Wednesday, July 15, 2009

Florença, Itália.

Olívia estava sentada na varanda da casa de sua avó Valentina observando o irmão gêmeo no jardim brincando com o primo de 4 anos, Vincenzo. A bagunça que os dois faziam estava divertida, mas a atenção de Olívia se desviou por um instante, ao perceber que uma coruja de aparência pomposa voava em sua direção. Logo reconheceu como uma das corujas reais que Marcel usava para se corresponder com os amigos durante as férias. A ave parou ao seu lado delicadamente e o selo gravado no rolo de pergaminho que ela carregava confirmou suas suspeitas.

- Obrigada, Agnes – ela acariciou a coruja e retirou o pergaminho, mas a ave continuou no mesmo lugar.

Olívia retirou o selo que prendia o pergaminho com cuidado e o desenrolou, revelando a letra muito bem desenhada de Marcel por cima do símbolo da Família Real impresso no tecido.

Oi Ollie.

Como estão as férias em Florença com o Andreas? Espero que boas. As coisas aqui em La Roche estão bem movimentadas, toda a Família Real se reuniu para as comemorações dos 84 anos do meu avô, então atividades não faltam.

Cada dia é uma novidade e essa semana uma coisa bastante peculiar aconteceu. Recebemos a visita de Giuseppe e Cecile Jacquot Casiragui, que atendem pela alcunha de seus pais.

Olívia parou de ler a carta, uma expressão de pânico tomando conta do seu rosto que até pouco tempo sorria. Suas mãos tremiam levemente e começava a suar frio. Se seus pais haviam procurado Marcel, então ele agora sabia de tudo. Queria rasgar a carta e não terminar de ler, mas sabia que não poderia fazer isso. Com as mãos geladas, sacudiu o pergaminho que começava a amassar e baixou os olhos novamente.

Eles fizeram uma visita não-oficial a meus pais e o assunto da conversa era o futuro do nosso relacionamento. Aparentemente, seu pai, e mais tarde o meu também, queria saber quais eram as minhas intenções com você. Queriam saber se era só uma distração de escola ou algo sério, que pudesse resultar em casamento, pois, segundo meu pai, não posso demorar a escolher uma esposa e não tenho tempo a perder com namoros sem futuro.

Confesso que na hora fiquei um pouco perdido, mas pelo bem da piada, resolvi entrar na deles. Foi divertido bancar o namorado ideal, mas gostaria que você me desse algum tipo de explicação, pois seus pais virão almoçar aqui no domingo e para continuar a farsa, preciso saber o que está acontecendo. E algo me diz que você é a única pessoa que pode me deixar melhor informado sobre esse pequeno equivoco.

Ordenei que Agnes ficasse por ai até que você me respondesse, então não tente me enrolar. Ela é muito obediente e precisa, calculei que estará de volta com sua resposta em dois dias e ficarei no aguardo.

Abraços,
Marcel Grimaldi.

Olívia dobrou o pergaminho sem acreditar no que tinha acabado de ler. Por que seus pais tinham que procurar o Rei e a Rainha? O que eles tinham a ver com isso tudo? Por que sempre tinham que estragar as coisas? Agora, além de quase ter sido exposta ao ridículo diante da Realeza Francesa, teria que passar pelo constrangimento de admitir para Marcel que mentiu a seus pais alegando que ele era seu namorado. Olhou para a coruja parada no braço da cadeira e sabia que ela não sairia do seu lado até que tivesse uma resposta amarrada à pata, então procurou um rolo de pergaminho em branco nas gavetas da avó e molhando a pena no tinteiro, começou a se explicar.


*****

La Roche - Borgonha, França.

La Roche, o imenso castelo que servia como casa de campo para os membros da Família Real, ficava localizado ao norte de Borgonha, em uma região afastada e de difícil acesso a imprensa. Todos os seus muitos hectares eram protegidos com feitiços contra aparatação e seus muros altos davam à impressão de que o lugar era uma fortaleza. E era. La Roche era fortemente guardada por meios bruxos e trouxas, impossibilitando o acesso de qualquer pessoa que não fosse convidada. “Mas ainda assim”, pensou Marcel, “os pais dela conseguiram chegar aqui”.

O príncipe herdeiro estava montado em seu cavalo, correndo de um lado para o outro do enorme campo de pólo, já perdido em meio à partida que disputava com seus primos e tios. Os acontecimentos inesperados da semana passada ainda mantinham sua mente distraída. Pelos seus cálculos, Olívia já havia recebido sua carta e respondido, Agnes deveria estar chegando com a resposta a qualquer momento. A bola havia acabado de escapar da mira do seu taco e seu primo, Príncipe Louis, o Duque de Rennes, passou zunindo do seu lado, reclamando.

- Preste mais atenção, Marcel! – o garoto absurdamente loiro e de olhos verde esmeralda girava o taco com habilidade nas mãos enquanto cavalgava – Tio Albert está ganhando terreno!

Marcel parou o cavalo e percebeu que seu tio Albert, o Conde de Toulouse, estava mesmo ganhando espaço em campo. Já se aproximava da baliza com a bola e ele mais do que depressa agitou o cavalo, disparando em sua direção. Quadribol era o seu forte, mas Marcel também era muito habilidoso no Pólo, esporte que praticava desde que tirou as fraldas. Sem dificuldades, alcançou o Conde e lhe roubou a bola, ganhando distancia e acertando com uma única tacada a baliza do time adversário. Seu time comemorava o gol marcado quando Marcel percebeu que uma das governantas da casa se aproximava com uma bandeja na mão, contendo um envelope. Ela dirigiu a palavra a um dos seguranças que acompanhava o jogo e Marcel ergueu a mão sinalizando que ia sair de campo, cavalgando até eles.

- Correspondência para mim, Owen? – perguntou desmontando do cavalo e o atrelando ao poste de madeira.
- Sim, alteza – o segurança respondeu formalmente, retirando o envelope da bandeja e liberando a governanta – O conteúdo já foi fiscalizado pela segurança, não há riscos.
- Obrigada, eu fico com isso agora. – Marcel riu, pegando o envelope e se afastando.

Privacidade na Família Real era uma ilusão. Além dos inúmeros seguranças que seguiam seus membros por todo canto, qualquer tipo de correspondência que chegasse destinada a algum deles era minuciosamente fiscalizada por uma equipe antes de chegar às mãos do destinatário. Seu conteúdo não era lido, mas o envelope era violado em busca de algo que parecesse suspeito. Uma única carta indignada de uma fã do Duque de Reins contendo pús de bubotubera que passou despercebido foi o suficiente para gerar o pânico. Marcel sentou na arquibancada do campo e abriu o envelope. Logo reconheceu a letra de Olívia.

Enquanto ia lendo o conteúdo da carta, ria involuntariamente. Tinha absoluta certeza de que ela era mesmo a mentora daquela confusão toda e desconfiara antes mesmo de ler que seriam exatamente aqueles os motivos que levaram a amiga a mentir. Olívia parecia desesperada e bastante constrangida com aquela situação toda, disposta a desfazer a confusão sozinha, mas Marcel teve uma idéia melhor. Não sabia se era seu espírito maroto falando mais alto ou o fato de que, recentemente, sentia-se estranhamente atraído pela amiga, mas decidiu levar aquela mentira adiante. Virou o pergaminho do avesso e pediu uma pena emprestada ao seu segurança particular, apoiando o tecido nos joelhos.

“Não faça nada a respeito disso, pode deixar que tenho tudo sob controle. Vou lhe ajudar nessa historia, vamos ver aonde ela pode chegar. Quando seus pais voltarem aqui no domingo, vão passar a idolatra-la. Fique tranqüila, tudo vai acabar bem, já planejei tudo. Nos vemos em breve. Marcel”.

O recado era rápido e direto, mas bastaria para que Olívia não entrasse em pânico com um súbito surto de arrependimento e botasse tudo a perder. Aquela talvez fosse sua chance de ouro e não a deixaria escapar, quando, de uma hora pra outra, estava com o controle das coisas na palma de sua mão.

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