Monday, March 31, 2008

África do Sul

Alguns dias antes da viagem de formatura...

“Isa,

Estou enviando o que você pediu, embora ainda não saiba seus motivos. Espero que seja útil na busca.
Fique de olho na Bel por mim.

Beijos,
Rebecca Damulakis”

Um pequeno livro com capa de couro parda caiu em minhas mãos. As escrituras estavam gastas, mas ainda lia-se nitidamente “Phoebe Damulakis”. Alguma coisa me dizia que aquele diário traria respostas para o roubo do Grimoire, mas por enquanto, eu não falaria nada para a Bel.

°°°°°

- Uma girafa pode limpar suas próprias orelhas com a língua. – O guia disse enquanto caminhávamos por uma trilha onde podíamos ver, não muito longe, um grupo de girafas.
- Grande coisa. – Bel bufou próxima a mim. – Girafas são... inúteis. Grandes, pescoçudas, nojentas e inúteis. Prefiro vacas.
- Nossa. Que bela comparação! Girafas e vacas são quase iguais mesmo. – eu disse provocando em voz alta e algumas pessoas riram. Bel levantou a sobrancelha.
- Ao menos vacas nos dão leite.
- Assim como podem fazer as cabras. – Brenda disse com simplicidade.
- E não têm pescoço gigante. – Bel insistiu.
- Mas têm peito caído. – Dora disse arrancando gargalhadas gerais.
- E não enfiam a própria língua dentro do ouvido! – Bel começava a ficar vermelha, mas não encontrou nenhum apoio.
- Pelo menos elas se limpam. Vacas são imundas e fedidas, de natureza. – respondi e Bel já preparava um contra-ataque quando Professor Pierre nos interrompeu.
- Meninas, será que podemos discutir isso outra hora? Vamos andar mais um pouco. Ali na frente estão os leopardos...

Bel engoliu o que ia dizer e fechou a cara. Durante todo o restante do safári no Kruger National Park, ela não disse mais nada. Bel andava muito esquisita, desde o dia dos namorados. Fora as investigações do Grimoire que não tinham chegado a nenhuma conclusão de fato.

- Anne, você sabe o que aconteceu com a Bel? – perguntei em voz baixa para que somente Anne pudesse escutar. Ela deu uma olhada para Bel, já distante de nós.
- Ela e o Bernard estão um pouco... frios, um com o outro. – Anne respondeu sacudindo os ombros.
- Frios? Frios como?
- Frios... frios. Entende? Ela não me contou muita coisa, mas disse que ele tentou avançar o sinal no dia dos namorados e ela entrou em pânico. Depois ele se declarou pra ela, e ela não conseguiu dizer nada. Desde então estão assim.
- Entendo.

Observei Bel caminhar silenciosa trocando meia dúzia de palavras com Ulisses Bonaccorso vez ou outra. Não sabia exatamente o porquê, mas sentia uma antipatia enorme por aquele garoto.

°°°°°

O som da batucada de tambores explodia para os quatro ventos de uma das praias de Sun City. Agora, só tínhamos mais uma semana para aproveitarmos na África do Sul, e a festa estava animada.

Além do batuque, vários homens jogavam Capoeira no meio de uma roda e cantavam bem alto músicas que não conseguíamos entender, mas que de certa maneira, fez com que várias pessoas se soltassem e arriscassem um gingado diferente.
Nos serviram várias bebidas de frutas e as comidas tradicionais. Anne passou oferecendo algo que mais parecia cebola empanada, mas era bem crocante e tinha um gosto exótico.

- Gostoso. O que é isso?
- Não sei. Me deram um para provar e gostei, aí trouxe para vocês.
- Ahhh, grilos! – Professor Pierre saiu com a respiração arquejante do meio da roda. Tinha acabado de protagonizar uma verdadeira cena cômica ao “jogar” capoeira com um africano nato. Avançou para a bandeja que Anne segurava e sem cerimônias, engoliu um dos petiscos quase sem mastigar.
- Desculpa, professor. Mas o que o senhor disse que são? – Dora perguntou já com uma careta apontando para a bandeja, e o professor apanhou mais dois ou três, enfiando-os na boca.
- Grilos. Aqui é comum comerem. São deliciosos, ham?

Sorrindo, ele se afastou já batendo palmas no ritmo das batucadas. Eu, Dora, Brenda e Anne nos entreolhamos e senti meu estômago dar uma volta completa. Bel riu.

- O que vocês esperavam? Caviar? – perguntou sarcástica. – Bom, mas se não gostaram dos grilos, acho que vão gostar de... – ela pensou um segundo e sem dizer mais nada, foi até a mesa de comidas. Voltou um segundo depois com algo que parecia ser uma coxa na mão. - Coxa de Ginu. Pena que escolhi ser vegetariana, mas essa coxa deve estar deliciosa, não acham? – rindo, se aproximou de mim apontando a coxa para o meu peito, como uma arma. – Prova, Isa. Você vai adorar.
- Não quero, Bel. Obrigada. – mas ela continuou caminhando em minha direção com um sorriso maníaco. Dei alguns passos para trás, assustada, e ela aumentou a velocidade. Corri.
- O que foi, Isa? Também não gosta de Ginu? – ela perguntou gritando enquanto eu corria, e antes que eu pudesse me afastar demais a ouvi dar uma gargalhada solitária e bastante exagerada.

Alcancei os meninos do time que conversavam sobre os jogos de semifinal e a boa classificação da Fidei. Era a primeira vez, em seis anos, que a Fidei tinha concretas chances de vencer o campeonato de quadribol. Procurei por Brendan, mas ele estava conversando muito intimamente com Raina Casale (uma das batedoras da Sapientai) então decidi não atrapalhar.

Sentei-me um pouco afastada de todos, sozinha. Um minuto depois, Dora se aproximou e sentou-se ao meu lado.

- A Bel está bêbada ou surtou? Ficou rindo sozinha um tempão, e nem foi tão engraçado ela te “atacar” com aquela coxa.
- Não sei. Alguma coisa muito estranha está acontecendo com a Anabel...

°°°°°

- BEL! Você perdeu completamente o juízo? – eu perguntei exasperada enquanto ela se preparava para saltar da ponte Blaauwkrans, o mais alto bungee-jumping do mundo.

Agora, faltavam apenas dois dias para voltarmos para Beauxbatons e fazíamos os passeios finais. Já havíamos conhecido vários museus, parques, praias e vinícolas. Centros comerciais e culturais e vários safáris.

- Não, Isabel. Nunca estive tão lúcida.
- Então pode me dizer por que está se preparando para saltar desse troço? Eu sei que você tem medo de altura! Rebecca me contou como você ficou exasperada na primeira aula de vôo! Voc... OUCH! – ela pisou com força no meu pé e senti meu olho se encher de lágrimas.
- Escuta aqui... Você não tem nada a ver com a minha vida. Se não quiser me ver saltar, some. – ela disse seca dando uma olhadela por cima do ombro. Acompanhei. Ulisses Bonaccorso sorria vitorioso.
- Já entendi. Você foi desafiada.

Ela não respondeu. Se amarrou em todos os ganchos e o instrutor começou a passar diversas orientações. Decidida, tracei uma reta até Ulisses.

- Foi você?! – eu o acusei já com a voz alterada, mas ele não desfez o sorriso.
- Eu o que?
- Você quem encheu a cabeça da Anabel para ela saltar desse negócio!
- Você está louca.
- Se alguma coisa acontecer com ela, eu juro que... – apontei o dedo para o nariz dele, mas não completei a frase. Bel pulou da ponte e ouvi seu grito. Corri até a beirada, me espremendo entre os alunos para observar.

A coisa foi toda muito rápida. Ela saltou, depois de 2 minutos a puxaram de volta, estava em transe e completamente descabelada.

- Bel. Você está bem?

Ela me encarou fundo nos olhos e sem dizer nada, se afastou da aglomeração e ficou estática no meio da ponte.
Ia até ela, mas Ulisses foi mais rápido. Antes que eu pudesse intervir, ele a puxou com força e a beijou. Ao contrário do que eu imaginara, porém, ela não se afastou. Deixou-se levar por ele e correspondeu ao beijo.

Thursday, March 13, 2008

Lembranças de Anabel Damulakis McCallister

Dia dos namorados:

- Onde estamos indo? – perguntei pela milésima vez a Bernard, enquanto ele me guiava lentamente. Meus olhos estavam tapados por uma faixa preta.
- Já disse: é uma surpresa. Para de me perguntar. Não vou te responder.
- É sério, Bê. Não queria ter que sair de Beauxbatons. Agora que as investigações sobre o Grimoire estão chegando a alguma coisa concreta e...

Parei de falar quando Bernard parou de andar. Um segundo depois, a claridade invadiu meus olhos. Estávamos na porta do Taillevent, um dos restaurantes mais populares de Paris. Arregalei os olhos e Bernard sorriu.

- Você fez reserva nesse restaurante há quantos meses atrás?
- Alguns meses. – ele sorriu satisfeito me oferecendo o braço. Aceitei. Caminhamos em direção à recepção.
- Você é maluco! Uma água aqui deve custar o olho da cara.
- Como você é romântica, Anabel! – ele riu e deu um beijo na minha testa. – Vamos.

Poucos minutos depois, uma das recepcionistas nos guiava entre as mesas até a nossa. Uma simples, de duas cadeiras. Toalhas brancas, taças de cristal e velas. Várias velas. Sentamos.

- Não gosto de restaurantes com velas em cima da mesa. Se lembra da última vez, não é? – Bernard concordou rindo e assoprou as velas, apagando-as.
- Melhor não corrermos riscos. Já vou ter que deixar meu rim aqui, por causa do jantar. Se tiver que deixar um fígado por causa dos prejuízos...
- Ah, isso foi muito romântico! Muito mesmo! Estou impressionada. – disse sarcástica e ele me puxou para um beijo longo.

~*~

Tudo estava indo maravilhosamente bem. Pedimos as bebidas, e uma entrada maluca, mas até saborosa. Bernard e eu ríamos e comentávamos dos outros casais ao nosso lado. As mulheres cheias de jóias e maquiagens, os homens pomposos.

- Acho que não nasci pra ser assim. – comentei observando uma moça na mesa ao lado com vários anéis nas mãos.
- Assim como? – Bernard perguntou beliscando a entrada.
- Assim... cheia de... estilo. Entende? Como a Isabel. Posso até implicar, mas tenho que assumir: ela tem estilo. Ela sabe se comportar em lugares como esse. Sabe se vestir.

Bernard parou de mastigar e ficou me encarando sem expressão. Quando percebi que ele estava me olhando, ri.

- Que foi?
- Nada. Só estou registrando esse momento de você elogiar a Isa.
- Estou falando sério, Bê!
- Eu também! Do que afinal você está falando? Você também é cheia de “estilo”. Só conheço uma pessoa igual a você, e essa pessoa está sentada na minha frente, nesse exato momento! Não precisa usar saltos, nem marcas, nem ser a melhor aluna da turma de etiqueta. Você é ótima do jeito que é.

A resposta ficou no ar, pois o garçom chegou com nosso jantar e nos serviu. O clima, que até então estava ótimo, pesou, assim que eu mastiguei a primeira vez o conteúdo do meu prato e tive que me segurar para não cuspir imediatamente. Engoli. Lágrimas saíam dos meus olhos sem parar. Bernard me olhava assustado.

- Que aconteceu?
- Você sabe muito bem que eu sou VEGETARIANA! – disse elevando a voz. Alguns casais nos olhavam assustados, mas minha raiva estava incontrolável.
- Sei. Por quê?
- Se sabe, por que pediu um prato cheio de CARNE pra mim?
- Carne? Bel, isso não é carne. O meu é igual, olha. – ele apontou para o próprio prato, assustado. A voz controlada no mesmo tom. – São moluscos.

Antes que pudesse me segurar, meu estômago deu uma volta completa. Peguei a taça de água e virei de uma vez na boca.

- Eu... odeio... frutos... do... mar. – disse finalmente, respirando arquejante depois de tanta água. Bernard olhava de mim para o prato sem saber o que dizer. Um garçom veio até a mesa.
- Alguma coisa errada?
- Meu namorado. Pode trocar para mim, por favor? – perguntei com raiva, mas o garçom continuou imóvel. – Esse maldito prato. Não quero isso. Tira.
- A comida não está temperada ao seu gosto? – o garçom insistiu, mas Bernard o olhou definitivo e ele retirou nossos pratos. – Posso lhes servir outro jantar então?
- Acho melhor trazer a conta. – Bernard disse seco e o garçom concordou. Quando ele se afastou, nos encaramos. – Melhor assim? Irmos embora?
- É. Muito melhor. – respondi azeda.

Não nos falamos mais. Bernard foi até a recepção pagar a conta e eu o esperei do lado de fora. Saímos andando e após alguns minutos, Bernard explodiu.

- Meses planejando tudo para que essa noite fosse perfeita! Depois do jantar poderíamos ir para meu apartamento, que essa noite vai estar completamente vazio, e lá ouviríamos músicas, conversaríamos. Ficaríamos a sós, entende? Quando tudo parece que vai dar certo...
- Eu estrago! Pode terminar a frase. Pode dizer que eu acabei com todos os seus brilhantes planos para um dia dos namorados romântico. Mas será que eu tenho direito de não comer carne e não gostar de frutos do mar? – perguntei irritada. Nos calamos.

Ficamos vários minutos em silêncio, cada um olhando um ponto do Rio Sena. Então, Bernard começou a rir descontroladamente.

- Do que você está rindo? – perguntei antipática.
- É óbvio: nós dois, eu e você, não podemos mais comemorar NADA em restaurantes! Nunca mais. Sempre sai alguma coisa errada.

Ele conseguiu fazer o que eu achava que seria impossível naquele momento, dado meu estado de ânimo. Ri também. Ele se aproximou e nos abraçamos.

- Desculpa ter pedido um prato com moluscos ao molho frescureé para você. Fui um tremendo idiota.
- Tudo bem. Desculpa ter feito aquele escândalo. Acho que depois dessa, você não consegue reserva lá nem com anos de antecedência.
- Ah, não ia tentar outra de qualquer maneira...

Nos beijamos. Depois ficamos abraçados um bom tempo observando o rio. Senti meu estômago roncar.

- Estou com fome. – disse e Bernard riu.
- Eu também.
- No apartamento de vocês já tem fogão? – perguntei zombadora e ele levantou a sobrancelha.
- Ta brincando? Claro que temos. Inutilizado, mas temos. Podemos improvisar alguma coisa... – ele sugeriu.
- Sem carnes e moluscos?
- Fechado.

~*~

Depois de termos “improvisado” uma lasanha congelada no sabor quatro queijos, fomos para o quarto de Bernard. Estava atualizando-o sobre as novidades do Grimoire e ele escutava com atenção.

- Máxime disse que vai ser bem difícil encontrar um culpado. Já descartamos os alunos do 7° ano, por que todos estavam na quadra conversando com ela. Mas não podemos descartar mais ninguém. Alguém de outra casa pode ter conseguido a senha da Sapientai. E se for mesmo da Sapientai, pode ser de qualquer ano, homem ou mulher. Se os dormitórios ainda não aceitassem homens...

Bernard me interrompeu com um beijo. De um momento para outro, eu estava deitada na cama dele, e ele do meu lado/em cima de mim, me fechando e me beijando. Ameaçou escorregar uma das mãos para minha cintura, e com a mesma velocidade que ele me rendeu, eu consegui me livrar. Levantei recuperando o fôlego.

- Já está na hora de voltar para o castelo, Bê. – disse firme.
- Ainda temos bastante tempo. – ele insistiu me puxando novamente, dessa vez para cima dele. Escapei.
- Não. Melhor eu voltar agora. Você vai me levar?

Ele me encarou um momento, mas sendo vencido, levantou-se.

- Tudo bem. Você quem sabe.

Desaparatamos alguns minutos depois no portão de Beauxbatons. Pelo som que vinha de dentro do castelo, o baile tradicional ainda estava acontecendo. Paramos.

- Não quer entrar? Ainda deve ter algumas tortas de sobremesa. – perguntei, mas ele não respondeu. Estava me olhando de uma maneira interrogativa.
- Qual é o problema?
- Problema?
- De nós dois. Já estamos juntos há mais de um ano, Bel. Nós nunca... você sabe. Qual o problema? É comigo?

A conversa que eu sempre evitava, agora estava jogada entre nós. Não tinha para onde correr.

- Não há problema nenhum. Eu só não sei se estou pronta, ainda.
- Depois de mais de um ano eu ainda não te convenci que eu realmente gosto de você? Bel, eu te amo. Acredite, eu nunca disse isso pra ninguém! – ele falou sério segurando minha mão e eu senti todo o meu corpo amolecer.
- Eu preciso entrar.
- Eu acabo de te dizer que te amo e você diz que precisa entrar? – ele se afastou incrédulo.
- Desculpa. Eu preciso de um tempo. – entrei no castelo. Comecei a caminhar me afastando do portão, mas sabia que ele ainda estava lá, me observando.
- Vou esperar o tempo que você achar necessário, então. – gritou. Parei de andar. Virei para encará-lo, mas antes que conseguisse, ouvi um estalo. Desapareceu. Encarei a estrada deserta um bom tempo me sentindo adormecida.

°°°
As semanas seguintes correram pacatas. Entre aulas e deveres, os alunos do 7° ano agora tinham uma nova “preocupação” na cabeça: a viagem de formatura. Não demorou muito e ela nos alcançou.

Na véspera do dia 7 de março, Máxime despachou todas as nossas bagagens e distribuiu os horários que cada chave de portal sairia. Não se falava de mais nada.
Na manhã da viagem, desci para tomar café da manhã com Brenda e Anne. Isa e Dora não demoraram a se juntar a nós, ambas vestidas com grandes botas de couro e roupas camufladas.

- Para que tudo isso? – perguntei analisando-as.
- Oras. Estamos indo para um lugar cheio de matas, desertos, safáris e sabe-se lá o quê mais. Temos de nos vestir adequadamente, não é? – Isa respondeu com simplicidade. Anne riu e Brenda concordou com ela. Não respondi.
- Se estão dizendo... Que hora vocês vão?
- Dentro de 1 hora, 23 minutos e 46 segundos, exatamente. – Dora consultou o relógio de pulso. – Brendan e os outros meninos do time da Fidei vão conosco. Eles também estão camuflados. – ela completou empolgada apontando para outros cinco ou seis garotos na mesa da Fidei com as mesmas roupas das duas. Eu e Anne trocamos um olhar mudo.
- Que gracinha. Todos em perfeita harmonia. – Ironizei e Anne caiu na risada. Isa sorriu.
- E vocês? Quando saem? – ela perguntou sem responder à provocação.
- Em 25 minutos. – Brenda respondeu empolgadíssima.

Tomamos café com tranqüilidade e nos despedimos das duas “Indiana Jones”, que foram se unir aos outros bonecos da coleção. Seguimos diretamente para a sala de Madame Máxime, que já nos aguardava com um velho guarda-chuva em cima da mesa. Todo o grupo se reuniu para ela dar as instruções.

- Quando chegarem lá, professora Emily vai ampará-los até o hotel. Esperem lá até segunda ordem. Quando finalmente todos os estudantes chegarem em segurança, vocês receberão um roteiro completo com todas as atividades. Entendido?

Concordamos e ela pediu que nos aproximássemos. Toquei um dedo no objeto e esperei até que todos se acomodassem ao redor dele. Anne estava do meu lado, e Brenda do lado dela. Ulisses Bonaccorsso surgiu do meu outro lado, sorrindo. Não correspondi.

- 3... 2... 1...

Aquela velha sensação de ser puxada abruptamente para trás. Um rodopio de cores. Meu dedo grudado no guarda-chuva. A mão de Ulisses grudada na minha. Alguns segundos depois, um baque. As pernas cederam um pouco, mas logo me recuperei. Olhei ao redor. Estávamos em um grande espaço deserto e um sol muito quente acima de nós. Senti algo apertando minha mão. Ulisses segurava ela com muita força e olhava ao redor encantado.

- Será que dá para soltar da minha mão? – perguntei com raiva puxando com violência. Ele sorriu.
- Desculpa Bella. Não percebi que ainda estávamos de mãos dadas. – ele respondeu animado. Fechei a cara. – Essa viagem promete ser ótima, não acha?
- Se você manter uma distância considerável de mim, sim, vai ser ótima.

Me afastei até Anne e Brenda que andavam pelo local observando tudo. Um minuto depois, Emily apareceu seguida por Sir-Shaft. Sorriam.

- Mais um grupo chegou. Ocorreu tudo bem?! Ótimo. Venham, vamos para o nosso hotel.

Emily disse empolgada e os seguimos. Seriam longos e quentes quinze dias na África do Sul.

Wednesday, March 05, 2008

Everybody's looking for that something
One thing that makes it all complete
You find it in the strangest places
Places you never knew it could be

Passei as festas de final de ano na casa de Jaeda e sua família. Eles eram muito hospitaleiros e nos trataram muito bem. Meu pai havia conseguido o divórcio de minha mãe, e até cogitou em mudar-se para ficar perto dos filhos, mas eu o demovi desta idéia, após fazê-lo entender que abandonar seu projeto de produtos orgânicos, que caminhava muito bem, não faria com que eu me sentisse melhor. Muito pelo contrário, isso poderia fazer minha mãe vir atrás de nós e descobrir sobre meu filho com o Ty. Meus irmãos haviam se adaptado bem aos costumes americanos e feito amigos aqui.
Após o beijo de Brian, procurei trata-lo como um amigo deve ser tratado, mas volta e meia o surpreendia me olhando sério. Mas esta expressão logo mudava quando ele encontrava alguma de suas namoradas ou quando Charlene estava perto de nós. No dia dos namorados a escola fez um baile e ele me convidou para ir, mas aleguei estar cansada, e querer descansar. Não sentia nada disso, mas não queria que ele fosse motivo de riso por parte de seus colegas, por chegar a um baile acompanhado de uma garota grávida de um filho que não era dele.
Não, não era isso... Seus amigos não ririam dele, meu receio era se após o baile, ele quisesse me beijar novamente, e eu começasse a vê-lo com outros olhos.

You'll find it in the deepest friendship
The kind you cherish all your life
And when you know how much that means
You've found that special thing
You're flying without wings

Os dias no Texas passavam rápido, e logo minha barriga chegava primeiro a todos os lugares, gerando comentários engraçados de meus irmãos, Jaeda e Brian. Nestes últimos meses, eu estava mais pesada a cada dia que passava e sentia uma fome absurda. Mas o pior era que à noite, eu me pagava pensando no Ty e rascunhava cartas contando-lhe sobre nosso filho, que no final viravam bolas de papel que eu aprendi a atirar com perfeição nos cestos de lixo, quando minha coragem fraquejava. Comecei a fazer um álbum com fotos nos vários estágios de minha gravidez, e em algumas páginas eu colocava fotos e recortes sobre o Ty, durante os jogos inter-escolares recebendo suas medalhas e em algumas ocasiões com seus amigos. Colei também presentes que havia ganhado dele, como flores, papéis de bombom que dividimos, e até mesmo um pássaro de origami que ele aprendeu a fazer com Miyako. Claro que ele tinha uma asa um pouco torta, mas Ty ficara tão orgulhoso de pelo menos não haver amassado tudo e ter conseguido enfeitiça-lo para que voasse até mim, que guardei com carinho. Outra coisa que guardei foi um mapa estelar que fizemos juntos numa noite em que nos encontramos na torre de astronomia de Beauxbatons. Ali desenhamos as constelações que enxergávamos e falávamos sobre suas lendas, e também sobre nossos sonhos... Bastava fechar os olhos para reviver aqueles momentos. Acabei adormecendo.

- Ty, está é Cisne...
- Não é Quíron???
- E esta é Cassiopéia certo?
- Aham...
- Nunca que vou por o nome de Cassiopéia em uma de minhas filhas. – ele disse.
- Filhas? Quantas filhas você vai ter? – brinquei e ele me abraçou, dizendo em meu ouvido:
- Nós vamos ter uns 4 filhos. Quero uma família grande.
- Nós? Você acha que eu vou ter 4 bebês? Enlouqueceu... - e ele começou a falar de seus planos.
- Eu vou ser campeão de quadribol da Liga Européia, ganhador do bastão de ouro como melhor batedor... Você pode ganhar alguns Pulitzer’s entre uma gestação e outra.
- Sim, claro. Enquanto esquento a mamadeira posso transcrever uma entrevista com o Ministro da Magia. De repente, ele pode ensinar alguma tática secreta de como chegar ao poder enquanto cozinha um pudim. - rimos e ele continuou:
- Nosso menino pode se chamar... Connor ou talvez Julian... Mamãe sempre quis um outro filho com este nome.
- Somos muito jovens para pensar em filhos, Ty.
- Eu sei, mas a gente pode brincar e sonhar não é? Isso não machuca ninguém...
- Sim, podemos sonhar...

So, impossible as they may seem
You've got to fight for every dream
Cause who's to know which one you let go
Would have made you complete

Acordei assustada segurando o álbum. Quando comecei a levantar senti uma pontada no meio das minhas costas que me fez arfar. Percebi algo molhado nas minhas pernas e vi que a bolsa d’água havia rompido. Respirei fundo para me acalmar e guardei o álbum, não queria que Jaeda soubesse quem era o pai do meu filho. Andei com calma até a minha mesinha de cabeceira e peguei minha varinha. Conjurei um patrono e o enviei até o quarto de minha irmã. Não demorou muito e ela chegava correndo com Jaeda, Lucien e Brian em seu encalço. Enquanto íamos para o hospital, meu irmão tratou de avisar ao meu pai, que a o seu neto estava a caminho.
Após algumas horas em que cheguei a pensar porque as mulheres se deixam convencer a ter filhos de homens insensíveis e egoístas, pois na hora H, eles não estão lá para dividir aquelas dores excruciantes e que se a humanidade fosse justa deveria se extinguir devido a esta arbitrariedade, ouvimos o choro alto e forte, e todas aquelas dores foram esquecidas, eu só queria ver o bebê. A enfermeira o trouxe até mim, enrolado em um lençol e ele tinha a cara inchada e avermelhada, mas juro que era o bebê mais bonito do mundo. Passei a mão sobre o monte de cabelos negros que emolduravam seu rostinho e não tive dúvidas quando entre minhas lágrimas de alegria e alívio, ele abriu os olhos azuis e me fitou, parecendo me reconhecer:
- Bem vindo ao mundo Julian! Eu sou a sua mamãe.

And you're the place my life begins
and you'll be where it ends
I'm flying without wings
And that's the joy you bring
I'm flying without wings

N.Autora: música Flying without wings, Westlife