Wednesday, April 22, 2009

- Vai Ginny! – Johnny gritou do meu lado, batendo palma e incentivando nosso irmão – Acaba com eles!
- Johnny, está todo mundo olhando! – puxei-o pelo braço e ele sentou outra vez, rindo.
- EUGENE, NÓS TE AMAMOS! – Johnny gritou outra vez rindo alto e me abraçou quando tentei me esconder dos olhares que nos cercavam – Relaxa maninha, Eugène está adorando a tietagem!
- Você é muito miqueiro... – comentei fazendo careta e ele riu mais ainda.
- Chata – revidou me empurrando de brincadeira.
- Imbecil – retruquei.
- Cabelo rebelde! – ele passou as duas mãos nos meus cabelos e os arrepiou todo, algo que odiava.
- Argh, seu idiota!

Voei para cima dele revoltada, ao mesmo tempo em que tentava abaixar os cabelos arrepiados. Johnny se esquivava dos meus tapas dando risada e as pessoas em volta da gente não paravam de olhar assustados, até que ele se desequilibrou e caiu do banco, rolando alguns degraus na arquibancada e me puxando junto. Paramos quando batemos na grade de proteção e a sombra do treinador Perrineau nos cobriu.

- Vocês estão atrapalhando o treino – ele disse com sua voz grave que assustava até meu pai – Vou ter que pedir que se retirem.
- Mas eu não tenho culpa, foi o Johnny, senhor Perrineau – tentei me safar, mas não colou.
- Johnny Latour... – ele falou meio que sorrindo, mas sem perder a pose séria – Meu jogador mais problemático, mas também o mais talentoso. Vejo que não mudou nada.
- Treinador – meu irmão apertou sua mão, sorrindo – Desculpe a bagunça, não queríamos atrapalhar.
- Estão desculpados, mas mantenho minha decisão de pedir que se retirem. Eugène precisa se concentrar e não está conseguindo com vocês dois fazendo escândalo da arquibancada.
- Muito justo – ele me abraçou limpando a grama da roupa e acenou para Eugène, que assistia a tudo de longe, achando graça - Voltamos para buscar nosso irmão quando o treino acabar.

Deixamos o campo de quadribol da liga infantil sob o olhar curioso das pessoas que acompanhavam o treino. Algumas nos olhavam pela exibição patética de briga entre irmãos minutos antes, outras olhavam para o astro do quadribol abraçado a mim. Johnny chamava atenção por onde andava e já estava acostumada com os olhares e cochichos que o acompanhavam. Atravessamos a rua e entramos em uma sorveteria aberta para esperar a hora de levar Eugène para casa. O dono da sorveteria veio pessoalmente nos atender e voltou para o balcão com um autógrafo do meu irmão misturado aos nossos pedidos.

- Você não terminou de me contar no que deu o protesto do Marcel, Bia - Johnny perguntou depois que trouxeram nossos sorvetes.
- Ah sim, o diretor prometeu estudar a idéia, disse que iria apresentar ao conselho de Beauxbatons - falei esperançosa - Agora só podemos cruzar os dedos e esperar. Mas os garotos já estão a postos para uma manifestação maior, anunciada até na rádio, caso nos enrolem demais.
- Ah bom, não podem desistir. Conheço o velho Charleston, basta ele se sentir pressionado que as coisas fluem com mais facilidade - ele piscou, dando a dica - E por falar em pressão, tenho entradas para o jogo do Testrálios de Olympique x Gigantes de Lyon. Quer ir?
- Claro! - respondi empolgada - Pierre contou que os jogadores andaram se estranhando, vai ser uma briga boa em campo!

Ele sorriu animado e terminamos nossos sorvetes conversando sobre amenidades, esperando o tempo passar. Como sentia falta de conversar com ele na escola, era sempre tão fácil. Johnny e eu brigávamos como qualquer irmão, mas as brigas nunca duravam mais que alguns segundos e logo estávamos rindo de nós mesmos, fazendo piada da situação. E apesar de ser o maior astro de quadribol da França da atualidade, não mudara nada. Era o mesmo Johnny bobalhão que gostava de bagunçar meus cabelos para me ver irritada, que escondia as cuecas limpas de Pierre no canil dos cachorros e que ensinava brincadeiras de mal gosto a Eugène, para o desespero de nossa mãe.

A hora de castigo fora do campo passou e voltamos para buscar nosso irmão mais novo, voltando para casa ouvindo-o contar do treino que perdemos e do jogo que teriam no fim de semana contra um time de Rennes. Passamos toda a tarde jogando jogos de tabuleiro com ele e quando anoiteceu, sai com Johnny e Pierre para o jogo. Pierre era locutor esportivo e quando chegamos ao estádio, se separou da gente indo para a cabine da rádio, enquanto eu ia com Johnny para a tribuna de honra.

A partida foi espetacular. Com os egos feridos por causa da troca de ofensas durante a semana, os times abandonaram qualquer tipo de diplomacia e partiram pra cima, usando todas as armas que possuíam e sem economizar nas faltas. Depois de mais de duas horas de jogo, Ian Moretz capturou o pomo e a partida terminou em 470 x 380 para os Testrálios de Olympique. A torcida na arquibancada fazia a maior festa e aproveitamos para sair antes que todos decidissem deixar o estádio ao mesmo tempo. Pierre já nos esperava ao lado do carro quando chegamos ao estacionamento.

- Preciso de uma carona até a casa da Sophie – disse já se apoderando do banco da frente quando Johnny abriu a porta.
- Por que você não aparata até lá? – perguntei azeda, sentando no banco de trás.
- Estou sem a minha licença, esqueceu? – respondeu revoltado – Só porque aparatei dentro da sala do Ministro, foi sem querer.
- É um idiota mesmo – Johnny implicou e ele riu, o que me deixou irritada. Se aquele comentário partisse de mim, geraria uma briga – Sophie é qual das suas namoradas?
- A ruiva – Pierre respondeu sorrindo presunçoso.
- Você é um porco mesmo – não me agüentei – Um dia elas vão descobrir que você tem três namoradas.
- Não se mete, garota, que coisa chata – Pierre retrucou.
- Parem vocês dois, será que não conseguem conversar sem brigar? – Johnny se meteu.
- Culpa dele, que acha que pode mandar em mim! – respondi já quase gritando
- Sou seu irmão mais velho, tenho um pouco de direito! – Pierre respondeu no mesmo tom.
- Você disse bem, é meu IRMÃO, não é meu pai! Não tem direito nenhum de mandar em mim, cale a sua boca!
- Não me manda calar a boca! – Pierre virou para o banco de trás com a face vermelha de raiva e Johnny o puxou de volta, achando que ele fosse encostar a mão em mim.
- PJ, a casa da Sophie fica a duas quadras daqui, você pode ir andando – Johnny parou o carro de repente e aprontou a varinha para a porta do carona, a abrindo – Estou de folga do trabalho e quero paz na companhia dos meus irmãos, mas se vocês não querem cooperar, então me vejo obrigado a botar ordem na casa. Pode descer, porque não quero gritaria no meu carro.
- É, eu posso ir andando mesmo – Pierre tirou o cinto e saiu do carro irritado, mas não sem antes olhar para trás e apontar o dedo pra mim – Nunca mais me mande calar a boca, ouviu?

Pierre bateu a porta com raiva e atravessou a rua sem nem olhar para trás. Johnny olhou para mim severo e torci o nariz, pulando para o banco da frente sem falar nada. Ele ligou o carro outra vez e voltamos para a estrada.

- Vocês dois, viu... – comentou depois de um longo período de silencio – Não entendo como brigam por qualquer coisa. Já vi vocês conversando tão bem!
- Quando eu volto da escola, depois de muito tempo longe, conversamos numa boa. Eu falo das aulas, ele me conta dos jogos, mas não demora muito e alguma coisa vira motivo para discussão. Sempre foi assim, sempre vai ser. Pierre é um porco machista e não vai mudar.
- PJ não é tão mal assim, Bia. Você só precisa dar uma chance a ele.
- Ele é um imbecil, isso sim – respondi ainda chateada – Eu não tenho dois irmãos mais velhos e um pai, mas sim um irmão mais velho e dois pais!
- Bia, nem sempre vou estar perto pra apartar as brigas e acalmar os ânimos. O que vai acontecer numa próxima vez que discutirem? Vai se atacar como dois animais, como estava prestes a acontecer agora pouco?
- Por que ele não é o astro de quadribol que está sempre fora e você o locutor que dorme em casa todos os dias? – perguntei inconformada e ele riu.
- Porque PJ como jogador de quadribol é um excelente locutor esportivo – ele respondeu e rimos alto – Quando você jogar profissionalmente vai dar um...
- JOHNNY, CUIDADO!

Gritei desesperada levando a mão ao rosto quando vi um caminhão vindo de encontro ao nosso carro e Johnny virou o volante depressa, mas já era tarde demais. Vi uma luz muito forte em cima da gente, ouvi uma buzina alta e no instante seguinte o carro levantou vôo, capotando várias vezes e parando de cabeça para baixo do outro lado da estrada. Como estava presa pelo cinto, fiquei pendurada por ele e sentia a cabeça muito pesada, vendo algumas gotas de sangue pingando da minha testa. Fazia um esforço absurdo para manter meus olhos abertos, minha cabeça rodava e sentia vontade de me render ao cansaço e apenas dormir, mas lutei contra essa vontade. Olhei para o lado assustada e não conseguia ver o rosto de meu irmão, somente seu braço estirado no chão, sujo de sangue.

- Johnny?? Johnny?? – chamei-o chorando, tentando me soltar do cinto – Johnny, você está me ouvindo??
- Eu estou aqui, estou bem – ouvi meu irmão responder perto de mim, embora ainda não pudesse ver seu rosto – Tudo vai ficar bem, o socorro já vai chegar. Estou aqui do seu lado, seja forte.
- Ok... – respondi engolindo o choro.

Ouvir a voz de meu irmão me reconfortou e pude respirar aliviada. Sabendo que ele estava bem e do meu lado, parei de lutar contra o cansaço e deixei que meus olhos fechassem. No mesmo instante, tudo ficou escuro e silencioso, e a dor que sentia já não existia mais. Johnny disse que tudo ia ficar bem, e ele nunca mentiu pra mim.

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