Thursday, August 13, 2009

Minhas férias em Florença passavam sem emoção. Nos intervalos em que minhas primas não apareciam para tomar café durante as folgas nos trabalhos, me ocupava em ajudar a vovó a cozinhar. Não que eu fosse uma boa cozinheira ou mesmo gostasse de mexer em panelas, mas dessa forma ficava perto dela. Sempre tínhamos assunto para colocar em dia e ter minha ajuda em seu lugar favorito da casa a deixava feliz.

Andreas, ao contrario de mim, não parava em casa. Na parte da manha, todos os dias, pegava uma chave de portal e encontrava alguns de nossos amigos em Londres para umas aulas de Defesa Avançada organizada pela mãe do AJ. Quando estava em Florença, desaparecia pelas ruas com nossos primos e geralmente voltava de madrugada.

Marcel ainda não havia dado notícias desde sua última carta, pedindo que não fizesse nenhuma bobagem e deixasse que ele resolvesse a confusão. Isso me deixava um pouco apreensiva, conhecia Marcel muito bem para saber que ele tanto podia estar desmentindo tudo de maneira que eu saísse ilesa como podia estar piorando as coisas, transformando a mentira em uma bola de neve devastadora. A demora por uma notícia estava me deixando louca, mas minha sorte, ou não, parecia que ia mudar quando Andreas apareceu de repente no meio da sala, segurando uma lata amassada na mão.

- Huum, estou faminto – ele apareceu na cozinha olhando para as panelas e pegando um bolinho já frito do prato – O que tem pro almoço hoje, vovó?
- Isso que você está comendo – ela bateu em sua mão e Andreas riu – Vá se lavar e pare de beliscar, ou não vai comer direito.
- Como se beliscar antes do almoço tirasse meu apetite – agora foi vovó que riu – Olívia, tem correspondência pra você na sala.

Ele me olhou indicando a sala com a cabeça e o segui. Quando estávamos fora do alcance dos ouvidos supersônicos da vovó, ele tirou um envelope de aspecto oficial do bolso do casaco e me entregou. Reconheci de imediato como uma correspondência formal da Família Real e meu coração chegou a disparar de pavor. Abri o envelope depressa e uma olhada rápida revelou que era um convite formal para passar o fim de semana em La Roche, para um almoço de aniversário de Remy. Ele reuniria os amigos para passar a noite lá, mas o almoço em família era uma tradição e ele não conseguiu evitar. Pelo convite, percebi que meus pais receberam um igual, ele se estendia a nossa família toda.

- Não sei o que você e Marcel estão tramando, mas deixe avisa-la logo que não quero participar – Andreas parecia já saber o conteúdo da carta – O que quer que seja, vai terminar mal e não quero estar envolvido. Já avisei a Marcel que não vou. Além de não querer ser cúmplice, já marquei de jogar bola com Marco e Filipo no fim de semana.
- Não estamos tramando nada – falei ofendida e sabia que era uma péssima mentirosa, ainda mais quando falava com Andreas, que me conhecia melhor do que ninguém – E nada vai acabar mal – ao menos era o que eu esperava, mas não precisava dizer essa parte.
- Bom, espero que tenha razão – ele deu de ombros – Vou tomar banho pra almoçar.

Andreas subiu correndo as escadas e voltei para a cozinha para ajudar a vovó, mas minha cabeça já estava longe. Uma reunião com toda a Família Real e meus pais não poderia dar certo.

ººº

Meus pais enviaram uma chave de portal para me buscar em Florença bem cedo no sábado e sai junto com eles de Mônaco pouco depois das 10h rumo a La Roche. Era impossível aparatar ou chegar até lá por chave de portal devido à segurança, então nossa chave nos levou até um vilarejo próximo e um dos seguranças da Guarda Real foi nos buscar de carro.

Nunca havia pisado em La Roche, mas a primeira visão que tive daquela fortaleza era exatamente como víamos nas fotos dos livros de História da Magia Francesa. O lugar era imenso e lindo. Fomos guiados até o hall de entrada do castelo e os pais de Marcel já estavam esperando para nos receber. Eles eram sempre muito educados e receptivos, poderiam fazer até mesmo a pessoa mais detestável do mundo se sentir bem vinda. Meus pais os cumprimentaram entusiasmados e apertei a mão dos dois um pouco sem graça. Era a primeira vez que encontrava o Rei e a Rainha na condição de namorada do Príncipe, mesmo que fosse mentira.

- Perdoem a falta de educação de nossos filhos, mas nós perdemos o controle sobre eles a partir do momento em que pisamos em La Roche – o pai dele falou rindo, nada constrangido.
- São muitos primos para dividir as atenções, os pais são deixados de lado – a mãe dele explicou e papai assentiu com a cabeça, provavelmente lembrando que também eram ignorados nas reuniões de família em Florença – Ah, Charlotte, venha aqui!

Charlotte descia as escadas distraída e encarou com surpresa a nossa presença. Veio caminhando devagar e sorriu de leve quando trocou um olhar rápido comigo.

- Os pais de Olívia vieram almoçar conosco – seu pai explicou e ela pareceu entender, pois sorriu mais animada.
- Desculpem, é que ainda não me acostumei com a idéia de que Olívia agora é namorada do meu irmão – ela agarrou minha mão de repente – Ele está no campo jogando Pólo, vou levar você até lá – e saiu me puxando antes que pudesse dizer alguma coisa.

Gostava de Charlotte. Embora muitas pessoas a julgassem esnobe, quem a conhecia de verdade sabia que ela estava longe de ser assim. Charlie, como gostava de ser chamada, é reservada e tem poucos amigos, mas é muito gentil e generosa. Fomos conversando pelo caminho e senti-me mal por mentir para ela, mas não podia fazer nada diferente sem antes conversar com Marcel. Chegamos ao campo e não consegui identificar Marcel em meio aos muitos cavalos que corriam de um lado para o outro, mas ele me viu assim que paramos perto da grade e ergueu a mão avisando que ia sair do jogo.

- Vou deixar vocês a sós – Charlie piscou para mim e senti meu rosto corar.
- Oi – Marcel desmontou do cavalo e o atrelou a uma barra de ferro. Ele se aproximou animado e me deu um beijo no rosto – Por que demoraram tanto?
- No convite dizia que era almoço, chegamos a tempo, não? – respondi encostando na grade e ele sentou no banco na minha frente – O que você andou contando as pessoas?
- Nada demais, apenas segui com a brincadeira – ele deu de ombros e riu – Meus pais são animados demais, insistiram em convidá-los para o aniversário de Remy. Na verdade eu nem tentei impedi-los, queria ver você. Vejo os outros nas aulas, mas você não se inscreveu, já estava com saudades.
- Acho melhor contar a verdade a todos, Marcel – ignorei o fato de saber que meu rosto estava vermelho – Por quanto tempo acha que vamos conseguir enganar a eles?
- Você quer admitir aos seus pais que mentiu? Eles não vão gostar.
- Vão gostar menos ainda se demorar mais tempo pra contar. Uma hora eles vão saber, ou você pretende se casar comigo de mentira também?
- Olha, só temos mais umas duas semanas de férias e depois estamos de volta a Beauxbatons, longe dos olhos deles. Só temos que manter a brincadeira por mais uns dias. Depois, já na escola, inventamos uma briga e depois contamos que achamos melhor continuarmos apenas como amigos.
- Não sei não... – ainda estava nervosa com aquilo tudo e Marcel pegou a minha mão, alisando o polegar nas costas dela. Aquilo seria perfeitamente normal, se fosse uma situação diferente.
- Relaxe, só temos que fingir bem – ele sorriu – Não sou tão insuportável assim, sou? Acha que agüenta passar dois dias na minha companhia, como se fosse mesmo minha namorada?
- Você não é nada insuportável. Sabe que gosto da sua companhia, sempre gostei, o problema são os olhares de avaliação. Tem um primo seu que não tira os olhos de nós dois, acho que ele está desconfiado de alguma coisa.
- Que primo? – Marcel de repente pareceu alarmado, mas não olhou para trás.
- Um loiro, olhos verdes, muito parecido com você – descrevi o garoto que agora caminhava na nossa direção.
- Louis, droga! – Marcel ficou de pé e quase me imprensou contra a grade – Desculpe, mas vai ter que soar mais convincente que isso, passe as mãos em volta da minha cintura.
- O que? – me assustei com a possibilidade – Por quê?
- Louis é extremamente perceptivo, às vezes parece que pode ler nossas mentes. E ele não pode desconfiar de nada, senão vai querer me subornar – fiz uma careta e ele riu – Não, ele não é ruim, é que fiz isso com ele ano passado e ele está louco pra dar o troco.

Eu ainda estava parada sem reação encostada contra a grade e Marcel pegou minhas mãos, jogando-as em volta de sua cintura. Depois encostou mais o corpo contra o meu e sua boca estava encostada em meu ouvido. Fechei os olhos, torcendo para que ele não falasse nada.

- Estou atrapalhando? – uma voz me fez abrir os olhos. O primo dele estava parado ao nosso lado.
- Você sempre atrapalha, Louis – Marcel falou em tom de brincadeira – Ollie, esse é meu primo Louis. Essa é Olívia, minha namorada.
- Ah, a famosa Olívia – ele estendeu a mão e a apertei – Charlotte falou mais de você que Marcel, mas ele também andou se gabando. Diga-me Olívia, como uma menina bonita como você pode namorar um cara feio como o Marcel?
- Do mesmo jeito que Verônica parece tão apaixonada pelo ogro que é você – Marcel revidou de imediato e agradeci mentalmente por não ter que responder que ele não era feio, mas sim lindo.
- Faltam 10 minutos para o fim da partida, volte ao campo porque estou começando a ficar com fome, quero acabar logo com isso – ele falou mudando o assunto e sorriu pra mim – Foi um prazer finalmente conhece-la, Olívia – e sorri de volta.
- Sim senhor! – Marcel bateu continência em deboche – Isso não vai demorar, pode assistir da arquibancada. Só fique longe daquela morena de chapéu, é minha tia Cecília, ela está louca pra interrogar você – ele sorriu divertido e deu outro beijo em meu rosto, mas dessa vez tocou o canto dos meus lábios.

Antes que eu pudesse corar ele já estava de volta ao campo em cima do cavalo. Subi para a arquibancada e procurei manter uma distancia segura da tia Cecília. Fiquei muito grata quando Charlotte percebeu que estava sozinha e veio me fazer companhia, assim evitava a aproximação dos outros. Se antes meu receio era saber por quanto tempo conseguiríamos enganar os outros, agora ele havia mudado. Por quanto tempo será que EU agüentaria fingir ser namorada do Marcel, tendo que representar tão bem? Andreas tinha razão, aquilo não podia terminar bem.

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