Thursday, January 15, 2009

"Os homens cultivam cinco mil rosas num mesmo jardim e não encontram o que procuram. E, no entanto, o que eles buscam poderia ser achado numa só rosa."

-- Antoine de St. Exupéry


O relógio de parede pendurado em cima da lareira do salão comunal da Lux marcava 2 horas da manha e apenas uma pessoa ainda mantinha a luz do lampião acessa. Marcel apoiava a cabeça com uma das mãos, e a outra se mantinha ocupada escrevendo em um rolo de pergaminho. Ao lado dos livros espalhados pela mesa, uma caneca com café e uma caixa de sapos de chocolate. Seus olhos começaram a fechar lentamente e seu queixo escorregou da mão, fazendo o garoto saltar da cadeira assustado quando sua testa bateu com força na mesa.

- Machucou? – a voz de Olívia o fez olhar pra trás assustado – O que foi?
- Você me assustou – disse com um ar cansado, e voltou a se virar para frente.
- Desculpe, não era a minha intenção – ela riu, se aproximando. Usava um robe de cetim vermelho por cima do pijama – Sai para ir ao banheiro e vi que ainda tinha luz aqui embaixo. O que faz acordado essa hora?
- A velha cachaceira passou dever extra pra mim, por ter dormido na aula – Marcel respondeu fazendo careta e indicou os livros na mesa – Tenho que entregar amanha um resumo sobre a Revolução dos Gigantes de 1473.
- A revolução que ocorreu em Reims? – Olívia puxou um dos livros pra si e abriu, interessada – Foi um grande acontecimento, realmente... Os gigantes dizimaram quase toda a população da cidade. Saíram das montanhas quando anoiteceu e pela hora em que o sol saiu outra vez, já quase não restavam sobreviventes – ela parou de falar quando percebeu que ele a fitava com uma expressão perplexa – O que foi?
- Você gosta de História da Magia – ele dizia como se constatasse que ela tinha uma doença grave – Você sabe tudo sobre essa revolução, não sabe?
- Sim, eu gosto de História – respondeu um pouco ofendida pelo tom que ele usou – Não é tão ruim assim, talvez se experimentasse não dormir em aula, aprendesse a gostar também.
- Duvido muito – ele fez outra careta e ela riu – Ollie, me ajuda, por favor! Se ler mais uma linha desses livros, vou dormir! Mas se você me contar a história dela, vou conseguir escrever esse resumo ainda hoje.
- Não sei, Marcel... – ela devolveu o livro à mesa – Está tarde, e é uma história muito longa. Você já está sonolento, vai acabar dormindo e me deixar irritada.
- Não, eu não vou dormir – ele agarrou as mãos dela, desesperado – Juro pra você que vou prestar atenção! Não posso tirar nota baixa, meu pai come o meu fígado. E a velha cachaceira está só esperando por essa oportunidade! Por favor, Olívia. Se você for minha amiga de verdade, não vai me deixar na mão!
- Chantagem barata, boa jogada, Grimaldi – Olívia riu balançando a cabeça e tornou a pegar o livro – Ok, vamos lá. Mas se você dormir...

Marcel sorriu fazendo uma cruz com os dedos e beijando-os em seguida, e se ajeitou na cadeira para ouvi-la contar a história da Revolução dos Gigantes de 1473. Quando Olívia terminou, meia hora depois, Marcel conseguiu começar seu resumo. Terminou quase 4 horas da manha, sob a supervisão da amiga, e foram dormir sabendo que restavam apenas duas horas para levantarem, mas ele estava satisfeito. Ainda não era dessa vez que Cordelia Blanchard ia derrubá-lo.

*****

As aulas de quinta-feira já haviam terminado e os alunos aguardavam famintos que o jantar fosse servido. Olívia conversava com Danielle na mesa da Lux sobre a aula de botânica que tiveram horas antes quando Marcel apareceu ao seu lado. Tinha um sorriso de satisfação estampado no rosto e abriu a pasta, tirando um pergaminho de dentro e entregando a amiga.

- “O”! – Olívia olhou para o pergaminho e sorriu radiante para o amigo – Marcel, você tirou “O”! Parabéns!
- Graças a você – ele sentou no banco ao seu lado e lhe deu um beijo no rosto – Você é a melhor, Olívia. A cachaceira gostou tanto do resumo que chegou a achar que havia colado, de “tão perfeito que está” – as garotas riram – Palavras dela.
- Uau Ollie, você conseguiu fazer o Marcel entender História da Magia! – Danielle falou chocada – Deve ser mesmo uma professora e tanto!
- A melhor do mundo, Dani – ele falou sorrindo e ela corou – Sem ela, estaria perdido.
- Não seja exagerado, Marcel – Olívia falou sem graça – Tudo que fiz foi contar a história da revolução e impedir que você dormisse.
- Mesmo assim, fez um excelente trabalho – ele parou de rir e encarou-a sério – Estava pensando, se você quiser e não for dar muito trabalho, será que poderia me dar umas aulas? História da Magia e Literatura, meus dois pontos fracos. Sei que são suas matérias favoritas e com o simulado dos NOMs cada vez mais próximo, preciso começar a entender o que é dito em sala.
- Já tentou prestar atenção? – Danielle sugeriu, rindo.
- Já, mas não deu certo – ele sacudiu a cabeça, dramático – É muita gente na sala, qualquer coisa me distrai.
- Tudo bem, não vejo problema nisso – Olívia respondeu sorrindo – Vai ser até bom, assim reviso a matéria enquanto ensino a você. Depois vemos um horário vago pras aulas, nada de estudar de madrugada como ontem.
- É por isso que eu te amo, Olívia – ele beijou outra vez seu rosto e saltou da cadeira, saindo do salão apressado.
- Dar aula ao Marcel... – Danielle comentou vendo o amigo correr para fora do salão – Boa sorte! – e as duas riram, enquanto Olívia balançava a cabeça, se perguntando se aquilo realmente daria certo.

*****

- Marcel! – Olívia fechou o livro com violência e o garoto olhou distraído – Você não está prestando atenção!
- Desculpa, estou sim – ele sorriu e se sentou direito no chão – Estava só copiando os horários do simulado. Estou ficando sem tempo entre as aulas, o quadribol, a rádio e nossos estudos.
- Por que mesmo você está na rádio? – Olívia ajeitou a almofada nas costas para ficar mais confortável – Você não precisa dos créditos.
- Ah, o Andy e a Frida queriam companhia, acabei topando – ele deu de ombros, mexendo no cabelo – Mas está sendo divertido, o japa fica doido quando começamos a rir nos ensaios, morre de medo de termos um acesso de riso no ar.
- Vocês não deviam judiar tanto assim do Kwon – Olívia não riu – Coitado, ele trabalhou muito ano passado pra conseguir arrumar a rádio, se esforça pra manter programas de qualidade e vocês levam tudo na brincadeira. Pode ser piada pra vocês, mas pra ele é coisa séria.
- Nossa, calma, também não é pra tanto – Marcel se espantou com a reação dela – Só nos divertimos na rádio-novela, mas não achamos que o trabalho do Kwon é bobagem. Sei que ele batalhou pela rádio durante todo o último ano.
- Bom, pois não parece. Vocês falam tudo em tom de deboche e ele sente isso, mas não fala.
- Olívia... – Marcel encarou a garota, rindo – Você gosta do japa?

Olívia abaixou a cabeça rápido demais, evitando o olhar de Marcel, e aquele gesto foi a confirmação que ele precisava. O garoto jogou o corpo pra trás rindo alto, caindo por cima dos livros. Olívia puxou a almofada em que estava apoiada e atirou nele, que desviou sem parar de rir.

- Para com isso, não tem graça – Olívia reclamou, incomodada com a risada do amigo.
- Não acredito nisso! – Marcel sentou outra vez, e controlou os risos – Ele sabe? Ah, que pergunta idiota, Marcel. É claro que não! – ele mesmo respondeu – Kwon é muito lesado pra isso.
- Ele não é lesado – ele defendeu o amigo, o que causou mais risadas de Marcel – Eu que nunca demonstrei, não teria como ele saber.
- E por que não? – Marcel parou de rir, embora o sorriso debochado continuasse estampado em seu rosto – Vocês fariam um par perfeito.
- Ah, não sei... Não acho que ele goste de mim do mesmo jeito e prefiro não estragar nossa amizade, caso tentássemos e não desse certo. Nunca voltaria a ser como antes e não quero isso.
- Prefere ficar o resto da vida sem descobrir? Que absurdo!
- Falou o romântico a moda antiga... – ela riu debochada – O que você entende sobre isso? Só vejo você trocando de namorada todo mês. Você chega a decorar o nome delas, ou não dá tempo?
- Esse sarcasmo não vai resolver seu problema. E pro seu governo, eu entendo muito mais do que pensa – Marcel disse convencido – E quanto às garotas, não são namoradas, são casos. Vou me preocupar em lembrar o nome quando encontrar a garota certa.
- Quem não te conhece, pode até acreditar nisso tudo, mas comigo não cola.
- Ah é assim? – Marcel ficou de pé, fingindo estar ofendido – Pois bem, vou ajudá-la a conquistar o Samurai, quer você queira ou não – Olívia abriu a boca pra falar, mas ele não deixou que ela interrompesse – E por hoje podemos encerrar os estudos, tenho uma novela para ajudar a colocar no ar. Sugiro que vá dormir e tenha uma boa noite de sono. Se acordar com olheiras, pode prejudicar o andamento das coisas. Kwon tem suas esquisitices, mas duvido que se sinta atraído por guaxinins.

Marcel sorriu catando a mochila do chão e jogou nas costas, saindo do salão comunal e largando Olívia sozinha, sem reação. Talvez as aulas particulares não tenham sido mesmo uma boa idéia.

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