Prepare-se querido.
O Mal sempre esteve ao redor de sua família. Sempre esteve à espreita. Vocês são como a luz, quanto maior for a sua força, maior serão as trevas.
Mas o mal vai atacar. Ele está decidido a dar um fim a vocês. Ele não tem mais nada a perder.
Avise sua família, seus amigos, seus queridos.
Avise seu irmão, pois ele não ouve meus chamados. Avise seu pai, pois ele não resistiria em me encontrar.
A você que eu dei meu dom, darei este aviso. Cuidado, querido Seth.
Mantenha sua família unida. E em breve, todos os selos e encantamentos que prendem os dois anjos gêmeos deverão cair, e em um eles se tornarão.
Você que sempre será como meu querido neto...
- Seth, está tudo bem? – Miyako me balançava de leve pelo ombro, enquanto a turma inteira me olhava surpresa. Eu nunca cochilei nas aulas, principalmente na de Mitologia, e a professora Emily parecia além de surpresa, preocupada.
- Tudo bem, Sr. Chronos? – Ela me perguntou, olhando profundamente em meus olhos, vendo que eu precisava me comunicar com meus pais.
- Sim, está tudo bem. Eu estava apenas pensando em algumas coisas...
- Se quiser sair mais cedo, esteja à vontade. Já estamos quase no fim da aula.
- Eu agradeço, Professora. Não, Mi, Griffon, está tudo bem, não se preocupem. – Falei enquanto me levantava, agradecendo a eles, mas deixando claro que me procurassem quando saíssem da aula.
Saí da sala com a cabeça ainda pesada, mas nunca me senti tão bem. As visões sempre vinham acompanhadas de uma fraqueza intensa e fortes tonturas, mas essa fora diferente. Não sabia quem era aquela pessoa, mas a conhecia, conhecia o perfume adocicado e a sensação de segurança que ela transmitia. Parecia até que ela recuperou minhas forças apenas com sua presença, mas também me deixou confuso.
Apontei minha varinha a frente e quatro coelhos surgiram, eram todos idênticos com uma pelagem branco-prateada brilhante, meus patronos. Para três deles eu transmiti a mensagem da visão na integra e eles saltaram pela janela para irem até meus pais e minha Tia Celas e Alex. O último mandei com uma mensagem de cuidado e de carinho para Luna, e antes dele também pular pela janela, ele pulou no meu colo e eu sabia que ia transmitir esse meu abraço e amor para a Luna.
Fui para os jardins e sentei na neve, perto de uma árvore, sem parecer sequer sentir o frio, enquanto esperava por Miyako e Griffon e relembrando da mensagem da visão. Enquanto isso uma grande águia voou na minha direção, e ao se dissolver em um pó brilhante, reconheci a voz de minha mãe:
“Seth, querido. Obrigada pela mensagem. Talvez saibamos quem era, mas é difícil de acreditar, pois essa pessoa faleceu há anos, mas estamos felizes dela ter se comunicado com você. Seu pai e sua tia Alex estão muito emocionados e já estamos discutindo a visão. Cuidado. E importante, mantenha-se próximo do Griffon. Ártemis está ótima e mandamos beijões e nosso amor.”
Senti-me ainda mais leve por eles saberem quem era na visão, mas como alguém já falecido poderia se comunicar comigo? E por que tanta ênfase em eu e o Griffon nos mantermos unidos? E por que eles estavam demorando tanto?!
Nesse momento, as portas do castelo se abriram e mesmo de longe reconheci Miyako, enrolada em casacos, correndo na minha direção. Quando finalmente chegou onde eu estava, me abraçou preocupada e já falando:
- Não adianta esconder! Eu vi quatro de seus patronos saltitando pelos jardins. Até a Emily ficou preocupada e me pediu para que viesse ver o que era, mas sabia que era algo importante.
- Sim, usamos legilimência e contei rapidamente o que era. Meus patronos foram avisar meus pais, tia Celas e Alex, além da Luna. E depois pretendo mandar corujas para o Ty e o Biel, por via das dúvidas.
- Então é algo importante! O que houve?
- Foi uma visão, me alertando de um perigo iminente. – Contei então como foi a visão e a sensação de conhecer aquela pessoa, assim como o que mamãe me contara usando seu patrono.
- Então era uma boa pessoa! Mas nunca ouvi de mortos falando com vivos assim.
- Eu também não.
- Então um dos dois, ou os dois, têm grandes poderes. Não entendi essa parte de selos e anjos. Mas sua família realmente corre perigo muitas vezes.
- Também não entendi tanta ênfase em manter a família unida, e eu perto do Griffon. Por falar nele, onde ele está?
- Ele parou para falar com uma garota – Mi falou após hesitar por um momento, medindo as palavras, pois sabia que eu não ia gostar.
- Ele o que?! Como aquele idiota consegue pensar nessas coisas numa hora dessas?! Olhe ele lá!
Griffon e a tal garota apareceram nas portas e me pus de pé, segurando o mau humor. Mi também levantou pronta para me segurar se fosse necessário. Griffon e a garota riam e ela se agarrava ao braço dele como se hipnotizada. Griffon a despachou sem cerimônia, dando um beijo de leve no rosto dela, próximo dos lábios, para fazê-la querer mais. Ele então veio calmamente na nossa direção.
- Então, Seth, o que foi que houve?
- Quem era ela para atrasar você em algo importante? – perguntei, sem esconder o mau humor.
- Calma mano, ta com ciúmes de mim? Sabe que não sei? Não lembro o nome...Mi, você conhece ela? Quem era?
- Era a Justina Rafeyer, quarto ano da Fidei. – Mi falou, tentando diminuir a tensão e colocando-se discretamente entre nós dois.
- Você sequer sabe o nome dela?! – Falei chocado e com raiva dessa vez. Eu podia sentir no ar, mesmo de longe, as esperanças da garota, o coração dela pulsando forte pensando que conseguiria algo mais com meu irmão.
- É necessário? Enquanto nos beijamos, não falamos muito, não? – Ele deu de ombros rindo e eu cerrei os punhos, controlando-me.
- Isso é ridículo, Griffon! E como tem coragem de falar algo desse tipo na frente da Mi?
- Não tem problema, Seth. Já estou acostumada. – Miyako falou novamente tentando acalmar a situação, ainda mais no meio de nós dois.
- Que seja, Seth. Então o que houve?
- Foi uma visão. – Falei após respirar e me acalmar – Um aviso de perigo e para que fiquemos juntos. – Contei tudo novamente sobre a visão e sobre a mensagem de mamãe, e ele ouvia parecendo pouco interessado.
- Bem, entendi. Mas sempre corremos perigo, não tem problema. Agora que já falou, tenho uma garota para não conversar. – Ele riu e virou as costas, eu então não me controlei e levantei falando com ele, alteando a voz.
- Você é realmente um idiota! Um verme nojento! Por que faz isso com elas?
- Não faço nada que elas não queiram. Que posso fazer se elas não resistem a mim? – ele falou também alteando a voz.
- Ei, ei, calma garotos! Não comecem a brigar por isso! – Miyako falou com força na voz, agora completamente entre nós, com uma mão no ombro de cada um, nos segurando.
- Mi, me desculpe, mas isso é entre eu e o Griffon, por favor, não adianta nos separar. – Falei afastando-a delicadamente enquanto falava novamente com o Griffon. – Isso é baixo e ridículo, será que você não vê Griffon? Você só está brincando com elas!
- E daí? Nem todos são certinhos como você Seth! Deixe eu me divertir!
- Garotos já chega! Não me obriguem a enfeitiçar vocês! – Miyako estava novamente no meio de nós dois, varinha em punho, pronta para nos separar. Mas eu e Griffon continuamos discutindo por cima dela, gritando um com o outro.
- Então é isso mesmo? Apenas diversão! Você não consegue ver o que as faz sentir? Como elas ficam desoladas com suas brincadeiras fúteis e idiotas?! Ou quer apenas esquecer da Emily, fazendo os outros sofrerem como você? Fazendo os outros sentirem a melancolia que você sente?
- Repita isso! – Ele gritou comigo, sacando a varinha. Mi soltou uma exclamação alta e se preparou para lançar feitiços em nós. Mas eu já estava de varinha em punho também, e ela parecia meio horrorizada com a briga, parecendo que não sabia o que fazer. A luz ao nosso redor começava a se intensificar e eu sabia o por quê.
- Eu repito: Você é nojento e está apenas se vingando nos outros, divertindo-se ao ver todas aos seus pés, para que você as dispense depois!
- Algo contra, seu idiota? Virou o defensor das garotinhas agora? Ohh entendi! Quer elas só pra você é? Está chateado porque seus “dons” já não atraem todas e cansou da sua namoradinha maluca?!
- Como ousa falar algo assim! Acha que eu gosto desse “dom”? Acha que gosto de sobreviver a custa da vida dos outros?! Acha que é divertido sentir a vida das pessoas desaparecendo para que a sua continue?! E não ouse falar que traio a Luna, seu grande imbecil!
Nenhum dos dois se segurou mais. Com um movimento rápido, tirei a Miyako do caminho, afastando-a um pouco, e desferi um soco no rosto de Griffon, arranhando seu ombro com minhas mãos. Ele para se defender, acertou uma joelhada sem jeito na minha barriga, enquanto da sua varinha e da sua mão livre saia um raio de luz intensa, que passou pelo meu ombro queimando-o. Miyako gritou assustada e enraivecida e levantou a varinha para nos separar, mas uma barreira já nos cercava e isolava. Lancei um feitiço com raiva contra ele, jogando-o longe, enquanto meus olhos ficavam vermelhos e as pressas à mostra. No mesmo momento os olhos dele brilhavam com uma luz branca.
- Vai me queimar? Vai me morder? – Falamos praticamente juntos e novos feitiços colidiram-se no ar. Os alunos que estavam no jardim começavam a se aproximar curiosos e outros corriam chamando os professores. Podia ouvir os passos apressados dos professores e dos alunos, assim como os gritos de Miyako para que parássemos.
Íamos lançar novas séries de feitiços, quando dois jatos brancos nos atingiram no peito, imobilizando-nos completamente. Madame Máxime, Professora Emily, Professora Tiercelin, o Professor Sir Shaft, e para nosso horror, mamãe, chegava correndo com a varinha em punho. O feitiço que nos parou só poderia ter saído de mamãe.
- Senhores Chronos!! Como ousam?! Vocês estão muito encrencados! Um mês de detenção, todos os dias! E estão proibidos de praticar alguma atividade extra! – A Diretora gritava furiosa conosco, mas não tirávamos os olhos de mamãe, cujo semblante misturava tristeza, choque, dor e raiva juntos. Seu olhar parecia nos queimar, enchendo-nos de vergonha e remorso.
- Máxime, gostaria de falar com meus filhos, a sós. – Mamãe falou com uma voz fria.
- Claro, Sra. Chronos. Professores ajudem-me a tirar os alunos daqui.
Ela e os outros professores afastaram os alunos, assim como Miyako ainda chocada e um tanto assustada com a ferocidade do duelo. Rapidamente o jardim ficou deserto e uma barreira nos envolveu. Ficamos em silêncio, cabeças baixas, sem coragem de encarar aqueles olhos frios.
- Eu saio de meu trabalho, deixo a Ártemis com seu pai, para ver como estavam meus filhos, para lhes explicar coisas importantes. E os encontro brigando! – Sua voz soou alta e forte.
- Mãe, nós... – começamos a falar, mas ela simplesmente nos olhou e ficamos calados.
- Nada justifica essa demonstração bárbara! Nada! Vocês foram treinados para usarem seus poderes para lutar contra seres e pessoas malignas. Não entre vocês! Vocês poderiam ter se matado, se eu não tivesse chegado a tempo e não fossem as restrições impostas a vocês por mim e seu pai! E pior, poderiam ter machucado ou até pior os outros alunos! Até mesmo a Miyako corria perigo! Não há desculpas para isso! Como ousam usar seus poderes em uma briga comum? E eu sei qual foi o motivo da briga!
Ficamos calados, sem forças e sem vontade de dizer algo. Mamãe ainda nos olhava com uma força capaz de nos imobilizar e seu lábio parecia tremer. Ela porém se aproximou de nós e nos abraçou. Começamos a pedir desculpas enquanto chorávamos como crianças, diante da vergonha que causamos. Ela curou nossos ferimentos antes de falar novamente.
- Vocês são dois, mas são um. É importante manterem-se unidos, é importante manter a família unida, ainda mais depois do aviso que recebemos. – Ela beijou nossos rostos e olhou no fundo de meus olhos, agora normais. – Seth, eu sei que você é uma pessoa doce e bondosa, que não gosta de ver os outros sofrendo, mas não justifica se meter na vida dos outros. – Ela olhou nos olhos de Griffon enquanto falava com ele – Griffon, você também é um amor de pessoa, carinhoso e bondoso, então por que brincar com os sentimentos dos outros? Gostaria que fizessem isso com sua irmã? Não vou obrigar vocês fazerem as pazes, vocês são irmãos e devem se entender.
- Está bem, mãe. – concordamos ainda cabisbaixos.
- Griffon você está proibido de jogar quadribol, de usar ou vender as Gemialidades e de usar seus poderes pelas próximas duas semanas. Seth você está proibido de ir ver a Luna por duas semanas também. E vão cumprir as detenções, juntos. Agora voltem às aulas.
Não tínhamos coragem nem de discordar, e acompanhamos mamãe até o castelo, onde ela despediu-se de nós e usou uma das lareiras. Griffon e eu nos olhamos, mas não trocamos uma palavra, indo a direções opostas, sem sequer olhar pra trás.