e a curiosidade em alta.
Danielle lutava para não dormir em sua aula favorita, Botânica, e eu já cochilava escondido atrás de algumas mudas de Bubotúberas quando Andreas me cutucou e acordei assustado, derrubando os vasos no chão e chamando a atenção de toda a turma.
- O que? – perguntei mal humorado e ele me ajudou a recolher os vasos.
- Sério, o que você e Dani andaram fazendo essa noite? Nunca vi você cochilar em DCAT e aposto que nem sabe sobre o que foi a aula de hoje.
- Me acordou só pra testar minha memória?
- Não, só pra lembrá-lo de que hoje temos radio novela às 20h. Jude quer revisar o texto já que a novela é nova, então temos que chegar lá às 18h.
- Estarei lá.
Terminamos de recolher as plantas e remendei os vasos quebrados, recolocando todos no lugar e voltando ao meu cochilo. Nunca um dia se arrastou tanto e quando o sinal anunciando o fim das aulas finalmente tocou, me arrastei sozinho até a rádio enquanto o resto do elenco ia jantar. Nani era a única pessoa na rádio, encarregada de colocar as primeiras músicas do dia no ar e já com um grosso caderno na mão, que reconheci de imediato como o script da novela.
- Largaram você sozinha aqui? Isso é trabalho escravo, você pode denunciar o Kwon – brinquei entrando na sala e ela riu.
- Jude pediu que viesse mais cedo porque ela precisava terminar um trabalho de Literatura Mágica pra amanhã antes de vir pra cá – sentei ao seu lado na mesa e ela me estendeu um pedaço solto do caderno – Sua parte, se quiser começar a estudar.
- Os ricos também choram – li o nome na capa do script – É a novela da Millie, não é?
- É sim, Kwon e Jude trabalharam a semana toda para transformar ela em radio novela, ficou muito legal.
- Bom, então vamos começar a trabalhar.
Espantei o sono e Nani começou a me ajudar a passar o texto do dia, mas logo Kwon chegou e nos fazer companhia. Vê-lo entrando na rádio me fez lembrar o tormento que Olivia estava me fazendo passar e não consegui mais me concentrar na passagem de texto. Enquanto ele e Nani liam o roteiro diversas vezes, ficava martelando na cabeça uma maneira de afastar da cabeça dela a idéia de que Kwon poderia notá-la. A única solução que voltava sempre a mente era que, se ele tivesse uma namorada, ela talvez desencanasse, mas Kwon era a pessoa mais introspectiva da face da Terra, quem ia namorá-lo?
A resposta me atingiu como uma estrela cadente, até pude sentir o brilho daquele plano. A única pessoa no mundo, além de Olivia, que parecia achar a nerdice de Kwon interessante estava sentada na cadeira ao meu lado, e parecia facilmente manipulável. Eu iria transformar Kwon e Nani no casal sensação de Beauxbatons, ou não me chamo Marcel!
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