Friday, August 28, 2009

“Eu não podia chorar na frente dos meus irmãos. Quando eles choravam, era eu que os consolava até que parassem. Mas e quando eu chorava também? Quem ia me consolar?”

A madrugada passou sem noticias de meu avô. Henri e a Sra. Perrineau ficaram comigo o tempo inteiro, mas depois que amanheceu ambos tinham coisas a resolver em casa e precisaram sair. Henri esperou até que o Sr. Delacroix trouxesse meus irmãos de La Roche e desaparatou, dizendo que voltaria logo. Frederic e Thomas voltaram eufóricos de La Roche, falando sem parar sobre tudo que viram e fizeram na companhia de mais de 10 garotos de 11 anos. Achei ótimo que estivessem com as cabeças a mil, assim não perceberam a preocupação que transparecia pelo meu rosto.

Mandei que os dois fossem tomar banho e desfazer as mochilas e eles sumiram entre quarto e banheiro por mais de uma hora. Tentei me tranqüilizar durante esse tempo, pensar que vovô tinha apenas perdido a hora e adormecido na casa de algum amigo, era mais reconfortante pensar assim. Thomas apareceu na cozinha depois de estar limpo, procurando algo para comer. Fiz o almoço dos dois e quando coloquei a mesa e chamei Frederic para comer, eles perceberam a ausência do vovô. Menti dizendo que ele havia saído e eles não voltaram a perguntar, mas quando o dia começava a terminar e o céu escurecia aos poucos, as perguntas voltaram.

Insisti em dizer que ele havia saído e consegui distraí-los com as listas de materiais que haviam chegado naquela tarde, de Beauxbatons. Eles estavam eufóricos por finalmente começarem os estudos de magia e se ocuparam em imaginar que tipos de feitiços aprenderiam no 1º ano. Havia conseguido me distrair também com as perguntas deles sobre Beauxbatons, quando o telefone tocou. A tranqüilidade evaporou no mesmo instante e num único salto agarrei o aparelho.

- Alô? – falei com urgência.
- Danielle? – reconheci a voz do Sr. Delacroix na linha.
- Teve noticias do meu avô? - perguntei ansiosa, esquecendo que meus irmãos não sabiam de nada.
- Danille, você vai ter ser forte – sua voz falhou rapidamente e senti meu estomago afundar – Charles faleceu.

Foi um baque. Meu coração falhou e senti as pernas tremerem, mas meus dois irmãos estavam bem na minha frente e já sabiam que algo errado tinha acontecido. Estavam ansiosos por noticias, aguardando minha reação. Se eu chorasse e desabasse ali, eles desabariam também.

- Ok, obrigada tio – foi tudo que consegui dizer e desliguei o telefone.
- O que houve, mana? Cadê o vovô? – Thomas perguntou ansioso, e sua expressão dizia “O que a gente faz? Se você chorar, a gente chora”
- Esta tudo bem, ok? Daqui a pouco vamos ter noticias dele. Eu só vou ali na casa do Kalani porque esqueci uma coisa la, mas já volto. Está tudo bem.

Deixei os dois em casa e sai depressa, não queria saber se tinham ou não acreditado em mim. Minha mão tremia, mas não ia desabar na frente deles. Atravessei a rua sem prestar atenção nos carros que passavam e desci os sete quarteirões que separavam minha casa da casa da família Perrineau e bati na porta deles. Foi um dos empregados deles que atendeu.

- Oi, boa noite – percebi ao falar que minha voz já estava falhando – A Sra. Perrineau está? É que meu avô morreu.
- O que?

A empregada dela se assustou e, ao dizer em voz alta, meu chão sumiu. Cai sentada chorando compulsivamente e ela me ergueu, me levando para dentro de casa. A Sra. Perrineau ouvira o que eu dissera e já vinha correndo ao meu encontro, me abraçando de um modo maternal. Afundei meu rosto em seu ombro e não consegui mais controlar as lágrimas.

ººº

Voltei para casa já de manhã, com Henri me ajudando a andar com medo de que desabasse. A Sra. Perrineau havia ligado para o Sr. Delacroix e ele havia ido pegar meus irmãos e os levar para passar a noite em sua casa. Ele se oferecera para contar a eles que vovô tinha falecido, mas agradeci e disse que podia fazer isso eu mesma, depois que me acalmasse.

A noite havia sido longa. Depois de conseguir avisar a Henri, ele foi me encontrar na casa dos Perrineau e descobri que vovô havia sido encontrado em um hospital fora de Mônaco. Ninguém sabia o que ele estava fazendo fora da cidade, mas os médicos disseram que ele deu entrada no hospital amparado por um desconhecido que o encontrou passando mal na rua. Depois que deu entrada no hospital, começou a sentir fortes dores no peito e suar frio, então sofreu um infarto-fulminante, ainda na recepção. Henri e a Sra. Perrineau me acompanharam até o hospital para que eu pudesse reconhecer o corpo.

Sai do hospital passando mal ao ver meu avô deitado em uma maca, pálido, coberto por um lençol. Depois disso ninguém me deixou ir para casa no meio da madrugada e fiquei na casa dos Perrineau até estar completamente calma. Cheguei à minha casa com Henri quase 8 horas da manhã e foi extremamente doloroso pisar ali outra vez, sabendo que vovô jamais estaria presente outra vez. Henri esperou até que eu tomasse banho e parecesse mais bem disposta, para me acompanhar até a casa dos Delacroix. Já passava das 9hs quando chegamos. Bianca ainda estava em Saint-Tropez com Kalani e provavelmente não faziam idéia do que estava acontecendo. Fui recebida por sua mãe, que me olhava com tanto pesar que só fez com que doesse mais.

Meus irmãos já estavam acordados quando cheguei e soube que não haviam dormido direito a noite toda, preocupados comigo. Agradeci outra vez por terem ficado com eles aquela noite e Henri me ajudou a levá-los embora por aparatação. Ele ainda insistiu em estar comigo quando conversasse com os meninos, mas pedi para que ficasse sozinha. Já ia ser difícil de qualquer forma, queria dar a eles um pouco de privacidade.

- Vamos lá, Dani, o que está acontecendo? – Frederic falou de braços cruzados assim que Henri desaparatou – Estamos esperando.
- Onde está o vovô, mana? – Thomas foi mais delicado ao falar, mas também estava decidido a obter uma resposta.

Encarei os dois sentados lado a lado no sofá, os braços cruzados e expressões sérias me encarando. Frederic estava impaciente e Thomas aparentava estar receoso do que eu pudesse lhe dizer. Respirei fundo e me agachei junto a eles, apoiando as mãos em um joelho de cada.

- Não há um modo mais fácil de dizer isso – respirei fundo outra vez e os encarei – O vovô morreu.

Eles trocaram um olhar incrédulo e depois voltaram a me encarar, sem dizer nada. Frederic assumiu uma expressão dura e Thomas procurou em meu olhar por uma confirmação de que ouvira isso mesmo. Quando teve a confirmação, se atirou em meus braços caindo no choro. Dessa vez não consegui segurar as lágrimas e chorei abraçada a ele no chão da sala. Estiquei a mão para procurar por Frederic e ele se ajoelhou ao nosso lado, ainda muito sério. Seus olhos estavam vermelhos e podia ver o quanto de força ele fazia para não chorar.

- O que vai acontecer com a gente agora? – ele perguntou quase trincando os dentes para prender as lágrimas e sua voz saiu rouca.
- Nada vai mudar, nós vamos continuar aqui e eu vou cuidar de vocês – tentei soar o mais confiante que pude, queria passar confiança a eles naquele momento.
- Eles vão deixar a gente morar com você? – Thomas perguntou com a voz chorosa – Não vão nos mandar pra um orfanato?
- Eu não vou pra orfanato nenhum! – Frederic falou com raiva e uma lágrima solitária caiu, mas ele rapidamente secou.
- Vocês não vão pra nenhum orfanato, eu não vou permitir! – embora soubesse que não seria assim tão simples, jamais deixaria que me separassem de meus irmãos.
- Promete que vamos ficar juntos? – Frederic perguntou me encarando, os olhos ainda mais vermelhos.
- Nós nunca vamos nos separar – segurei seu rosto com firmeza ao falar – É uma promessa.

Frederic fechou os olhos e quando os abriu outra vez, já não conseguia mais controlar as lágrimas. Ele se aproximou mais e se aninhou no meu colo, afundando a cabeça em meu ombro e me abraçando com toda força que tinha enquanto chorava. Sabia que qualquer juiz iria tentar arrumar famílias capazes de criar meus irmãos e os mandar para elas, mas eu faria o possível e o impossível para impedir que isso acontecesse. Thomas e Frederic eram o que restavam da minha família e ia lutar para mantê-la unida, não importava a que preço.

Thursday, August 13, 2009

Minhas férias em Florença passavam sem emoção. Nos intervalos em que minhas primas não apareciam para tomar café durante as folgas nos trabalhos, me ocupava em ajudar a vovó a cozinhar. Não que eu fosse uma boa cozinheira ou mesmo gostasse de mexer em panelas, mas dessa forma ficava perto dela. Sempre tínhamos assunto para colocar em dia e ter minha ajuda em seu lugar favorito da casa a deixava feliz.

Andreas, ao contrario de mim, não parava em casa. Na parte da manha, todos os dias, pegava uma chave de portal e encontrava alguns de nossos amigos em Londres para umas aulas de Defesa Avançada organizada pela mãe do AJ. Quando estava em Florença, desaparecia pelas ruas com nossos primos e geralmente voltava de madrugada.

Marcel ainda não havia dado notícias desde sua última carta, pedindo que não fizesse nenhuma bobagem e deixasse que ele resolvesse a confusão. Isso me deixava um pouco apreensiva, conhecia Marcel muito bem para saber que ele tanto podia estar desmentindo tudo de maneira que eu saísse ilesa como podia estar piorando as coisas, transformando a mentira em uma bola de neve devastadora. A demora por uma notícia estava me deixando louca, mas minha sorte, ou não, parecia que ia mudar quando Andreas apareceu de repente no meio da sala, segurando uma lata amassada na mão.

- Huum, estou faminto – ele apareceu na cozinha olhando para as panelas e pegando um bolinho já frito do prato – O que tem pro almoço hoje, vovó?
- Isso que você está comendo – ela bateu em sua mão e Andreas riu – Vá se lavar e pare de beliscar, ou não vai comer direito.
- Como se beliscar antes do almoço tirasse meu apetite – agora foi vovó que riu – Olívia, tem correspondência pra você na sala.

Ele me olhou indicando a sala com a cabeça e o segui. Quando estávamos fora do alcance dos ouvidos supersônicos da vovó, ele tirou um envelope de aspecto oficial do bolso do casaco e me entregou. Reconheci de imediato como uma correspondência formal da Família Real e meu coração chegou a disparar de pavor. Abri o envelope depressa e uma olhada rápida revelou que era um convite formal para passar o fim de semana em La Roche, para um almoço de aniversário de Remy. Ele reuniria os amigos para passar a noite lá, mas o almoço em família era uma tradição e ele não conseguiu evitar. Pelo convite, percebi que meus pais receberam um igual, ele se estendia a nossa família toda.

- Não sei o que você e Marcel estão tramando, mas deixe avisa-la logo que não quero participar – Andreas parecia já saber o conteúdo da carta – O que quer que seja, vai terminar mal e não quero estar envolvido. Já avisei a Marcel que não vou. Além de não querer ser cúmplice, já marquei de jogar bola com Marco e Filipo no fim de semana.
- Não estamos tramando nada – falei ofendida e sabia que era uma péssima mentirosa, ainda mais quando falava com Andreas, que me conhecia melhor do que ninguém – E nada vai acabar mal – ao menos era o que eu esperava, mas não precisava dizer essa parte.
- Bom, espero que tenha razão – ele deu de ombros – Vou tomar banho pra almoçar.

Andreas subiu correndo as escadas e voltei para a cozinha para ajudar a vovó, mas minha cabeça já estava longe. Uma reunião com toda a Família Real e meus pais não poderia dar certo.

ººº

Meus pais enviaram uma chave de portal para me buscar em Florença bem cedo no sábado e sai junto com eles de Mônaco pouco depois das 10h rumo a La Roche. Era impossível aparatar ou chegar até lá por chave de portal devido à segurança, então nossa chave nos levou até um vilarejo próximo e um dos seguranças da Guarda Real foi nos buscar de carro.

Nunca havia pisado em La Roche, mas a primeira visão que tive daquela fortaleza era exatamente como víamos nas fotos dos livros de História da Magia Francesa. O lugar era imenso e lindo. Fomos guiados até o hall de entrada do castelo e os pais de Marcel já estavam esperando para nos receber. Eles eram sempre muito educados e receptivos, poderiam fazer até mesmo a pessoa mais detestável do mundo se sentir bem vinda. Meus pais os cumprimentaram entusiasmados e apertei a mão dos dois um pouco sem graça. Era a primeira vez que encontrava o Rei e a Rainha na condição de namorada do Príncipe, mesmo que fosse mentira.

- Perdoem a falta de educação de nossos filhos, mas nós perdemos o controle sobre eles a partir do momento em que pisamos em La Roche – o pai dele falou rindo, nada constrangido.
- São muitos primos para dividir as atenções, os pais são deixados de lado – a mãe dele explicou e papai assentiu com a cabeça, provavelmente lembrando que também eram ignorados nas reuniões de família em Florença – Ah, Charlotte, venha aqui!

Charlotte descia as escadas distraída e encarou com surpresa a nossa presença. Veio caminhando devagar e sorriu de leve quando trocou um olhar rápido comigo.

- Os pais de Olívia vieram almoçar conosco – seu pai explicou e ela pareceu entender, pois sorriu mais animada.
- Desculpem, é que ainda não me acostumei com a idéia de que Olívia agora é namorada do meu irmão – ela agarrou minha mão de repente – Ele está no campo jogando Pólo, vou levar você até lá – e saiu me puxando antes que pudesse dizer alguma coisa.

Gostava de Charlotte. Embora muitas pessoas a julgassem esnobe, quem a conhecia de verdade sabia que ela estava longe de ser assim. Charlie, como gostava de ser chamada, é reservada e tem poucos amigos, mas é muito gentil e generosa. Fomos conversando pelo caminho e senti-me mal por mentir para ela, mas não podia fazer nada diferente sem antes conversar com Marcel. Chegamos ao campo e não consegui identificar Marcel em meio aos muitos cavalos que corriam de um lado para o outro, mas ele me viu assim que paramos perto da grade e ergueu a mão avisando que ia sair do jogo.

- Vou deixar vocês a sós – Charlie piscou para mim e senti meu rosto corar.
- Oi – Marcel desmontou do cavalo e o atrelou a uma barra de ferro. Ele se aproximou animado e me deu um beijo no rosto – Por que demoraram tanto?
- No convite dizia que era almoço, chegamos a tempo, não? – respondi encostando na grade e ele sentou no banco na minha frente – O que você andou contando as pessoas?
- Nada demais, apenas segui com a brincadeira – ele deu de ombros e riu – Meus pais são animados demais, insistiram em convidá-los para o aniversário de Remy. Na verdade eu nem tentei impedi-los, queria ver você. Vejo os outros nas aulas, mas você não se inscreveu, já estava com saudades.
- Acho melhor contar a verdade a todos, Marcel – ignorei o fato de saber que meu rosto estava vermelho – Por quanto tempo acha que vamos conseguir enganar a eles?
- Você quer admitir aos seus pais que mentiu? Eles não vão gostar.
- Vão gostar menos ainda se demorar mais tempo pra contar. Uma hora eles vão saber, ou você pretende se casar comigo de mentira também?
- Olha, só temos mais umas duas semanas de férias e depois estamos de volta a Beauxbatons, longe dos olhos deles. Só temos que manter a brincadeira por mais uns dias. Depois, já na escola, inventamos uma briga e depois contamos que achamos melhor continuarmos apenas como amigos.
- Não sei não... – ainda estava nervosa com aquilo tudo e Marcel pegou a minha mão, alisando o polegar nas costas dela. Aquilo seria perfeitamente normal, se fosse uma situação diferente.
- Relaxe, só temos que fingir bem – ele sorriu – Não sou tão insuportável assim, sou? Acha que agüenta passar dois dias na minha companhia, como se fosse mesmo minha namorada?
- Você não é nada insuportável. Sabe que gosto da sua companhia, sempre gostei, o problema são os olhares de avaliação. Tem um primo seu que não tira os olhos de nós dois, acho que ele está desconfiado de alguma coisa.
- Que primo? – Marcel de repente pareceu alarmado, mas não olhou para trás.
- Um loiro, olhos verdes, muito parecido com você – descrevi o garoto que agora caminhava na nossa direção.
- Louis, droga! – Marcel ficou de pé e quase me imprensou contra a grade – Desculpe, mas vai ter que soar mais convincente que isso, passe as mãos em volta da minha cintura.
- O que? – me assustei com a possibilidade – Por quê?
- Louis é extremamente perceptivo, às vezes parece que pode ler nossas mentes. E ele não pode desconfiar de nada, senão vai querer me subornar – fiz uma careta e ele riu – Não, ele não é ruim, é que fiz isso com ele ano passado e ele está louco pra dar o troco.

Eu ainda estava parada sem reação encostada contra a grade e Marcel pegou minhas mãos, jogando-as em volta de sua cintura. Depois encostou mais o corpo contra o meu e sua boca estava encostada em meu ouvido. Fechei os olhos, torcendo para que ele não falasse nada.

- Estou atrapalhando? – uma voz me fez abrir os olhos. O primo dele estava parado ao nosso lado.
- Você sempre atrapalha, Louis – Marcel falou em tom de brincadeira – Ollie, esse é meu primo Louis. Essa é Olívia, minha namorada.
- Ah, a famosa Olívia – ele estendeu a mão e a apertei – Charlotte falou mais de você que Marcel, mas ele também andou se gabando. Diga-me Olívia, como uma menina bonita como você pode namorar um cara feio como o Marcel?
- Do mesmo jeito que Verônica parece tão apaixonada pelo ogro que é você – Marcel revidou de imediato e agradeci mentalmente por não ter que responder que ele não era feio, mas sim lindo.
- Faltam 10 minutos para o fim da partida, volte ao campo porque estou começando a ficar com fome, quero acabar logo com isso – ele falou mudando o assunto e sorriu pra mim – Foi um prazer finalmente conhece-la, Olívia – e sorri de volta.
- Sim senhor! – Marcel bateu continência em deboche – Isso não vai demorar, pode assistir da arquibancada. Só fique longe daquela morena de chapéu, é minha tia Cecília, ela está louca pra interrogar você – ele sorriu divertido e deu outro beijo em meu rosto, mas dessa vez tocou o canto dos meus lábios.

Antes que eu pudesse corar ele já estava de volta ao campo em cima do cavalo. Subi para a arquibancada e procurei manter uma distancia segura da tia Cecília. Fiquei muito grata quando Charlotte percebeu que estava sozinha e veio me fazer companhia, assim evitava a aproximação dos outros. Se antes meu receio era saber por quanto tempo conseguiríamos enganar os outros, agora ele havia mudado. Por quanto tempo será que EU agüentaria fingir ser namorada do Marcel, tendo que representar tão bem? Andreas tinha razão, aquilo não podia terminar bem.

Sunday, August 09, 2009

- Como ele está? Viemos assim que o Diretor nos contou!
- O que aconteceu com eles?!
- Procyon!? Não posso acreditar!
- Todos mortos? Isso é horrível...É assustador!
- Só permitirei que os enterremos quando ele acordar, ele não me perdoará se não der o último adeus a eles.
- Ele é forte, ele vai ficar bem.
- Você também está em condições ruins!
- Mas já estou melhor, o choque para ele foi muito maior...Mas tenho certeza que meu amigo vai ficar bem!
- Ele é teimoso, ele não vai se entregar facilmente.
- E ele tem pessoas que quer rever, e coisas que quer fazer...
- Devemos mantê-lo afastado de qualquer coisa que possa desestabilizar suas emoções, pois isso pode acarretar um fluxo excessivo de magia, e caso isso ocorra, ele pode perder o controle de suas ações e colocar em risco a todos. Inclusive ele.

Eu não sabia por quanto tempo estava desacordado.
Mas não queria acordar.
Eu ouvia as conversas de todos ao meu redor, mas não tinha ânimo, nem forças, para abrir os olhos e vê-los. Eu simplesmente queria esquecer que tudo aquilo havia acontecido. Mas era impossível

“- Adeus, querido. Sempre amarei você.”

Suas últimas palavras ardiam em meu peito e em minha memória e sentia vontade de chorar e de gritar.

- Rápido! Ele está tendo algum tipo de ataque! Tire todos daqui.
- Alderan...Que tipos de pesadelos ele está tendo para gritar assim mesmo desacordado.
- O que podemos fazer por ele?!


Eu sabia que gritava inconscientemente, porém sem acordar. Lágrimas ardiam em meus olhos e escorriam pela minha face, mas não conseguia abrir meus olhos. Eu mergulhava cada vez mais na escuridão do esquecimento, querendo me afogar e esquecer de tudo, de toda a traição e toda a dor.
Mas então ouvi uma voz. Era a voz dela, de minha irmã Gomeisa. Eu praticamente a podia ouvir rindo para mim, enquanto sua voz se aproximava de mim, salvando-me das trevas.

- Me perdoe, irmã!
- Não há o que perdoar, maninho.
- Eu não pude te salvar.
- Não havia nada o que pudesse se fazer e foi uma escolha minha. Um dia você entenderá, e nos encontraremos de novo.
- Quero estar com você novamente, Isa, quero esquecer toda a dor. – Eu senti me afogando mais, mergulhando ainda mais nas trevas. Porém senti que Isa me segurava, estendendo-me a mão.
- Não, não é sua hora. Não é a hora de estarmos juntos novamente. Você tem muito o que viver, há muito a se fazer. Enquanto o dia de ficarmos novamente juntos não chegar, eu o aguardarei, junto de papai e de toda a família, aguardando seu retorno triunfal. Mas este não é o momento.
- Acorde, Alderan James Asteris Chronos. – Uma voz poderosa me comandou, enquanto ao fundo ouvia o som gentil da risada de minha irmã. Era a voz dele, do homem que estivera conosco naqueles momentos.


Eu senti mais do que ouvi primeiramente, mas após poucos segundos eu podia ouvir a voz de todos com clareza. Mesmo sem abrir os olhos, eu conseguia saber onde cada um deles estava. Alice e mamãe estavam do meu lado direito, Alice segurava minha mão, enquanto chorava com a cabeça mergulhada na fronha da cama onde estava deitado. Millie segurava minha outra mão e também chorava, o rosto mergulhado no ombro de Tristan, que me olhava preocupado. Perto da cama estavam vários curandeiros, os McGregors, o Diretor Charleston, e todos os meus amigos, Penélope, Marcel, Philipe, Derek, Noah, Kwon, Andreas, Bianca e Anabela.... Todos pareciam preocupados e tensos e eu não entendia o porquê, até Kyle falar:
- Tem certeza? Mesmo estando desacordado por tanto tempo, ainda há como ele acordar?
- Não podemos afirmar, fizemos tudo ao nosso alcance, mas ele não reage aos nossos cuidados. – Ouvi Alice fungar alto, enquanto apertava minha mão com mais força. – Parece que ele não quer acordar.
- Deve haver algo para se tentar! Devemos tentar tudo! – Connor falou, dirigindo-se ao curandeiro.
- Eu pedirei ajuda a todos que forem necessários, esse jovem não deve perecer, ele não merece depois de tudo que passou. – Ouvi o Diretor falando.
- Ele voltará, eu tenho certeza disso. Meu filho é forte, então não perderei as esperanças até o dia em que ele se levantar. – Mamãe falou, mas notei o tom triste de sua voz, que tremia. Isso, junto da presença de todos eles, me deu mais forças para tentar acordar e com dificuldades tentei me mover um pouco. Soltei um suspiro alto, como se ele estivesse preso e todos se assustaram. Eu então abri os olhos lentamente, tossindo muito, e tal tosse me causava uma forte dor de cabeça, na verdade meu corpo inteiro doía.
Todos exclamaram surpresos, mas repletos de alegria e me vi abraçado por dezenas de braços, de todos meus amigos e de minha mãe, enquanto ouvia Kyle e o irmão comemorando felizes. Os curandeiros sorriam e após passar o primeiro susto de ao ver bem novamente, fizeram abrir espaço para eu respirar, e me ajudaram a me sentar, lançando feitiços e usando poções em mim.
- Só você mesmo para nos deixar ansiosos assim esperando sua melhora! – Derek falou, fingindo estar chateado, sendo ecoado por todos.
- Como é possível? Até pouco tempo ele sequer reagia aos nossos estímulos. – Um dos curandeiros falou, surpreso, mas feliz por eu ter acordado. Minha cabeça girava e eu tinha dificuldades de me manter sentado, usando o ombro de Alice como apoio. Ela chorava muito e me abraçava com força.
- Quanto....Quanto tempo fiquei desacordado? – Eu consegui perguntar, após algum tempo.
- Você esteve em coma por três dias, filho. – Mamãe falou, respirando aliviada.
- Já faz três dias que aquilo aconteceu... – Eu falei, os dentes trincando e os punhos fechando-se com raiva. Eu senti uma forte dor de cabeça e ainda mais tontura, caindo nos braços de Alice.
- Acalme-se jovem Chronos, você não está em condições de se exaltar. – o Diretor falou, preocupado comigo.
- Você entrou em coma não por causa dos ferimentos, mas por uso excessivo de magia. Seu corpo não agüentou tamanho fluxo de magia. – O curandeiro explicou calmamente.
- Por isso, deve evitar usar magia a qualquer momento por uns tempos, pois seu fluxo interno de magia encontra-se totalmente desregulado. – Outro curandeiro explicou.
- Vamos deixa-lo com seus amigos, vocês têm muito o que conversar. – Connor falou, retirando-se com o irmão e os curandeiros. Mamãe foi junto após beijar meu rosto e todos me deixaram junto de meus amigos, que estavam aliviados por eu estar bem. Eles me apoiaram e me deram forças e nunca me esquecerei o que fizeram por mim.
********

- Aqui neste local, pereceram alguns dos bruxos mais poderosos e habilidosos do país, e sem dúvida os seres humanos mais puros e bondosos de todo o mundo mágico. Uma família que lutou por gerações pelo bem de todos, fossem eles trouxas, bruxos, elfos, centauros ou gigantes. Aqui, foi o túmulo de centenas de Chronos, centenas de guerreiros que deram suas vidas para defender o mundo das trevas. E o mundo sentirá, e muito a sua falta, pois perdemos poderosos guardiões... – O Ministro Britânico dizia seu discurso no funeral de minha família, porém eu começava prestar pouca atenção no que dizia.
Eu saí do hospital no dia seguinte que acordei, espantando a todos com minha recuperação rápida. Mamãe havia dito que só permitiria o funeral de minha família após eu revê-los uma última vez e foi o que fizemos. Foi doloroso rever os corpos de meus tios, primos e avós, mas mais doloroso ainda foi rever meu pai e minha irmã sem vida. É algo que não desejo a ninguém, pois a dor que senti seria capaz de me matar...Isa parecia mais bela do que nunca, mais calma e mais serena, como se dormisse...Seus lábios ainda pareciam sorrir, ao aceitar seu destino.
Decidimos que o funeral da família seria no local onde caíram, em nossa casa de campo, que a partir daquele dia se tornaria o Cemitério dos Chronos. Túmulos foram preparados para todos, com exceção de meus avós, meu pai e minha irmã, que teriam os corpos depositados em esquifes de mármore branco e descansariam nas ruínas da mansão.
O Ministro terminou de falar, porém não ouve palmas, todos ainda chocados e tristes pela tragédia. Mamãe falou então, agradecendo a todos pelos sentimentos e pelo apoio e dizendo que eles seriam lembrados para sempre como pessoas de fibra e força. Mesmo mamãe, com toda sua força, foi incapaz de não ser atingida por lágrimas e parou o discurso no meio, sendo amparada por mim. A cerimônia foi encerrada com faíscas de todas as varinhas dos convidados, que começaram a retirar-se um a um, pois todos viam que queríamos ficar a sós. Apenas nossos amigos mais próximos ficaram conosco e nos ajudaram a voltar para casa.
*********

A primeira coisa que fiz quando voltei para casa de Londres foi destruir o quarto de Procyon. Eu queimei cada coisa sua, com um certo prazer em cada feitiço lançado. Antes porém, eu vasculhei tudo, procurando indícios de onde ele poderia ter ido assim como seus comparsas, achando algumas cartas escondidas com diversos nomes, e as guardei. Mamãe não impediu o que fiz, pelo contrário, ela apoiava, pois queríamos apagar o nome do verme a qualquer custo da história da família.

*********

- Filho, venha cá. Tem muito que precisamos conversar. Eu iria aguardar sua formatura para lhe contar tudo isso. Mas agora você é meu sucessor, o líder do que restou de nós. Ou seja, você é meu líder.
- Mãe, não precisa, eu confio em você e em sua liderança.
- Não, Alderan. Você agora é o Patriarca da família e a liderança é sua por direito. Tenho algumas coisas para lhe revelar. – Mamãe falou, enquanto pegava uma caixa de madeira com o brasão da família, um escudo branco com um C negro em cima, enquanto ao fundo havia uma águia também branca. Ela a abriu e indicou seu conteúdo. O interior da caixa era composto por um veludo branco, a cor da família, e em seu interior havia uma pequena esfera perfeita. Dentro da esfera parecia haver um fluido azul flutuando no ar.
- Isso, filho, é uma profecia. A Profecia dos Chronos. Havia duas delas, uma sob minha guarda e outra sob a guarda do Ministério, mas a outra foi roubada.
- Pelos Comensais?
- Sim. E por causa dela que eles tentaram nos atacar. O que eles não sabem, é que a Profecia do Ministério, possuía apenas metade de todo o teor da profecia original. Toque-a com a varinha e a profecia revelará a você seu conteúdo.
Eu a obedecia e toquei a esfera com minha varinha. Houve uma pequena centelha azulada e a esfera começou a brilhar intensamente, com o fluido azul rodopiando velozmente. Então ouvi uma voz. Era a voz dele, daquele homem. Na verdade havia uma vozinha fraca e imatura misturada a voz forte, porém perceptível.

Há séculos lutam.
Há séculos caçam.
Há séculos destroem as trevas, sendo a luz na escuridão.
Avatares de seu Antepassado, alguns mais poderosos que os demais, os Chroni.
Dos Chroni surgirá o poder. Dos Chroni surgirá o exército.
De um deles, surgirão seres poderosos, nem vivos, nem mortos, mas poderosos.
Usarão as trevas como arma, usando-a para a guerra.
Mais poderosos que humanos, mais temidos que vampiros.
De um deles, surgirá a luz plena e pura, terna e destruidora.
Como o Sol, queimará os malignos, deixando apenas suas cinzas.
E o mal sucumbirá ao seu poder.
E o mundo não será o mesmo após sua chegada.
Pois eles são os Chronos.
A Fúria do Deus surgirá novamente, destruidora.
O Sangue de Luz brilhará intenso, dando novas energias a eles.
A Luz do Deus estará na Terra novamente, purificando-a.
Suas armas, a lança e a foice voltarão a cortar os céus.
Suas asas voltarão a bater.
Suas armaduras voltarão a resplandecer.
Seus olhos voltarão a brilhar em dourado e prata.
Terras tremerão, Céus brilharam.
O som de suas asas fará as trevas tremer.
O brilho de seus olhos fará os malignos perecer.
A força de sua bondade fará os bons se alegrarem.
Pois o Deus estará na Terra.
Mesmo que para isso, seus filhos amados devam antes perecer.
Mesmo que sua mais amada filha, sua Encarnação venha a sacrificar-se.
Porém, do pó eles ressurgirão, mais poderosos do que nunca.
E a justiça voltará à Terra, através de um de seus filhos..


- Entende agora, filho? – Mamãe perguntou.
- Quem proferiu essa profecia? – Foi a primeira coisa que consegui perguntar, tentando reconhecer a voz.
- Isa...
- Isa?!
- A primeira palavra de sua irmã foi “mãe”. – Mamãe falou, com lágrimas nos olhos enquanto passava a mão por uma sorridente foto de Isa. – Porém, logo em seguida ela enunciou essa profecia completa, sua voz misturada a uma poderosa voz masculina, seus olhos com um intenso brilho dourado.
- Isso é possível? Uma criança enunciar uma profecia?
- Sim, e é algo muito comum, pois as crianças estão mais ligadas ao Invisível do que nós.
- Mas o que essa profecia significa de verdade? – Eu perguntei, ainda muito confuso.
- Não tenho certeza, mas penso que ela diz que de nossa família surgirá algo que purificará o mundo do mal no futuro. E por isso os Comensais quiseram nos destruir.
- Se sabíamos da profecia, porque não tomamos cuidados? Por que Isa não me contou antes?!
- Porque sua irmã o amava demais e não queria preocupá-lo ou machuca-lo. Foi uma decisão dela, ela decidiu que daria sua vida por nós, acreditando em um futuro que acho que apenas ela conhecia com certeza... – Mamãe falou, lágrimas escorrendo lentamente de seus olhos verdes. – Quanto a nós... Foi por pura fraqueza. Não imaginávamos que a traição viria de nosso próprio sangue. Por isso eu e seu pai preparávamos algo às escondidas.
Ela então pegou um pergaminho de dentro da caixa e o tocou com a varinha. Letras negras começaram a surgir por todo o papel antes em branco, tomando a forma de frases completas. Aos poucos pude ler o que havia escrito ali, surpreendendo-me ao ler o título: “Clã Chronos”. Tal nome fez meu coração saltar e senti uma energia tremenda apenas do nome.
- Começamos a organizar o Clã Chronos. Este pergaminho, é a autorização do Ministro para organizarmos uma instituição antitrevas, com mesmo papel que a Divisão de Aurores. Ou seja, teríamos o direito de treinar novos aurores, além de organizarmos nós mesmo nossas investigações e caçadas. Esse documento nos dá total autonomia em relação ao Ministério, contanto que também nos coloquemos ao seu dispor. – Ela falou, entregando-me o documento para lê-lo com atenção. Eu o li rapidamente, meu coração batendo cada vez mais rápido. Eu sentia como se esse momento fosse um dos mais importantes de minha vida.
- Tem a assinatura do Ministro...E de outras pessoas...
- Sim, tem a assinatura minha, de seu pai, do Ministro, não apenas do Ministro Britânico, mas também a de todos os Ministros da Europa. Sim, filho, nosso Clã recebe autonomia de toda a Europa e pretendo que depois de todo o mundo. – Eu ainda estava surpreso, mas feliz por tal notícia. Aquele documento dava a nós o poder de criar um “exército” antitrevas com direito a agir em qualquer lugar da Europa...Era algo que eu nunca sonhei ver em minha vida. – É seu dever, como meu sucessor levar estes planos a frente. E é a razão também de meu outro assunto.
- Estou todo ouvidos, mãe.
- Quero que viaje comigo pelo mundo e apresentarei você a todos os bruxos importantes dessa época, preparando-o para me suceder e fundar o Clã. E para isso você precisa ser treinado. Deseja iniciar seu treinamento desde já?
- Com certeza, mãe. – Apesar da tristeza, aquela conversa acendera em mim um espírito de vontade e poder que me fez sentir-me orgulhoso.
- Muito bem, seu treinamento começará amanhã. Eu começarei a organizar essa viagem, que ocorrerá ainda em suas férias, portanto não poderei ministrar suas aulas. Os McGregors aceitaram dar aulas a você enquanto eu não puder, e estarão ensinando-lhe a partir de amanhã. Não apenas a você, mas a todos os seus amigos.
- Meus amigos também!?
- Sim, eu convidei a todos eles e mostraram-se muito interessados e acho excelente, pois assim vocês poderão se ajudar.
Eu a abracei feliz pela primeira vez desde que a Traição ocorrera, pois teria a chance de vingar a todos. Eu começaria a treinar com meus amigos para que juntos pudéssemos construir o futuro que Isa e papai sonharam.
Pensando nela, antes de me deitar, pois o dia seguinte seria cheio, entrei em seu quarto, que continuava o mesmo desde a última vez que ela viera ali. Eu sentei-me em sua cama e deitei em seu travesseiro, lembrando-me das vezes em que ela contara histórias para mim ali, das vezes que me consolara e me animara naquele mesmo quarto. Lágrimas vieram aos meus olhos e não pude conte-las, mergulhando o roso no travesseiro e chorando como nunca chorei. Então notei que havia algo debaixo do travesseiro, e com os olhos ainda molhados, retirei um diário debaixo dele. O diário tinha o tamanho de um livro comum e sua capa era de couro, e escrito com uma tina branca, havia “Diário de Gomeisa” no topo da capa. Eu abracei o diário com força, chorando novamente. Lágrimas escorriam pelo meu rosto e afastei o diário de mim, com medo de danificá-lo, só então reparei que ele brilhava. Surpreso, abri o diário e olhei a primeira página, que estava em branco. Porém, diante dos meus olhos, palavras douradas começaram a surgir e reconheci a letra de Isa, começando a ler o recado:

“Alderan, meu irmão querido.
Se está lendo essas palavras é porque não estou mais em seu mundo, pois cumpri minha parte da profecia. Há muito tempo eu sabia da tragédia que poderia acontecer a nossa família, eu repito, que poderia. Tudo que podia ser feito para impedir a tragédia foi feito, mas o destino quis que Procyon fosse corrompido, tramando nossa destruição. Porém somos mais fortes do que ele, ou do que seu Mestre das Trevas, pensam. Somos os filhos do Deus Chronos, possuímos seu sangue, sua alma e seu poder, sendo seus representantes mortais.
Chronos, o homem que você viu em meu derradeiro momento, fundou nossa família a milhares de anos, em datas imemoriáveis. Nossa família cresceu sempre sob sua benção e poder, sempre guiados por ele, através de seus Avatares e Encarnações. Eu fui sua Encarnação na Terra, guardando sua alma, tendo sua proteção e sua luz. Você, e sei que mamãe também, são seus Avatares, possuindo o poder do Deus. Vocês são seus instrumentos para guiar-nos para um mundo melhor. Não apenas os Chronos, mas também o mundo em si. Ele sabe do passado e do presente, e sabe que nos reergueremos, mais fortes do que nunca, voltando ao apogeu, e derrotando a destruição.
Mas esse apogeu não será alcançado por mim, por você ou por seus filhos. Serão seus bisnetos os responsáveis por terminar de erguer os Chronos, marque minhas palavras, querido irmão. Você é a melhor pessoa que eu conheci, dono de uma força como poucos e uma determinação ainda maior. É de seu sangue que nascerão os responsáveis por reerguer os Chronos de vez, e por participarem da mudança do mundo.
Tempos negros virão. Você passará por provações tremendas, e temo dizer que Destino foi especialmente cruel com você. Mas quero que guarde sempre em seu coração a sua força e sua visão de mundo, para salvar o máximo de pessoas que for capaz. Nada vem sem sacrifícios, isso foi um dos maiores ensinamentos dele. Eu fiz o meu, sacrifiquei minha existência em prol de um bem maior, em prol de um sonho, em prol de um mundo novo, e não me arrependo de forma alguma. Ele tentou me impedir, tentou a todo custo mudar o Destino, mas eu decidi que era minha vez de fazer sacrifícios. Sinto-me triste apenas por você e mamãe, pois sei que a dor de vocês foi enorme e inimaginável, e não o culparei se me odiar. Mas nunca se esqueça de quanto eu o amo, assim como amo mamãe, assim como papai ama vocês. Nós demos nossas vidas acreditando no futuro que vocês dois construiriam, um sonho nosso e de todos de nossa família.
Este diário contem minhas lembranças desde o momento em que o vi pela primeira vez, desde o momento que vi pela primeira vez aqueles poderosos olhos dourados, as asas brancas e a armadura dourada. Tentarei contar tudo que eu puder e sei, mas há coisas que não podem ser expressas em palavras, apenas pode-se sentir. Ele é uma dessas coisas. Ele está acima de tudo que se possa imaginar, sua bondade é maior que de qualquer outro, mas sua fúria também é a maior de todas. Não é a toa que ele é tão temido, mas também tão amado.
Espero que minhas lembranças possam guiá-lo nos caminhos negros que haverá de trilhar. E espero do fundo do meu coração que seja feliz meu irmão, e enfrente todos os tortuosos caminhos a sua frente, sempre acreditando em si mesmo e em sua luz.
Com eterno amor, de sua
Gomeisa Asteris Chronos.”


Eu terminei de ler sua última carta com lágrimas ainda mais grossas em meus olhos, emocionado por suas palavras. Tais palavras animaram meu espírito de certa forma e abracei o diário novamente, enquanto apertava os punhos. Não, Isa, eu nunca odiaria você, eu apenas odiaria para sempre o Traidor Procyon.
Comecei a ler o diário, cujo conteúdo era muito vasto. O diário era encantado magicamente, de modo que as letras surgiam no papel sempre que eu virava uma página, e o diário parecia interminável. Passei a noite inteira lendo-o, surpreendendo-me a cada linha, porém sabendo que seriam informações muito valiosas para mim e para muitos no futuro...

Thursday, August 06, 2009

- Thomas, Frédéric, andem logo! – gritei da sala, impaciente.
- Eugène, você foi ajudar, não atrasar mais! – o Sr. Delacroix consultou o relógio – Desse jeito vamos nos atrasar.

Os três saíram correndo do quarto, meus irmãos de mochila nas costas e Eugène pegando a sua com seu pai. Era aniversário do Príncipe Remy e no lugar de uma comemoração grandiosa, ele havia convidado alguns amigos de sua idade para passarem o fim de semana no Palácio. Sabia que meus irmãos eram dois dos melhores amigos de Remy, mas a idéia de deixá-los naquele Palácio cheio de peças quebráveis e absurdamente caras me apavorada.

- Por Merlin, se comportem ok? – supliquei enquanto conferia se tinham guardado as coisas necessárias que separei e deixei em cima da cama – Não façam bagunça, obedeçam a quem ficar responsável por vocês, não corram dentro do Palácio e se acontecer alguma coisa, usem esse espelho de duas vias para me chamar – e entreguei a metade do meu espelho a Thomas, que era mais responsável.
- Relaxa, mana – Frédéric sorriu despreocupado – Não vamos dar nenhum prejuízo pra Realeza de Mônaco.
- É bom mesmo que nenhum dos três dê prejuízo – Sr. Delacroix falou meio rindo e meio sério – Teríamos que hipotecar a casa pra pagar um único vaso daqueles que enfeitam o hall de entrada. Estão prontos? Podemos ir? – eles confirmaram animados e ele se virou para mim e meu avô, de pé perto da porta – Trago eles de volta amanha a tarde, não se preocupem.
- Obrigado, Pierre – vovô agradeceu – Na próxima eu levo os meninos.

O Sr. Delacroix apertou a mão do vovô sorridente, embora seu sorriso ainda não fosse inteiramente feliz, e saiu com os meninos porta afora, desaparatando quando pisaram no quintal. No mesmo instante vovô pegou sua carteira em cima do balcão da cozinha e a guardou no bolso, conferindo se estava com tudo que precisava em mãos.

- Vou aproveitar que todos vocês estão fora e visitar um velho amigo para uma partida de pôquer sem compromisso – me avisou sorridente.
- Ah, não vou mais sair hoje, mas tudo bem, acho que vou ler alguma coisa – não consegui disfarçar muito bem o desapontamento. Esperava poder passar um tempo a sós com ele, sem meus irmãos gritando pela casa.
- Pensei que ia sair com seus amigos – dei de ombros, negando, e ele me olhou desconfiado – Precisa de dinheiro?
- Não vovô, não estou precisando de dinheiro – neguei rápido demais, era péssima para mentir – Só remarcamos para semana que vem.
- Bom, se precisar, vou deixar aqui na estante – e colocou 3 galeões debaixo do cinzeiro – Não vou demorar, é só uma partida. Estarei de volta antes de você dormir.

Vovô me lançou um sorriso carinhoso e piscou, desaparatando. Fiquei sozinha na casa e decidi gastar meu tempo à toa lendo um dos livros de sua coleção. Já tinha lido todos eles, mas era sempre bom reler meus favoritos, como Hamlet. Puxei o livro da estante quando o localizei e me acomodei em minha cama perto da janela. Diferente dos outros dias de verão, hoje o calor não estava insuportável e uma brisa agradável entrava pela fresta aberta. O vento leve era tão reconfortante que peguei no sono antes de chegar à segunda pagina do livro.

Quando acordei, a brisa agradável havia dado lugar a um vento frio e doloroso. Levantei esfregando as mãos nos braços, me abraçando para tentar me aquecer enquanto fechava a janela. O sol já havia se posto há muito tempo e o céu estava negro, quase sem estrelas, o que indicava que teríamos um tempo nublado no domingo. Sai da cama com um ar de preguiça assustador e me arrastei até a sala para conversar um pouco com meu avô.

- Vovô? – falei alto quando sai do quarto, mas a casa continuou silenciosa – Vovô? Está em casa?

Nenhuma resposta. Fui até a sala e não havia sinal dele, assim como na cozinha e nos quartos. A casa estava exatamente do jeito que a deixei antes de pegar no sono, até os 3 galeões continuavam debaixo do cinzeiro. Consultei o relógio para checar se não tinha dormido tanto quanto pensei, mas uma onda de pânico tomou conta de mim quando percebi que já se aproximava da meia noite. Vovô nunca chegou tão tarde em casa sem nos avisar e ele certamente não havia tentado telefonar. O barulho do telefone era tão alto que acordava até um urso hibernando. Vesti um casaco qualquer e sai para o quintal, dando uma volta no quarteirão à procura de algum sinal dele, mas o pânico me consumiu ainda mais ao perceber que ele não estava em lugar algum próximo a casa. Voltei apressada, tentando pensar no que fazer, e apenas uma idéia me ocorreu. Tinha que pedir ajuda.

- Alô? – ouvi a voz sonolenta de Henri do outro lado da linha.
- Henri? – falei com urgência na voz e pude ouvi-lo se agitando – Desculpe ligar a essa hora, mas não sabia para quem mais pedir ajuda, Bianca e Kalani foram passar o fim de semana em Saint-Tropez.
- Dani? – ele ainda parecia confuso, mas já estava alerta, sem a voz sonolenta – O que aconteceu? Você está bem?

Expliquei a ele rapidamente o que havia acontecido, da minha preocupação por meu avô não ter voltado para casa mesmo tendo afirmado que viria cedo, e em menos de 5 minutos ele estava aparatando no meu quintal. Deixei-o entrar e o abracei na mesma hora, me sentindo um pouco mais calma só por ter seus braços em volta do meu corpo. Henri pediu que me acalmasse e assumiu o controle de tudo, conseguindo que em menos de meia hora todas as pessoas próximas a nossa família estivessem cientes do que estava acontecendo. O Sr. Delacroix e Pierre chegaram às pressas na minha casa e logo depois a Sra. Perrineau apareceu também. O Sr. Delacroix organizou um esquema de busca para ele, Pierre, Henri e alguns vizinhos que se ofereceram para ajudar e eu fiquei em casa com a Sra. Perrineau, ligando para hospitais e delegacias. Mônaco não era tão grande assim, não era possível que não conseguíssemos encontra-lo dentro de algumas horas.

Mas não foi bem o que aconteceu. Nenhum hospital, delegacia ou até mesmo clubes de Mônaco sabiam do paradeiro do meu avô. Minhas esperanças estavam na equipe de busca que saiu pelas ruas tentando localiza-lo, mas as expressões cansadas e derrotadas que adentraram a porta da sala varreram minhas expectativas e novamente fui tomada por uma onda de pânico. Henri sentou ao meu lado e me abraçou novamente, falando alguma coisa para tentar me acalmar, mas eu não conseguia assimilar as palavras e compreender o que era dito.

Naquela noite a Sra. Perrineau insistiu que fosse passar a noite em sua casa, mas agradeci o convite e recusei. Queria estar em casa caso vovô aparecesse ou alguém trouxesse noticias, então ela se ofereceu para ficar comigo. Henri também não foi embora e já estava quase amanhecendo quando o Sr. Delacroix voltou de mais uma busca nas ruas com Pierre e avisou que ia em casa trocar de roupa e partir para a parte mais afastada da cidade, levando consigo algumas fotos que lhe entreguei do vovô e abordando as pessoas nas ruas para saber se alguém o vira. Depois de algum tempo a Sra. Perrineau e Henri adormeceram sentados no sofá, mas eu não consegui pregar o olho. Onde vovô foi parar?

(Continua...)

Sunday, August 02, 2009

Mônaco, França – Agosto de 1959

Pensava que passaria as férias de verão entediada, apenas na companhia de Kalani e Danielle, mas me enganei. Antes mesmo do fim de julho, com exceção de Philipe, já havia reencontrado toda a turma. Depois da morte de toda a família, a mãe de AJ organizou umas aulas de Defesa Avançada e nos deu a oportunidade de participar, então não pensei duas vezes e me inscrevi. Todos os dias da semana, na parte da manha, pegava uma chave de portal e me reunia com o resto do grupo em Londres, onde aconteciam as aulas. Danielle e Kalani não se animaram, mas encontrava lá Kwon, Andreas, Marcel e Anabela.

Na parte da tarde, quando não tinha treino de DA, passava meu tempo na companhia de Kalani. Dani às vezes estava conosco, mas ela tinha namorado e Henri não havia viajado com a família, então ela dividia seu tempo entre nós dois e ele, e é claro que perdíamos de lavada. Mesmo sem a presença da Dani, conseguia me divertir. Kalani era uma excelente companhia, me fazia rir o tempo todo e dessa forma não pensava em Johnny e nem no fato do meu namorado estar há milhares de quilômetros de distancia, em outro continente. E da mesma forma que ele me mantinha entretida para não pensar em Philipe, eu não o deixava pensar nos amigos que ia visitar no Havaí. Nos víamos todos os dias, se ele não aparecia na minha casa, eu ia até a casa dele. Descobrimos muitas coisas em comum, era como se já nos conhecêssemos há anos, e não apenas desde o ano passado.

Era assustador o quanto éramos parecidos, mas assustador mesmo foi o que aconteceu no fim do mês de Julho. Era véspera do meu aniversário e havia acabado de me despedir de Kalani, quando alguém bateu na porta do quarto...

***

19 de Julho de 1959 – Casa dos Delacroix

- Então nos vemos amanha, e Danielle jurou que não vai furar – Kalani parou antes de sair do meu quarto.
- É bom mesmo que não fure, é meu aniversário! – falei indignada e ele riu.
- Até amanha – ele sorriu e fechou a porta ao passar.

Voltei a me esparramar na cama assim que ele saiu e fechei os olhos, cansada. Havia caminhado o dia inteiro pela cidade, sem rumo, e minhas pernas suplicavam por um descanso. Já estava quase totalmente relaxada, decidida a dormir sem tomar banho, quando ouvi uma batida na porta. Abri um olho só e vi a imagem de Pierre entrando no meu quarto, carregando uma caixa quadrada.

- Posso entrar?
- Já entrou... – respondi cansada, sentando na cama – O que quer?
- Primeiro, quero que você se desarme, não vim brigar – Pierre fechou a porta e me encarou sério – Vim apenas conversar.
- Não estou armada, só um pouco cansada – me defendi – Mas quer conversar sobre o que?
- Johnny – falou direto e me mexi desconfortável na cama – Não pode fugir pra sempre, Bianca. Desde que ele morreu, não trocamos uma única palavra.
- Foi muito difícil lidar com a morte dele, mas eu consegui encontrar um sossego, por favor, não tire isso de mim.

Pierre não respondeu e colocou a caixa em cima da cama, sentando também. Começou a desamarrar os laços que a fechavam e abriu a tampa, revelando um tecido rosa-choque embolado, com uma goles por cima. Ele tirou a goles primeiro e a girou na mão, como se a admirasse. Podia até ver o brilho em seus olhos, um brilho de orgulho e saudade, enquanto fitava a bola avermelhada. Pierre desviou os olhos dela e depois de um longo suspiro, a estendeu para mim.

- 13 de Março de 1957. Os Quiberon Quafflepunches perdiam de 240 a 80 para os Abutres de Vratsa. Johnny Latour, com o braço enfaixado por causa de um balaço, roubou a goles de Igor Petrov e, menos de um minuto antes de Henri Duchamp capturar o pomo, marcou os dois gols que deram a vitória a seleção da França na Taça Européia de Quadribol. Mesmo machucado, Johnny salvou o time da derrota e ganhou a goles de ouro, como melhor artilheiro da Liga. Naquele dia ele trouxe a goles da vitória pra casa e guardou, esperando um dia dar ela a você. É sua.
- Não, não posso ficar com essa goles – empurrei de volta pra ele.
- Claro que pode, é sua de direito – ele insistiu e a segurei nas mãos – Johnny queria que ficasse com você. E acho que isso também deve ficar com você – ele puxou da caixa o velho uniforme de Johnny do Quiberon Quafflepunchers, ainda sujo de sangue no braço direito – Ele guardou sem lavar, dizia que era para lembrar sempre que mesmo com o braço quase partido, ajudou o time a vencer. São seus tesouros e acho que nada mais justo que fiquem com você.
- Por que está fazendo isso? – perguntei confusa, passando a mão na mancha de sangue seco no braço do uniforme.
- Eu estava lá, onde aconteceu o acidente, porque ouvi Johnny me chamar – Pierre começou a falar com a voz embargada, como se fosse doloroso – Ele me pedia para voltar e cuidar de você. Não entendi na hora, até voltar e ver que você ainda estava viva. Chamei o socorro e fique lá, esperando, sem poder fazer nada para ajudá-los.
- Philipe me contou que foi você quem chamou a ambulância. Eu também ouvi Johnny falando comigo, me pedia para ficar calma, porque ele estava bem.
- Eu achei que tinha entendido o recado dele, até encontrar essa caixa – Pierre continuou – Três semanas antes do acidente ele me confrontou querendo saber por que nunca havia a apoiado em seu desejo de jogar quadribol como todos nós, dizia que não entendia. Ouvi Johnny elogia-la por horas, dizer o quanto você era talentosa e que era um desperdício não poder jogar e não contar com o nosso apoio, e não pude encontrar um argumento sequer para rebatê-lo. Percebi que não tinha um real motivo para não incentiva-la, que estava apenas concordando com o nosso pai, que aquela não era uma opinião minha sobre o assunto. Johnny tinha a ambição de fazer de você uma sucessora, de fazer com que o substituísse na vaga de artilheira do Quiberon Quaffepunchers, sabia disso?
- Não... – larguei a goles em cima da cama e segurei as vestes dele, apertando o tecido nas mãos – Mas como posso jogar por um time da Liga Européia, se não tenho base nenhuma por não jogar na escola?
- É ai que eu entro – Pierre pegou a goles de cima da cama e a girou na mão com habilidade – Não chego aos pés de Johnny em cima de uma vassoura, mas sou um excelente técnico, vou ajudar o treinador Perrineau nessa temporada. Vou treinar você.
- Acho que já sei jogar quadribol, não preciso aprender nada.
- Claro que você sabe, mas será que agüenta mais de uma partida? – ele questionou – Ou dura uma partida inteira, de horas? – fiquei sem responder e ele emendou – Você é boa, Bianca, mas mesmo que consiga se sobressair entre os jogadores de Beauxbatons, se fizer os testes para reserva do Quiberon Quafflepunchers, vai ser massacrada. Você tem habilidade, mas não tem técnica.
- E por isso você quer me treinar? – falei descrente – Assim do nada?
- Estou tentando consertar um erro antes que seja tarde demais. Vai engolir o orgulho, como eu estou fazendo, e aceitar a minha ajuda ou prefere passar o resto da vida acompanhando os campeonatos de quadribol da arquibancada?


***

- Mais rápido, Bianca! Vai estourar o tempo, ande!

Acelerei o passo e alcancei a mão de Pierre antes que ele pudesse apertar o botão do cronômetro. Apoiei as mãos no joelho, o rosto vermelho e quente, quase sem ar.

- 27 segundos. Tem que fazer em 20 segundos, sei que pode melhorar esse tempo.
- Dá um tempo, ok? Estou fora de forma.
- Você não está tendo aulas de Defesa Avançada todos os dias de manha?
- O que você acha que está me deixando cansada? – respondi azeda – E não tenho que ficar correndo de um lado para o outro nas aulas.
- Você topou ser treinada por mim e eu fui treinado pelo Perrineau, o que faz com que eu seja linha dura mesmo, mas é pensando no que é melhor pra você.
- Eu sei, eu sei – falei tentando recuperar o ar e ele me estendeu uma garrafa com água – Eu vou me empenhar mais, quero fazer isso, mas antes vamos fazer um trato? Pare de me chamar de Bianca, prefiro Bia.
- Só se você parar de me chamar de Pierre e começar a me chamar de PJ – ele respondeu e ri, concordando com a cabeça – Bom, trato feito. VAMOS LÁ, BIA! ATÉ O FIM DO CAMPO E DE VOLTA AO PONTO INICIAL EM 20 SEGUNDOS!

Ele assoprou um apito irritantemente alto e levantei outra vez, tornando a correr até o outro lado do campo de quadribol e voltando até onde ele estava de braço estendido. Meu relacionamento com Pierre, ou melhor, com PJ, nunca foi dos melhores. Passamos 17 anos tendo nossos altos e baixos, entre muitas brigas e poucos momentos de companheirismo, mas parecia que as coisas começavam a melhorar. Tinha certeza de que, de onde estivesse, Johnny estava observando a isso tudo e sorrindo satisfeito. Ele tinha, enfim, feito seus irmãos mais novos se entenderem.