Voltar para Beauxbatons depois da morte do meu irmão não foi fácil. Passei uma semana a mais em casa com meus pais, mas não podia mais adiar e tive que voltar ao convívio das pessoas no castelo. Era estranho ver todas aquelas pessoas que eu não fazia a menor idéia de quem fossem vindo me cumprimentar e perguntar se estava bem. Era irritante e só me fazia lembrar de Johnny cada vez mais, mas respondia sempre com um sorriso simpático e agradecia por se importarem.
Aturar os desconhecidos era chato, mas pior que atura-los, era ter que ouvir o mesmo tipo de pergunta diariamente dos meus amigos. Todos me tratavam como se eu fosse feita de porcelana e pudesse quebrar a qualquer instante. Até mesmo Anabela, que não era tão afetuosa assim, me paparicava. Com eles tinha liberdade de expressar o que realmente sentia, então depois de uma semana de mimos, dei um ataque na mesa do café da manha e nenhum deles voltou a me perguntar se estava bem outra vez. Sabia que eles estavam apenas preocupados comigo, pois era obvio que eu sentia falta do meu irmão, mas eu estava tentando me recuperar do choque do meu próprio jeito e gostava de ficar sozinha de vez em quando. Eles não entendiam muito bem os meus motivos, mas respeitavam.
°°°
Junho de 1959
O mês de maio passou como um raio. Tentando manter minha mente longe da perda de meu irmão, me afundei nos estudos a fim de recuperar a semana perdida em casa e não vi o tempo passar. Muita coisa aconteceu durante esse meu período de reclusão, incluindo o assassinato de toda a família de AJ orquestrado pelo próprio irmão, que cruzávamos todos os dias nos corredores, e foi muito chocante para todos. Isa seria a oradora da turma e agora seus amigos estavam preparando uma homenagem para ela, que seria feita durante o discurso.
Mas se o mês de junho significava formatura para as turmas do 7º ano, para as turmas do 6º tinha outro significado: N.O.M.s. Dificilmente algum aluno às vésperas dos exames era visto passeando pelo castelo, estavam sempre escondidos nos salões comunais ou na biblioteca, o que para mim era a desculpa perfeita para não socializar. Mesmo já tendo passado 2 meses, ainda não havia me recuperado do acidente e sabia que possivelmente a ferida jamais cicatrizasse, então evitava ficar perto das pessoas para me esquivar das perguntas.
Havia me transformado em uma nerd, já tinha lido quase metade dos livros da escola e sabia que nem precisaria mais estudar para os exames, pois sabia tudo, mas ainda assim me isolei no fundo da biblioteca para revisar Astrologia, única matéria que não conseguia aprender. Era um sábado, véspera do inicio dos exames, e o sol brilhava forte do lado de fora. O verão já começava a dar sinal de vida e podia ver meus amigos no jardim pela janela, mas ignorei a movimentação e me concentrei nos livros.
- Kwon chamou você de rata de biblioteca essa semana – ouvi a voz de Danielle se aproximando e abaixei o livro – Vindo dele esse apelido, você deveria se sentir ofendida.
- Não me ofende – dei um sorriso fraco e ela puxou uma cadeira. Droga. – Por que não está lá fora com eles?
- Acho que essa pergunta quem deve fazer sou eu – ela devolveu – Quanto tempo tem que você não caminha pelos jardins?
- Não tenho tempo de caminhar pelos jardins, nossos exames começam semana que vem.
- E você está estudando para eles desde maio? – ela perguntou em tom de ironia.
- É o que se faz quando quer obter notas altas nos N.O.M.s, e não ficar jogando quadribol ou brincando nos jardins com bexigas.
Houve um instante de silêncio onde Danielle me encarou com curiosidade e eu fingi que não havia entendido o motivo, mas a verdade era que sabia o porquê daquela reação. Desde a morte de Johnny, quadribol havia se tornado um assunto doloroso para mim. Não que tivesse deixado de gostar do esporte, mas agora não fazia mais diferença jogar ou não no time da casa. Johnny era a única pessoa da minha família que me apoiava e agora não estava mais aqui para me ver seguindo seus passos, então não me importava mais.
- Desde quando você faz pouco caso do quadribol?
- Não é pouco caso, apenas tenho coisas mais importantes com que me preocupar no momento.
- Estamos preocupados com você, Bia – Danielle assumiu um tom de voz que misturava pena com preocupação e comecei a me irritar – Você não sai mais, vive enfiada aqui, quando tentamos puxar conversa você logo arruma uma desculpa para ir embora...
- Talvez seja porque não agüento mais ouvir vocês perguntando se estou bem! – disse começando a me exaltar e ela percebeu, mas manteve a calma.
- Se as pessoas perguntam, é porque se importam com você.
- Pois então parem de se preocupar! – já estava totalmente exaltada e falei alto – Não fiquem perguntando como eu estou me sentindo, porque nenhum de vocês nunca perdeu alguém que ama para entender o que eu estou sentindo!
- Meus pais foram assassinados há dois anos atrás, Bianca. Desculpe desaponta-la, mas eu sei sim o que você está sentindo.
Silêncio outra vez. Danielle continuou me encarando sem perder a calma e eu me senti uma idiota com o que havia dito. Como pude esquecer que minha melhor amiga havia perdido os pais de uma maneira tão cruel? Meu rosto logo ficou vermelho de constrangimento e ao perceber que havia ficado sem jeito, ela sorriu.
- Dani, desculpa! Eu esqueci, de verdade, mas não quis dizer aquilo. Sei que você ainda sofre pela morte dos seus pais! – tentei me explicar e ela riu.
- Tudo bem, sei que pra você ainda é recente isso tudo, então vou deixar passar – ela continuou sorrindo e levantou – Mas não afaste seus amigos quando eles só querem lhe ajudar. Ficar sozinha só aumenta o sofrimento – ela caminhou até o fim do corredor e olhou para trás de novo – E não adianta estudar na véspera da prova. Se não aprendeu durante o ano, não vai aprender agora.
Ela saiu da biblioteca e fiquei sozinha outra vez. O barulho das conversas do lado de fora do castelo começavam a invadir o ambiente e estiquei o pescoço para ver a movimentação pela janela. Meus amigos formavam um circulo enorme no gramado e brincavam de jogar uma bexiga de dragão de mão em mão. Até mesmo Kwon se divertia com a brincadeira. Desviei a atenção deles e encarei o livro no meu colo, marcando o capitulo de cálculos lunares. Fechei-o bruscamente, levantando da cadeira. Danielle tinha razão. Se não havia aprendido aquela porcaria em 6 anos, não ia aprender em um dia. Juntei os livros e devolvi para as prateleiras, saindo para os jardins.
- Cabe mais um nessa roda? – perguntei me aproximando deles e as reações foram engraçadas. Todos pararam na mesma hora e me encararam surpresos. Danielle sorriu e deu dois passos para o lado entre ela e Anabela.
- Quem deixar a bexiga estourar, fica sujo de vomito de dragão – Andreas atirou a bexiga pra mim, que devolvi na mesma hora para Philipe.
- Bem vinda de volta – Dani falou do meu lado e sorri agradecida.
Por mais que ainda estivesse sofrendo, ficar perto deles era o melhor remédio para a dor. Agora mais do que nunca eles eram as pessoas mais importantes da minha vida e nunca mais tentaria afastá-los outra vez.
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